Olá, seja bem-vindo à Estrada do Futuro, onde conversamos semanalmente sobre a intersecção entre investimentos e tecnologia. No dia 25 de abril, a comissão antitruste da União Europeia decidirá se aprova ou não que a Microsoft conclua a maior aquisição da história da indústria de games.
No ano passado, a big tech fundada por Bill Gates fechou a compra do estúdio Activision Blizzard por US$ 69 bilhões. Mas depende da aprovação dos reguladores para consumar o negócio.
Mais do que "azedar" a operação, uma negativa regulatória é capaz de invalidar toda a estratégia da Microsoft para voltar a ser competitiva em games.
A seguir, eu vou te explicar o porquê e comentar os possíveis impactos que essa história pode ter na ação de uma das melhores empresas do mundo.
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Em busca do tempo perdido
Dentro das demonstrações financeiras da Microsoft estão consolidados os resultados das suas operações de games.
Os números incluem as vendas diretas do console Xbox, os "fees" de vendas de games tanto no console quanto no PC e as receitas provenientes dos estúdios de games da Microsoft.
Os resultados desse segmento são constantemente detratores de rentabilidade e crescimento dentro dos números gerais da empresa.
Mesmo investindo bilhões de dólares em aquisições no segmento, como os US$ 7,5 bilhões destinados à compra da ZeniMax — o estúdio por trás de games como Fallout e The Elder Scrolls —, o segmento de games representou apenas 9% das receitas da Microsoft em 2022.
Há cinco anos o segmento representava 10% do total.
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A Sony ganhou a batalha contra a Microsoft
Os bilhões de dólares alocados em aquisições parecem apenas mascarar uma verdade conhecida de todos os gamers, mas de nem todos os investidores: a Microsoft perdeu a batalha no segmento de games.
Em consoles, a Sony é líder absoluta em volume de vendas. A Nintendo acompanha sua competidora japonesa, vendendo também volumes imensos de consoles portáteis.
No PC, o mercado é concentrado em distribuidores como a Steam e agora a Nvidia, que através da assinatura GeForce Now, possui mais de 25 milhões de usuários pagantes pelo mundo.
Ao ficar para trás, a Microsoft tomou um caminho ousado: ela se propôs a mudar estruturalmente a maneira como os games são vendidos.
Qualquer coisa “as a service”
Há vários motivos que explicam o renascimento da Microsoft na última década. Mas talvez o principal deles tenha sido a sua abordagem agnóstica em termos de hardware. Pagando a sua assinatura mensal, você pode usar os sistemas da empresa no dispositivo que quiser.
Essa abordagem faz total sentido para produtos em que o custo marginal de um novo usuário tende a zero. Isso porque o custo de servir uma licença do Office 365 não é muito diferente do custo de servir mil delas.
Isso é verdade sobretudo porque a maior parte dos gastos de pesquisa e desenvolvimento alocados num produto como o Office são incrementais.
Se a Microsoft precisasse todos os anos criar um editor de texto novo do zero absoluto, seria muito difícil praticar um modelo de assinatura a preços baixos. Afinal, como a empresa amortizaria tantos investimentos?
Em certa medida, essa é a realidade das empresas de games.
Apesar das engines como Unity e Unreal simplificarem muitas etapas do processo de criação de um jogo, o produto final é resultado de anos de trabalho e milhões de dólares em investimentos.
Por exemplo, de acordo com estimativas da indústria, o recém lançado Hogwarts Legacy — um sucesso de vendas ambientado no mundo de Harry Potter — custou US$ 150 milhões em desenvolvimento e demorou cinco anos para ficar pronto.
E nasce o Xbox Game Pass
É difícil pensar que uma empresa seria capaz de suportar os investimentos simultâneos em dezenas de jogos como esse tendo como receitas alguns poucos dólares mensais, mesmo que de milhões de usuários.
Bom, a Microsoft decidiu testar essa hipótese e há alguns anos lançou o Xbox Game Pass.
O Pass é um serviço de assinatura que agrega os jogos dos estúdios Microsoft e de alguns parceiros e funciona em vários dispositivos. Mesmo sem um Xbox, é possível baixar o aplicativo do Pass numa smart TV, num celular, num tablet e simplesmente jogar os games do catálogo via streaming.
Para que esse modelo funcione, a Microsoft enfrenta o dilema da Netflix: conteúdo novo e de qualidade precisa chegar à plataforma com recorrência.
Para resolver esse problema, a empresa saiu às compras. A mais ousada delas é a Activision Blizzard, dona de franquias como Call of Duty, Overwatch, entre outros.
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E se aquisição for barrada?
Por ser uma indústria bastante fragmentada, a Microsoft não esperava enfrentar problemas regulatórios muito grandes nessa operação.
Mas a realidade tem mostrado que ela estava otimista demais.
Nas últimas semanas, por exemplo, alguns anúncios me soaram como se a Microsoft estivesse realmente preocupada com o risco de não aprovação.
Por exemplo, ela fechou um contrato de licenciamento com a Nintendo. Pelo acordo, os games da Activision seguirão sendo publicados no console por pelo menos 10 anos.
Uma parceria similar surgiu com a Nvidia, competidora direta do Xbox Pass no PC. A Microsoft irá disponibilizar todo o catálogo da Activision no GeForce Now, também por 10 anos.
Se a Microsoft falhar em conseguir essa aprovação, ou consegui-la condicionada a muitas concessões, na prática é possível que essas condições inviabilizem o sonhado modelo do Xbox Games Pass.
Ou seja, essas restrições podem fazer com que a Microsoft nunca consiga criar um catálogo bom o bastante para desincentivar os gamers a comprarem um Playstation e permanecerem apenas com uma assinatura Microsoft.
Na prática, isso significaria que a Microsoft carrega em seu balanço um negócio de US$ 15 bilhões anuais, margens apertadas e provavelmente sem um futuro muito brilhante pela frente.
Microsoft: um game com muitas fases
Depois do dia 25, se aprovada a aquisição, ainda estarão pendentes os avais dos reguladores norte-americanos e ingleses.
Uma aprovação, acredito, não traria nenhuma reação muito positiva para as ações; já a possibilidade da não aprovação, em minha opinião, seria potencialmente devastadora.
Neste caso, a Microsoft mostraria aos investidores que está formalmente de volta aos radares dos reguladores e não possui muitas opções de crescimento inorgânico realmente factíveis.
Quanto mais eu estudo as iniciativas da Microsoft no setor de games, mais incomodado eu fico enquanto possível acionista. Acredito que a empresa teria menos dor de cabeça e traria mais retorno aos investidores simplesmente recomprando ações.
Mas nenhum CEO quer ficar famoso por isso, não é mesmo?