Tony Volpon: “Head fake” ou aviso prévio? Por que o recente pânico global ainda pode ser um sinal de maiores problemas nos mercados
Quando há rápida sequência de impactantes surpresas, sofremos a estranha percepção de que eventos recentes aconteceram em um passado longínquo

Quando há rápida sequência de impactantes surpresas, sofremos a estranha percepção de que eventos recentes aconteceram em um passado longínquo.
Parece ser assim com a tentativa de assassinato de Donald Trump, em 13 de julho, e o “Yenmaggedon” de 5 de agosto.
Já imagino o leitor virando os olhos.
Afinal, os mercados recuperaram rapidamente todas as perdas, o Fed está prestes a cortar o fed funds na próxima reunião, não existe risco de recessão e a Kamala Harris vai ganhar a eleição.
Será?
Não quero “ser do contra” por princípio. O consenso do mercado acerta mais do que erra (se não o planejamento central seria um sistema superior de gestão econômica, o que certamente não é verdade).
Leia Também
Promessas a serem cumpridas: o andamento do plano 60-30-30 do Inter, e o que move os mercados hoje
Lady Tempestade e a era do absurdo
Mas acho, neste caso, imprudente jogar o que aconteceu no início de agosto em um “memory hole” para ser totalmente esquecido.
A questão que se coloca é: os eventos no início do mês formam um acidente técnico de mercado (como dizem os americanos, um “head fake”) ou um aviso prévio de maiores problemas?
O minicrash não veio totalmente do nada. Já em julho começou um questionamento sobre um possível excesso de otimismo com a temática da inteligência artificial e, no caso da Nvidia, as máximas ocorreram em junho.
Como em muitas instâncias no passado, a correção de preços começa primeiro como uma rotação de ativos “caros” para “baratos”, ou neste caso growth/large tech para value/small caps.
Mas, dado o peso das techs no índice, tal movimento de valor relativo acaba gerando um movimento de queda no mercado como um todo.
Posteriormente, tivemos uma sequência de “surpresas” negativas: uma postura inesperadamente hawkish do Banco Central do Japão e um payroll nos EUA mais fraco do que esperado, colocando em dúvida o tão desejado “pouso suave”.
O que se viu entre o payroll e a segunda-feira foi a liquidação forçada de duas estratégias de carry que, com o benefício da retrospectiva, estavam com alavancagem excessiva: a venda do Yen e a venda de volatilidade.
Talvez o mais chocante não tenha sido o crash da bolsa japonesa, mas sim, que o VIX chegou ao nível de 65% naquela segunda-feira: você tem que voltar a crise da pandemia ou a de 2008 para ver algo igual.
Poderíamos gastar páginas examinado as relações entre diferentes tipos de carry trade e como a gestão de risco dessas estratégias gera o tipo de “race to the exit”, que gera o tipo de volatilidade que vimos naqueles dias.
O ponto prospectivo mais importante é que a sustentação de carry trade pressuponha um cenário de fundamentos bem precificado para evitar exatamente as “surpresas” que geram pressão para liquidação em massa.
Eu defenderia que sim: o questionamento sobre se AI já precificou níveis de preços insustentáveis frente a falta de um “killer application” para a tecnologia; se de fato o risco de um "pouso forçado” aumentou; e quais serão os resultados da eleição.
Esses três fatores têm aumentado o risco subjacente dos fundamentos dos mercados.
Eu, particularmente, não estou nem surpreendido, nem muito impressionado que os mercados recuperaram quase todas suas perdas. Olhem o início de qualquer processo mais severo de correção, isso é bastante comum, e não é, por si só, dispositivo sobre a continuidade da tendência de alta dos preços.
Veja também: Analista entrevistado diz que muitos investidores perdem a oportunidade de lucrar em dólar esperando a queda da moeda – veja as 10 ações recomendadas
Vamos olhar cada um dos três fatores de risco
Como vimos nos muito esperados resultados da Nvidia, as empresas continuam a gastar em AI apesar da falta de uma suíte clara de aplicações geradoras de receita.
Eu entendo que esse comportamento somente dura enquanto as empresas gastadoras, em grande parte outras empresas do setor de tecnologia, também estão crescendo suas receitas para seus acionistas não ficarem preocupados com os níveis de investimentos sendo feitos. E isso, por sua vez, depende da força da economia como um todo.
Há ainda grande otimismo com a tese do pouso suave apesar dos últimos dados (como, por exemplo, a recente revisão dos dados de payroll mostrando uma superestimação de 800 mil novos empregos).
Tanto o Fed como o mercado acreditam que a recente desaceleração do mercado de trabalho é bem-vinda — permitindo o início do ciclo de queda de juros em setembro —, mas não tão preocupante, sendo em parte um fenômeno de excesso de oferta de mão de obra dado a recente onda migratória (que por sinal tem se arrefecido devido a eleição).
Mas como no caso da recuperação rápida dos mercados, não devemos ficar muito impressionados com o consenso otimista: recessões ainda são fenômenos de difícil previsão, até em tempo real.
E se de fato estamos no início de uma desaceleração mais forte da atividade, o Fed não vai poder fazer nada dado as defasagens da política monetária.
Finalmente, a eleição. A vantagem de Harris nas pesquisas depois de tanta mídia positiva ainda se encontra em patamares menores do que as de Clinton em 2016 e Biden em 2020.
