‘Me conta uma história’? Entenda como as narrativas influenciam as ações no mercado financeiro e saiba como escolher a melhor para você
Você deve ter visto as notícias recentes de Damodaran sobre as big techs como Facebook e Amazon, e não é de se estranhar: existem inúmeras histórias no mercado de ações, umas mais assertivas que outras; seu papel como investidor é descobrir qual é a melhor opção
Na semana passada, circulou bastante texto de Aswath Damodaran com a atualização de seu valuation para as big techs.
Antecipando as conclusões, ele identificou atratividade nas ações de Facebook e Amazon, enquanto Netflix e Google estariam acima de seus valores justos. Microsoft e Apple estariam devidamente apreçadas.
A leitura é altamente recomendada. Meu ponto favorito, porém, é diferente daquele destacado pela imprensa local. Destaco o seguinte trecho (tradução livre):
“Se você lê meus posts, não é nenhuma surpresa o fato de que eu acredito em valor intrínseco, mas eu também acredito que o valor intrínseco é determinado pela narrativa.”
Rendido pelas narrativas?
Ora, ora… então, o sujeito conhecido como o “papa do valuation”, grande fundamentalista e “planilheiro”, se rendeu às narrativas?
Seria Damodaran a ponte entre Warren Buffett e George Soros? Ou apenas teria incorrido num oxímoro, um paradoxo para aqueles que se preocupam com taxonomias?
Etimologicamente, intrínseco se ligado àquilo que está localizado no interior. Ou seja, às características internas, inapartáveis, inerentes, indissociáveis do objeto sob estudo.
Uma narrativa, por definição, é uma história, pretensamente coerente e crível, criada pelas pessoas sobre um determinado fenômeno ou objeto, sendo portanto externa.
O valor intrínseco, se determinado pela narrativa, passa a sofrer, então, influenciado por algo extrínseco. Temos um paradoxo.
Influência de expectativas e realidade
Deixamos a abordagem original do value investing mais purista, em que os descontos das ações são identificados estritamente a partir da comparação com seus ativos ou lucros correntes (abordagem mais ligada a Benjamin Graham) ou com seus fluxos de caixa estimados para o futuro (John Burr Williams), para admitir a influência da percepção humana sobre o respectivo valor mobiliário.
Entra em cena a reflexividade de George Soros, em que as expectativas e a realidade se influenciam de maneira recíproca.
Talvez lhe pareça uma discussão teórica sem grandes implicações práticas num primeiro momento. Na verdade, não é o caso.
De olho no BTG
Veja o exemplo das ações do BTG Pactual. Rápido disclosure antes de prosseguir: por razões óbvias, considere o conflito pessoal, os vieses e os ruídos nas palavras abaixo. O argumento, no entanto, segue preservado, a despeito de inclinações individuais.
Se BPAC11 é uma ação ligada umbilicalmente ao processo de “financial deepening”, ela é, por construção, um ativo muito cíclico e dependente das movimentações da taxa de juros.
Se, em contrapartida, ela é capaz de transitar bem por vários ambientes, conforme demonstram o último resultado e a brilhante exposição de Roberto Sallouti no recente conference call, a coisa muda bastante de figura.
A ação deixa de ser um “financial deepening play” para uma “all weather stock”.
Assim, mirando 20% de ROE em 2022 e forçando uma revisão geral de estimativas de lucros, temos muito menos volatilidade de resultados, crescimento mais constante dos lucros por ação e um “re-rating” (reapreçamento para cima) das ações.
Não é só uma movimentação de preços, mas uma efetiva alteração estrutural, de valor intrínseco propriamente dita. A natureza da ação mudou.
- GUIA PARA BUSCAR DINHEIRO: baixe agora o guia gratuito com 51 investimentos promissores para 2022 e ganhe de brinde acesso vitalício à comunidade de investidores Seu Dinheiro
E o Banco Pan?
Analogamente, se Banco Pan é um banco digital, ele vai negociar com uma dinâmica mais parecida com a de Banco Inter e até, surpreendentemente, com a dos neobanks digitais, como Nubank.
