Com o leilão do pré-sal, a Petrobras foi de credora a devedora da União. E isso não é ruim para a empresa
A Petrobras arrematou as áreas de Búzios e Itapu do leilão do pré-sal, contraindo uma dívida de mais de R$ 63 bilhões. No entanto, a forte geração de caixa da estatal diminui as preocupações em relação às métricas de endividamento da empresa, e o potencial produtivo dos campos cria perspectivas positivas para o longo prazo
Ao acordar nesta quarta-feira (6), a Petrobras tinha um crédito de R$ 34,1 bilhões a receber da União, referente ao ressarcimento da revisão do contrato da cessão onerosa. Poucas horas depois, a estatal possuía um saldo líquido negativo de R$ 29 bilhões com os entes federais — mas isso não deve tirar o sono da empresa ou de seus acionistas.
Essa reviravolta contábil se deve ao desfecho do leilão do pré-sal. O mercado financeiro e o governo tinham altas expectativas quanto à participação de empresas estrangeiras no certame, apostando no interesse das grandes petroleiras do mundo nos campos da Bacia de Santos. Mas, coube à Petrobras assumir o protagonismo da disputa.
O campo de Búzios, o mais valioso do leilão — o bônus de assinatura referente a essa área era de R$ 68,194 bilhões — foi arrematado por um consórcio com 90% de participação da empresa brasileira. Ou seja: a Petrobras terá que desembolsar R$ 61,37 bilhões apenas nesse ativo.
Além disso, a estatal ficou com 100% do campo de Itapu, cujo bônus de assinatura era de R$ 1,766 bilhão. Assim, somando esse valor ao montante referente à Búzios, os gastos totais por parte da Petrobras somam R$ 63,1 bilhões. Excluindo os R$ 34,1 bilhões a serem recebidos, chegamos à cifra de R$ 29 bilhões de saldo líquido negativo.
Olhando apenas para a frieza dos números, pode parecer que a Petrobras fez um mau negócio ou que a estatal se viu forçada a assumir as rédeas da disputa, de modo a impedir o fracasso total do certame — as outras duas áreas leiloadas, de Atapu e Sépia, não receberam lances.
Afinal, a gestão do endividamento e as métricas de alavancagem são pontos cruciais da tese de investimento na Petrobras. A própria empresa colocou a redução da dívida e o programa de vendas de ativos como uma de suas prioridades no curto e no médio prazos.
Mas, apesar desses custos elevados e dos futuros investimentos a serem realizados para a exploração dos campos arrematados, a Petrobras tem, agora, dois importantes campos do pré-sal na Bacia de Santos — uma região cujas operações já se mostraram bastante rentáveis para a empresa.
Assim, num momento em que a companhia se preocupa em diminuir o endividamento e se desfazer de ativos, pode parecer contraditório arrematar duas novas áreas para exploração — e por um preço que não foi exatamente baixo. Só que, pensando num prazo mais longo, essa opção pode render benefícios interessantes à Petrobras.
Novidades no portfólio
Desde abril de 2018, o campo de Búzios já produziu cerca de 100 milhões de barris de óleo e gás equivalentes (boe). Trata-se do maior campo em águas profundas já descoberto no mundo — segundo a Petrobras, a produção média nessa área já chegou a atingir 600 mil boe/dia. No momento, há quatro plataformas instaladas na região, e uma quinta unidade deve entrar em operação em 2022.
Quanto a Itapu, a estatal diz que iniciou o processo de contratação de uma plataforma em julho deste ano, e que essa unidade será responsável pela produção do volume previso no contrato da cessão onerosa e pelo excedente — o que, segundo a companhia, tornou a aquisição integral da área"extremamente atrativa".
Dito tudo isso, vale a pena olhar para algumas métricas financeiras da Petrobras no terceiro trimestre deste ano, em especial, os custos de exploração e produção. Na região do pré-sal, por exemplo, a empresa reportou um custo de US$ 5,03 por barril de óleo equivalente, abaixo dos US$ 6,03 registrados no trimestre anterior.
Vamos comparar esse dado com os custos de outras áreas de exploração. No pós-sal profundo e ultraprofundo, os gastos por boe foram de US$ 14,21; em águas rasas, de US$ 30,56; e, em terra, de US$ 18,19.