Assim, o melhor que podemos dizer é que não há hoje um favorito.
O que fazer então?
Maior risco pede prêmio, e o fato é que os mercados recuperaram as perdas. Isso acaba sendo uma má notícia.
Não manteria, nesses níveis, uma exposição além de market weight em termos de risco, e aproveitaria que o VIX voltou para uns modestos 15% para comprar muita proteção.
Lembrem-se de que estamos entrando no pior período sazonal para os mercados de risco...
*Tony Volpon é economista e ex-diretor do Banco Central.
Quem paga seu frete grátis: a disputa pelo e-commerce brasileiro, e o que esperar dos mercados hoje
Disputa entre EUA e Brasil continua no radar e destaque fica por conta do Simpósio de Jackson Hole, que começa nesta quinta-feira
Os ventos de Jackson Hole: brisa de alívio ou tempestade nos mercados?
As expectativas em torno do discurso de Jerome Powell no evento mais tradicional da agenda econômica global divide opiniões no mercado
Rodolfo Amstalden: Qual é seu espaço de tempo preferido para investir?
No mercado financeiro, os momentos estatísticos de 3ª ou 4ª ordem exercem influência muito grande, mas ficam ocultos durante a maior parte do jogo, esperando o técnico chamar do banco de reservas para decidir o placar
Aquele fatídico 9 de julho que mudou os rumos da bolsa brasileira, e o que esperar dos mercados hoje
Tarifa de 50% dos EUA sobre o Brasil vem impactando a bolsa por aqui desde seu anúncio; no cenário global, investidores aguardam negociações sobre guerra na Ucrânia
O salvador da pátria para a Raízen, e o que esperar dos mercados hoje
Em dia de agenda esvaziada, mercados aguardam negociações para a paz na Ucrânia
Felipe Miranda: Um conto de duas cidades
Na pujança da indústria de inteligência artificial e de seu entorno, raramente encontraremos na História uma excepcionalidade tão grande
Investidores na encruzilhada: Ibovespa repercute balanço do Banco do Brasil antes de cúpula Trump-Putin
Além da temporada de balanços, o mercado monitora dados de emprego e reunião de diretores do BC com economistas
A Petrobras (PETR4) despencou — oportunidade ou armadilha?
A forte queda das ações tem menos relação com resultados e dividendos do segundo trimestre, e mais a ver com perspectivas de entrada em segmentos menos rentáveis no futuro, além de possíveis interferências políticas
Tamanho não é documento na bolsa: Ibovespa digere pacote enquanto aguarda balanço do Banco do Brasil
Além do balanço do Banco do Brasil, investidores também estão de olho no resultado do Nubank
Rodolfo Amstalden: Só um momento, por favor
Qualquer aposta que fizermos na direção de um trade eleitoral deverá ser permeada e contida pela indefinição em relação ao futuro
Cada um tem seu momento: Ibovespa tenta manter o bom momento em dia de pacote de Lula contra o tarifaço
Expectativa de corte de juros nos Estados Unidos mantém aberto o apetite por risco nos mercados financeiros internacionais
De olho nos preços: Ibovespa aguarda dados de inflação nos Brasil e nos EUA com impasse comercial como pano de fundo
Projeções indicam que IPCA de julho deve acelerar em relação a junho e perder força no acumulado em 12 meses
As projeções para a inflação caem há 11 semanas; o que ainda segura o Banco Central de cortar juros?
Dados de inflação no Brasil e nos EUA podem redefinir apostas em cortes de juros, caso o impacto tarifário seja limitado e os preços continuem cedendo
Felipe Miranda: Parada súbita ou razões para uma Selic bem mais baixa à frente
Uma Selic abaixo de 12% ainda seria bastante alta, mas já muito diferente dos níveis atuais. Estamos amortecidos, anestesiados pelas doses homeopáticas de sofrimento e pelo barulho da polarização política, intensificada com o tarifaço
Ninguém segura: Ibovespa tenta manter bom momento em semana de balanços e dados de inflação, mas tarifaço segue no radar
Enquanto Brasil trabalha em plano de contingência para o tarifaço, trégua entre EUA e China se aproxima do fim
O que Donald Trump e o tarifaço nos ensinam sobre negociação com pessoas difíceis?
Somos todos negociadores. Você negocia com seu filho, com seu chefe, com o vendedor ambulante. A diferença é que alguns negociam sem preparo, enquanto outros usam estratégias.
Efeito Trumpoleta: Ibovespa repercute balanços em dia de agenda fraca; resultado da Petrobras (PETR4) é destaque
Investidores reagem a balanços enquanto monitoram possível reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin
Ainda dá tempo de investir na Eletrobras (ELET3)? A resposta é sim — mas não demore muito
Pelo histórico mais curto (como empresa privada) e um dividendo até pouco tempo escasso, a Eletrobras ainda negocia com um múltiplo de cinco vezes, mas o potencial de crescimento é significativo
De olho no fluxo: Ibovespa reage a balanços em dia de alívio momentâneo com a guerra comercial e expectativa com Petrobras
Ibovespa vem de três altas seguidas; decisão brasileira de não retaliar os EUA desfaz parte da tensão no mercado
Rodolfo Amstalden: Como lucrar com o pegapacapá entre Hume e Descartes?
A ocasião faz o ladrão, e também faz o filósofo. Há momentos convidativos para adotarmos uma ou outra visão de mundo e de mercado.