Já se ele é um banco tradicional, com grande carteira de crédito consignado e de auto/moto, de grande representatividade do agente bancário, e, também, com uma exposição digital, então ele poderia negociar mais parecido com os bancos tradicionais, sendo beneficiado (e não preterido) em dias de reflation trade.
E se ele pode ser uma combinação das duas coisas, deveríamos avaliá-lo como uma média ponderada entre ambos.
Isso ou aquilo?
Méliuz é uma empresa de cashback ou um grande aquário de milhões de pessoas engajadas e em relacionamento com a marca, a ponto de ser possível cross sell e upsell de vários outros produtos digitais e financeiros?
Se for o primeiro, vale pouco. Se for o segundo, pode valer muito.
Cosan é uma holding que está diversificando seus projetos excessivamente e vai ampliar ainda mais seu desconto sobre as operacionais ou temos aqui o grande player de infraestrutura local, uma espécie de Berkshire brasileira?
Coelce é só uma companhia sem liquidez e sem crescimento ou um dos players mais baratos do setor e com um possível trigger de fechamento de capital?
No final, estamos todos carentes de uma boa história. Cada um resolve em que acreditar. Só o futuro nos livrará da ignorância objetiva.
Ou talvez, de maneira mais poética, seja melhor terminar com Clarice Lispector: “Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar”.
A simplicidade é a maior das sofisticações na hora de investir
Para a tristeza dos estudiosos das Finanças, num daqueles paradoxos do conhecimento, quanto mais nos aprofundamos, parece que cavamos cada vez mais no subterrâneo
Marcas da independência: Vitreo agora é Empiricus Investimentos
Com a mudança de nome, colhemos todos os benefícios de uma marca única, com brand equity reconhecido e benefícios diretos, imediatos e tangíveis ao investidor
Além do yin-yang: Vale a pena deixar os fundos para investir em renda fixa?
Investidores de varejo e institucionais migraram centenas de bilhões em ativos mais arrojados para a renda fixa, o maior volume de saída da história do mercado de fundos
Rodolfo Amstalden: Encaro quase como um hedge
Tenho pensado cada vez mais na importância de buscar atividades que proporcionem feedbacks rápidos e causais. Elas nos ajudam a preservar um bom grau de sanidade
Complacência: Entenda por que é melhor investir em ativos de risco brasileiros do que em bolsa norte-americana
Uma das facetas da complacência é a tendência a evitar conflitos e valorizar uma postura pacifista, num momento de remilitarização do mundo, o que pode ser enaltecido agora
Rodolfo Amstalden: O elogio que nem minha mãe me fez
Em mercados descontados que ainda carregam grandes downside risks, ganha-se e perde-se muito no intraday, mas nada acontece no dia após dia
Degrau por degrau: Confira a estratégia de investimento dos grandes ganhadores de dinheiro da bolsa
Embora a ganância nos atraia para a possibilidade de ganhos rápidos e fáceis, a realidade é que quem ganha dinheiro com ações o fez degrau por degrau
Blood bath and beyond: Entenda o banho de sangue dos mercados financeiros — e as oportunidades para o Brasil
Michael Hartnett, do Bank of America Merrill Lynch, alerta para um possível otimismo exagerado e prematuro sobre o fim da subida da taxa básica de juro nos EUA; saiba mais
Você está disposto a assumir riscos para atingir seus sonhos e ter retornos acima da média?
Para Howard Marks, você não pode esperar retornos acima da média se você não fizer apostas ativas. Porém, se suas apostas ativas também estiverem erradas, seus retornos serão abaixo da média
Rodolfo Amstalden: Qual é o mundo que nos aguarda logo à frente?
O mercado inteiro fala de inflação, e com motivos; afinal, precisamos sobreviver aos problemas de curto prazo. Confira as lições e debates trazidos por John Keynes
Leia Também
Mais lidas
-
1
Vale (VALE3) e a megafusão: CEO da mineradora brasileira encara rivais e diz se pode entrar na briga por ativos da Anglo American
-
2
Imposto de 25% para o aço importado: só acreditou quem não leu as letras miúdas
-
3
Órfão das LCI e LCA? Banco indica 9 títulos isentos de imposto de renda que rendem mais que o CDI e o Tesouro IPCA+