A Bolsa de Valores de São Paulo trabalhou hoje sob a sombra da tragédia em Brumadinho (MG). As ações da Vale despencaram 24,52% e as da Bradespar, uma de suas controladoras,24,49%. A queda de hoje representa perda de R$ 70 bilhões no valor de mercado da companhia. Principal responsável pela perda de mais de 2 mil pontos do Ibovespa neste pregão, a Vale ON, responde por 10,9% da carteira do índice. Com isso, o Ibovespa não parou de cair. O indicador fechou o dia em baixa de 2,29%, com 95.443 pontos. O dólar encerrou a segunda-feira negociado em alta de 0,12%, a R$ 3,76.
Uma estimativa de analistas que o Seu Dinheiro obteve no mercado aponta que, descontado o efeito da ação da Vale, o Ibovespa teria subido 0,4% nesta segunda-feira.
Reação da empresa
Em reunião extraordinária realizada ontem, 27, o Conselho de Administração da Vale decidiu mudar o sistema de remuneração e incentivos devido ao rompimento da barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
Em fato relevante, a mineradora informa que o Conselho decidiu suspender o pagamento de remuneração variável aos executivos e também a Política de Remuneração aos Acionistas "e, consequentemente, o não pagamento de dividendos e juros sobre o capital próprio (JCP), bem como qualquer outra deliberação sobre recompra de ações de sua própria emissão".
Reflexos até na China
Na madrugada de hoje na China, os contratos futuros de minério de ferro subiram 4% em meio a preocupações sobre a oferta, uma vez que inspeções de segurança em outras operações da Vale podem afetar a produção da mineradora de forma mais ampla. O motivo do rompimento da barragem ainda não foi esclarecido, mas já foram contabilizados pelo menos 292 desaparecidos, 192 resgatados e 60 mortos, conforme a Defesa Civil de Brumadinho.
Desconfiança
Além de gerar preocupações sobre a oferta global do minério, o rompimento da barragem levanta questionamentos sobre as outras barragens da mineradora, sobre o arcabouço técnico que rege auditorias e licenciamentos ambientais e também sobre o fato de um evento considerado "raríssimo" não ser tão raro assim.
Vai ter briga
Quatro escritório norte-americanos de advogados, o Wolf Popper, o Bronstein, Gewirtz & Grossman, o Rosen Law e o The Schall Law Firm anunciaram que pretendem abrir ação coletiva contra a Vale em Nova York, por conta das perdas causadas nos papéis da empresa após a tragédia. Os advogados investigam se a empresa brasileira burlou regras do mercado de capitais norte-americano ao não alertar em documentos públicos sobre os riscos das barragens, segundo um dos comunicados. Às 18h11, os ADRs da Vale perdiam, em Nova York, 17,5%.
Multas
Apos o pregão de hoje, a empresa, que tinha valor de mercado de R$ 289,7 bilhões, passou a valer R$ 218,7 bilhões. E terá que arcar com mais prejuízos (a não ser que empurre tudo com a barriga na Justiça).
O bloqueio de R$ 11 bilhões da mineradora foi determinado para custear o reparo de danos, o Ministério Público do Trabalho pediu o bloqueio de mais R$ 1,6 bilhão, que ainda será analisado pela Justiça. A Vale ainda poderá desembolsar mais de US$ 4 bilhões em indenizações por danos materiais e responsabilidades civis. Além disso, foi intimada da imposição de sanções administrativas pelo Ibama, no valor de R$ 250 milhões, e pelo Estado de Minas Gerais, no valor de R$ 99,139 milhões, mais multa de R$ 100 milhões pela Prefeitura de Brumadinho. Até a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu na última sexta-feira, 25, um processo administrativo para apurar a qualidade da divulgação de informações conduzida pela Vale durante o desastre.
