Felipe Miranda: Precisamos (re)conversar sobre Méliuz (CASH3)
Depois de ter queimado a largada quase literalmente, Méliuz pode vir a ser uma opção, sobretudo àqueles interessados em uma alternativa para se expor a criptomoedas

Este poderia ser um texto sobre Bitcoin Treasury Companies em geral, mas é sobre Méliuz (CASH3) em particular. E, quando você tenta uma conversa sobre Méliuz na Faria Lima hoje, há risco de o debate se interditar antes mesmo de começar.
O sujeito inicia seu racional e, antes mesmo de concluir, é interrompido por variações do mesmo tema: “Pô, você só pode estar brincando. Deve achar que ainda estamos em 2021 ou que a euforia já voltou aos mercados. Agora são outros tempos. Essas fake techs chegaram a múltiplos exagerados e seu negócio não tem muito valor. Precisamos olhar geração de caixa e lucro líquido, o que não justificaria os valuations. Essa história de Super App, software as a service, múltiplos de usuários ou downloads, blablablá… não cola mais.”
Deixo claro que essa reputação tão ilibada não foi construída ao acaso. Há muito demérito no desenvolvimento dessa imagem, um trabalho de profissionais! A safra de IPOs encerrada em 2021 foi mesmo muito ruim.
Preservada uma ou outra exceção, as empresas estavam em estágio inicial de sua trajetória, não tinham modelos de negócios bem definidos, os fundadores e a governança eram despreparados e os valuations chegaram a níveis absurdos, resultado de um período de bonança, de muito capital disponível a juros zerados ou muito baixos.
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Sobre Méliuz especificamente, as frustrações com o crescimento do core business, as tentativas fracassadas de penetrar outros nichos de negócios, com idas e vindas no escopo do ambiente financeiro, saídas de executivos e fundadores e aquisições mal feitas deram o contorno idiossincrático necessário para o desgosto generalizado de analistas e gestores que outrora se inebriaram com o canto da sereia.
A disciplina espartana na dedicação às corridas de fórmula Porsche, a flexibilidade física de um yogini e o nível avançado das técnicas de calistenia de seu principal fundador sugeriam, para abusar do eufemismo, uma ligeira perda de foco. Enquanto investidores que acreditaram em seu IPO amargavam prejuízos pronunciados, o management dedicava-se, na leitura da Faria Lima e do Leblon, mais ao profano do que ao sagrado.
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Portanto, sim, eu sei, não é fácil puxar essa conversa. Ocorre, porém, que, se as coisas mudam, eu mudo – e você? O investidor enraizado em visões e posições passadas perde oportunidades caso não se atualize sobre um possível futuro diferente. Da mesma forma que o fato de você ter ganhado com uma ação no passado não significa que comprá-la novamente trará bons lucros, evitar um determinado case só porque ele lhe trouxe prejuízos pretéritos também representa um erro de construção.
Novo cenário
Méliuz é hoje um caso diferente do que fora na época de seu IPO, inclusive formalmente. Nesta segunda-feira, a companhia anunciou a compra de 275,4 bitcoins, por US$ 28,6 milhões, dando um passo adicional em sua estratégia explícita de transformar-se em uma Bitcoin Treasury Company, ou seja, uma empresa que usa parte relevante de seus recursos disponíveis (caixa e potencialmente outros ativos de liquidez imediata) para acumular criptoativos, com o intuito de maximizar a quantidade de bitcoin por ação.
Méliuz segue os passos da Micro, pioneira nessa abordagem – também já adotada por outras empresas na Europa e no Japão; todas até aqui seguidas de grande valorização de suas ações (altas superiores a 500%).
A reação imediata típica ao parágrafo anterior é: “ora, se eu quiser exposição ao bitcoin, eu mesmo posso fazer isso. Não preciso terceirizar a decisão.”
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No entanto, muitos investidores institucionais têm restrições regulatórias ou em seus regulamentos para comprar criptoativos ou mesmo ETFs de cripto. Assim, esses, caso tenham interesse em ganhar exposição ao segmento, encontram nas Bitcoin Treasury Companies uma alternativa para viabilizar essa intenção.