Do ponto de vista de produção, a área do pré-sal também é estratégica para a Petrobras. Entre julho e setembro deste ano, a estatal fabricou 1,367 milhão de barris de óleo equivalente por dia, muito mais que o pós-sal profundo e ultraprofundo (706 mil boed), a região de águas rasas (69 mil boed) e as áreas terrestres (123 mil boed).
"O pré-sal tem se mostrado muito positivo para a companhia", diz Glauco Legat, analista-chefe da Necton. "É uma operação muito rentável, não acho que seja negativo [a compra dessas áreas para exploração]".
E a dívida?
Ok, a compra das áreas de Búzios e Itapu tem sua importância estratégica para a Petrobras. Mas quais os impactos que as aquisições trarão às finanças da empresa?
Novamente, vamos recorrer ao balanço da estatal no terceiro trimestre: a empresa fechou o mês de setembro com uma dívida líquida de R$ 314 bilhões, cifra 2,1% menor que a registrada em junho, de R$ 320,6 bilhões.
Com isso, a alavancagem medida pela Petrobras — isto é, a relação entre dívida líquida e Ebitda nos últimos 12 meses — ficou em 2,58 vezes ao fim do terceiro trimestre, abaixo do nível registrado no meio do ano, de 2,69 vezes.
Assim, cabe a questão: como a empresa irá pagar por esses dois ativos? Ela ira se endividar para lidar com as obrigações financeiras, ou possui alguma carta na manga?
A própria Petrobras se manifestou no início da tarde sobre esse ponto. De acordo com a empresa, os R$ 29 bilhões líquidos a serem pagos à União serão suportados "pela atual disponibilidade de caixa e pela geração de caixa no quarto trimestre de 2019".
De fato, esse tem sido um trunfo da Petrobras: entre julho e setembro, o fluxo de caixa operacional da companhia totalizou R$ 32,8 bilhões, um recorde histórico para a empresa. As disponibilidades ajustadas de caixa, por sua vez, somavam R$ 60,3 bilhões.
Ou seja: a Petrobras diz que a aquisição dos campos de Búzios e Itapu não irá provocar um aumento em sua dívida.
No entanto, Legat, da Necton, pondera que há um copo meio vazio nessa história: mesmo que o endividamento líquido da Petrobras não aumente, a trajetória de queda da alavancagem da estatal será freada, uma vez que boa parte da geração de caixa nos três últimos meses do ano será usada para abater os compromissos com a União.
"Não acho que esse seja o pior dos mundos", diz o analista-chefe da Necton. "Mas [o desfecho do leilão], de certa forma, freia de imediato a expectativa de desalavancagem da companhia".
Vale lembrar que a Petrobras tem como meta atingir um nível de alavancagem de 1,5 vez em 2020 — e a própria empresa fez questão de ressaltar que continuará perseguindo esse objetivo. "A participação no leilão dos volumes excedentes ao contrato de cessão onerosa está alinhada à estratégia de longo prazo da companhia", diz a estatal.
Volatilidade
Ao longo do certame, o mercado fez leituras ora positivas, ora negativas da postura da Petrobras. Como as áreas de Búzios e Itapu foram as duas primeiras a serem leiloadas — e ambas foram arrematadas pela estatal — o mercado temeu que a empresa poderia ficar com os quatro campos, desembolsando mais de R$ 100 bilhões no processo.
Assim, no pico do estresse dos mercados, tanto as ações PN da Petrobras (PETR4) quanto as ONs (PETR3) chegaram a cair mais de 5%. Só que, com as duas áreas restantes não atraindo o interesse de nenhum participante, os temores dos agentes financeiros se dissiparam.
Assim, ainda durante a manhã, os papéis da estatal se recuperaram, aproximando-se novamente da estabilidade — e permanecendo nesse nível até o fim da sessão. No fechamento, as ações PN valiam R$ 29,71, em leve alta de 0,20%; as ONs, por outro lado, recuaram 0,43%, a R$ 32,41.
Um sinal de que, por mais que o resultado do leilão tenha despertado alguma preocupação, o mercado também viu méritos na estratégia da Petrobras.
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