Não enxerga
A Vale "não vê responsabilidade" sobre o rompimento da barragem da cidade, segundo o advogado Sergio Bermudes, um dos principais defensores contratados pela empresa. "A Vale não vê responsabilidade. Nem por dolo, que é infração intencional da lei, nem por culpa, que é a infração da lei por imperícia, imprudência ou negligência. Ela atribui o acontecido a um caso fortuito que ela está apurando ainda", afirmou advogado ao Estado.
Mas a mineradora divulgou comunicado ao mercado afirmando que não reconhece as declarações feitas à mídia pelo advogado Sergio Bermudes. Em nota, a empresa afirma que seu mandato não o autoriza a dar quaisquer declarações sobre a Vale, seja em nome da empresa, seja para expressar a sua opinião pessoal sobre o tema do rompimento da barragem em Brumadinho (MG).
Histórico
No episódio da Samarco, em 5 de novembro de 2015, no qual a Vale dividiu a responsabilidade com a sócia BHP Billiton pelo rompimento de barragem, a maior depreciação sobre a ON da mineradora brasileira aconteceu cerca de três meses depois. Em 2 de fevereiro de 2019, a ação chegou ao piso das cotações em queda de mais de 50% e marcou R$ 7,97. Um dia antes do desastre, a ação havia fechado a R$ 16,13. Na quinta-feira passada, a ação havia encerrado a R$ 56,15, acumulando alta de 604% desde fevereiro de 2016.
Notas
A agência de risco S&P Global Ratings colocou em observação os ratings da mineradora (BBB- em escala global e brAAA em escala nacional), suas dívidas e suas subsidiárias na listagem "Creditwatch" (observação) com implicações negativas.
Petrobras
As ações da Petrobras fecharam em queda, com a ON em baixa de 3,01% e a PN com retração de 3,53%, diante da desvalorização dos preços do petróleo. Entre as notícias que afetam a commodity está o lucro do setor industrial da China, que sofreu uma queda anual pelo segundo mês consecutivo em dezembro, de 1,9%. O petróleo WTI para março fechou em queda de 3,17%, para US$ 51,99 por barril, na New York Mercantile Exchange (Nymex), e o Brent para março caiu 2,77%, para US$ 59,93 por barril, na Intercontinental Exchange (ICE).
Siderúrgicas também afetadas
As ações do setor de siderurgia refletiu a queda da Vale. Liderando as baixas, as ações ON da CSN caíram 5,69%, seguidas de queda de 2,19% das ações PN da Gerdau. Usiminas PNA desvalorizou 0,82%. "O setor acaba sendo influenciado porque algumas empresas têm também um braço de mineração. Entre as mais afetadas está a CSN. É um efeito dominó, uma vez que o investidor se desfaz de papéis ligados à mineração", diz Luiz Roberto Monteiro, operador de mesa institucional da Renascença.
Raia Drogasil
A Raia Drogasil registrou a maior alta do Ibovespa e, segundo operadores, a ação é beneficiada por uma mudança de posicionamento por parte dos investidores. A queda de 18% nas importações da China em dezembro faz com que os investidores vendam ações de produtoras de commodities, e se concentrem mais em papéis de empresas voltadas para a demanda doméstica, segundo operadores. Assim, Raia Drogasil ON teve avanço de 4,53%.
Ambev
Após recuarem 4,66% nos últimos três pregões, a Ambev foi a segunda maior alta desse dia triste no Ibovespa, impulsionada pela recomendação de compra do Goldman Sachs, que foi reiterada hoje. “Uma aposta (call) em Ambev é uma aposta na melhora do Brasil e a perspectiva macro está se aprimorando. Enquanto as expectativas de investidores e de nossos economistas sobre um avanço macro no Brasil seguem crescendo, esperamos que a Ambev volte a ser um dos mais importantes e líquidos veículos de investimentos com exposição a esse tema, e que mostre melhorias em resultados operacionais”, dizem no relatório os analistas Luca Cipiccia, Galdino Falcão e Anshul Agarwala. Ambev ON subiu 4,60%. Também circulam notícias de que a controladora, AB InBev, considera a possibilidade de lançar uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações na Ásia.
*Com Estadão Conteúdo