Olá, seja bem-vindo à Estrada do Futuro, onde conversamos semanalmente sobre a intersecção entre investimentos e tecnologia.
Um dos grandes fatores limitantes do mercado brasileiro em relação ao mercado internacional é a quantidade de ativos disponíveis para você investir.
Na B3, há pouco mais de 400 empresas listadas; somando-se as duas maiores bolsas americanas (a NYSE e a Nasdaq), há mais de 7.000 companhias de capital aberto, sem contar o enorme volume de empresas listadas em mercados de balcão (especialmente na OTC Market Group).
Até por uma questão de escala, algumas coisas que são comuns lá fora, são relativamente incomuns por aqui.
Um bom exemplo são os relatórios com recomendações de "venda a descoberto", ou seja, de apostas na queda do preço de uma ação.
Especialistas na queda
No Brasil, como casos mais notórios, podemos mencionar a famosa carta da gestora Squadra, que expôs as fraudes nas demonstrações do IRB Brasil, além de outros relatórios menos ambiciosos, amparados apenas por uma questão de valuation.
É o caso da Empiricus (onde eu trabalho) apostando contra as ações do Nubank simplesmente porque elas nos pareciam caras demais. Mas esses exemplos por aqui são poucos.
Nos mercados internacionais, essa é uma prática bastante comum. Existem, inclusive, casas de análise dedicadas exclusivamente a identificar oportunidades de vendas a descoberto.
Nessa semana, um desses relatórios chamou a minha atenção.
A Hindenburg Research é famosa por ter identificado fraudes como a Nikola. A empresa de veículos elétricos gravou um vídeo promocional do seu caminhão em movimento, sendo que este movimento foi provocado pela descida de uma ladeira, e não pela propulsão de um motor elétrico.
Na semana passada, ela acusou uma das maiores fintechs americanas de fraude.
De acordo com a Hindenburg, a Block (antiga Square, fundada por Jack Dorsey, um dos fundadores e ex-CEO do Twitter), é um caso de fraude comercial.
Block: Um rap sem rimas
Caso você não conheça a Block, ela é a segunda maior empresa de pagamentos digitais dos EUA, atrás apenas do PayPal.
Os produtos da companhia se estendem em duas verticais: a frente de lojas, onde a ex-Square oferece uma solução de pagamentos aos lojistas, com POS (a maquininha) e softwares de gestão (nos moldes do que a Stone faz no Brasil) e o Cash App.
O Cash App é uma carteira digital para pessoas físicas, similar ao temos no Brasil em players como a PicPay, MercadoPago e MagaluPay.
A Hindenburg afirma que há uma enorme incidência de contas falsas entre os usuários do Cash App e acusa a Block de ser conivente com uma série de fraudes potenciais entre seus usuários, como transferências de recursos com fins ilegais.
Nesta história, muitas coisas são curiosas.
Em maio de 2020, no auge da pandemia (onde o Cash App teve um crescimento exponencial), Jack Dorsey deu entrevista dizendo o seguinte:
O número de músicas de hip-hop que incluem a frase Cash App ou até mesmo são nomeadas Cash App é bastante incrível. Eu acho que atualmente é mais de 1.000 ou 2.000.
Ações da Block desabam após relatório
No seu relatório, a Hindenburg faz alusão a algumas dessas letras. Nelas, os cantores falam abertamente sobre o Cash App como ferramenta de lavagem de dinheiro e o inserem em cenários como tráfico de drogas.
Não bastasse a ironia, as ações da Block caíram 17% após a divulgação do relatório.
Mas claro, a tese de apostar contra as ações não se baseia apenas em trechos de músicas, e sim na teoria de que uma percentual representativo das contas da plataforma são falsas.
Ou seja, a Block estaria enganando seus investidores, dizendo ser muito maior do que realmente o é.
Nos últimos meses, esse assunto — bots e tráfego fake — tem sido recorrente entre os investidores. Um bom exemplo é o próprio Elon Musk, que conduz uma cruzada pessoal no Twitter contra os bots.
Agora, como investidor de tecnologia, o quanto você deveria estar preocupado com riscos como esse e quão fácil (ou difícil) é identificá-los?
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Metade do tráfego da internet é composto por bots
A estatística acima é uma estimativa da Cloudflare, uma das maiores empresas de infraestrutura digital do mercado. Pelos sistemas da Cloudflare passam 16% de todo o tráfego global de internet.
Ou seja, bots são realmente um problema geral e estão presentes em todas as plataformas relevantes.
Se o problema é endêmico, ele não pode ser extrapolado como particularidade de uma única instituição.
Ainda sim, se os bots não são uma questão existencial para uma rede social, é no mínimo preocupante que uma empresa de pagamentos não faça checagens mínimas de background de seus clientes, correndo o risco de hospedar milhões de contas falsas (essa é a acusação contra a Block).
A Block vai rir por último?
Supondo que a acusação da Hindenburg seja verdadeira e o Cash App esteja infestado de contas falsas, uma verdade amarga para os vendedores não deixa de ser notável.
Se isso for verdade, a Block é mais rentável do que parece. Afinal, seus US$ 6 bilhões em lucro bruto em 2022 seriam frutos de operações realizadas por muito menos usuários.
Além disso, supondo que a incidência de fraudadores seja maior no Cash App do que nos concorrentes, a Block necessariamente possuirá mais dados sobre esse tipo de cliente do que qualquer outro player da indústria.
Em casos como esse é fácil assumir como fraude o que na realidade são problemas de gestão, ou controles deficientes. No segundo caso, investimentos na área podem resolver o problema.
Por exemplo, se as contas falsas seguirem como uma minoria dentro da plataforma (fraudadores estão em todos os sistemas de pagamento), a Block colherá um resultado incremental muito maior do que os concorrentes no tempo ao privar esses usuários do Cash App.
Eu não consegui encontrar essa passagem. Mas me lembro de uma entrevista de Musk (que é um dos fundadores da PayPal) dizendo que abrir e começar o negócio foi fácil, o difícil foi mantê-lo vivo no começo, enquanto eles lidavam com um enorme volume de transações fraudulentas.
Por melhor que seja a tese de investimentos, nenhum produto de tecnologia é perfeito e todo setor lida com problemas particulares. No caso da Block, valendo 7x o lucro bruto (uma proxy melhor de vendas), boa parte do risco me parece já embutido no atual valuation das ações.