Perceba que, no Brasil, Méliuz é, ao menos por enquanto, a única empresa desse tipo. Como seu market cap é baixo para o tamanho do mercado brasileiro, essa demanda potencial latente acaba sendo muito mais alta.
Podemos ter bilhões de reais de investidores institucionais interessados em comprar bitcoin sem outra possibilidade viável. Isso ajuda a explicar porque, normalmente, essas companhias negociam com prêmio sobre seu NAV, ou seja, seu valor de mercado costuma ser superior à quantidade detida de bitcoins, mesmo se atribuirmos valor zero para o restante de seus negócios.
Encontro ao menos outro fator para explicar esse prêmio no NAV. Se a relação valor de mercado sobre NAV for inferior a 1, a companhia sempre terá a opção de vender seus bitcoins e fazer uma grande redução de capital, pagando um dividendo de mais de 100% (caso hipotético, claro). Isso limita o espaço para irmos abaixo de 1x. É como se tivéssemos uma distribuição de probabilidade truncada aí, assimétrica à direita.
Então, você fica com toda a opcionalidade de o bitcoin subir. O múltiplo tem muito espaço para ser superior a 1x, mas pouco para vir abaixo, o que “garante" a assimetria.
Aqui, vale observar o caso de Micro. Segundo a Bernstein Research, entre o quarto trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2025, o prêmio da companhia sobre o bitcoin variou entre 18% e 134%, nunca sendo negativo.
Méliuz: um caminho para se expor à cripto
Eis aqui um atrativo particular de Méliuz. Enquanto pares internacionais como Metaplanet e Blockchain Group negociam a mais de 6x o valor do ativo líquido, Méliuz está hoje perto de apenas 1x. Seria razoável supor convergência, ainda que não integral, ao longo do tempo. Uma eventual listagem no mercado de balcão nos EUA e a entrada em índices de ações poderiam ser catalisadores relevantes do processo.
Há um outro elemento por vezes negligenciado numa análise mais superficial sobre Bitcoin Treasury Companies. Sob premissas não muito restritivas, podemos ter cenários de grande valorização de suas ações, independentemente do comportamento do bitcoin.
O primeiro caso seria apenas por uma arbitragem de múltiplos, como citamos acima. Mas, se a companhia conseguir repetir com sucesso a estratégia de realizar follow ons periódicos (e perceba que já há outros planejados no caso de Méliuz, dada a estrutura recém-anunciada de warrants), ela pode ter criado uma lógica interna de apreciação contínua quase sistemática de suas ações.
Façamos um exercício rápido de abstração com as seguintes premissas de finanças corporativas:
- I. A empresa XYZ vale R$ 300 milhões em bolsa. Não tem dívida, nem outro ativo além de caixa, aplicado em bitcoin.
- II. Há uma relação percebida como justa e razoavelmente estável de 2x Valor de Mercado sobre NAV para essa companhia.
Num primeiro momento, portanto, XYZ teria R$ 300 milhões aplicados em bitcoin e valeria R$ 600 milhões (P/NAV de 2x). Se a companhia fizer um follow on de R$ 600 milhões numa oferta primária e usar esse dinheiro todo para comprar mais bitcoins, passa a valer R$ 1,2 bilhão em bolsa e a deter R$ 900 milhões em bitcoin.
A relação Preço sobre NAV, que era de 2x, cai para 1,33x. Se acreditarmos na convergência para o múltiplo considerado justo por construção de 2x, teríamos bom potencial de valorização mesmo se o bitcoin ficar parado.
Obviamente, esse é um exercício simplificado. A realidade prática é mais complexa e cheia de nuances, mas não há perda de generalidade no argumento.
Depois de ter queimado a largada quase literalmente, Méliuz pode vir a ser uma opção, sobretudo àqueles interessados em uma alternativa para se expor a criptomoedas.
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