A decisão da Organização Mundial da Saúde de declarar a covid-19 como uma pandemia fez um ano em março, mas a fadiga que enfrentamos desde então faz parecer que estamos convivendo com o novo coronavírus há décadas.
Pode ter sido apenas um ano, mas que ano foi esse! Muita coisa aconteceu de lá para cá. Milhares de mortes, milhões de contaminados, a corrida global para encontrar tratamentos e para desenvolver uma vacina. Nem vou citar o que aconteceu no Brasil, porque aí o texto vai longe.
Nossas vidas foram viradas de cabeça para baixo. Máscaras e álcool em gel viraram artigos essenciais junto com comida, tivemos que conviver afastados de amigos e familiares, nossa casa virou escritório/escola/local de entretenimento, além de ser nosso local de descanso.
Nos mercados financeiros, em que o ritmo já é frenético mesmo em um dia tranquilo, presenciamos os principais índices globais despencarem. Por aqui, vimos o circuit breaker ser acionado por seis vezes em um único mês, igualando a marca da crise de 2008.
Mas teve uma coisa que ocorreu em 2020 que torna essa crise sem precedentes. Algo nunca visto em toda a história e que é pouco lembrado pelas pessoas, mas que neste 20 de abril fez aniversário. Hoje completa um ano do dia em que o preço do barril de petróleo caiu abaixo de zero.
Lembra disso?
Há um ano exatamente, o contrato do petróleo tipo WTI, negociado nos Estados Unidos, caiu mais de 100%.
Pouco depois das 15h, horário de Brasília, ele passou a ser negociado a preços negativos, fechando o pregão em US$ -37,63 o barril – isso mesmo, MENOS 37 dólares e 63 centavos –uma queda de mais de 300%.
Quem poderia imaginar que uma coisa dessas poderia acontecer com a commodity mais importante do mundo, responsável por mover todas as economias globais e que já provocou inúmeras disputas e guerras nos tempos modernos?
A situação inusitada e histórica foi motivada, é claro, pela pandemia. À época, como você se lembra, as economias mais avançadas, especialmente na Europa, buscavam frear os números de contaminados pelo então novo coronavírus e acabaram adotando lockdowns, palavra que entrou no vocabulário do “novo normal”.
A crise desencadeada pela covid-19 cortou mais de um quarto da demanda por petróleo, diante da paralisação econômica e de circulação de pessoas impostas pelos governos.
Ao mesmo tempo, a produção estava em alta. O mundo vivia na ocasião uma “guerra do petróleo”, travada entre Arábia Saudita e Rússia. Ambas fazem parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o cartel que define por meio do controle de nível de produção a cotação da commodity.
Enquanto os sauditas queriam ampliar sua hegemonia inundando o mercado com petróleo, jogando o preço lá para baixo e quebrando concorrentes que surgiram nos últimos anos, principalmente nos Estados Unidos, os russos queriam valorizar a commodity, porque enfrentava dificuldades econômicas nos últimos anos.
As partes até chegaram a um acordo, em 12 de abril, para reduzir a produção em 10 milhões de barris ao dia, cerca de 10% da produção mundial, mas os efeitos só seriam sentidos a partir de maio.
Com os estoques já em patamares elevados e a demanda forçadamente reduzida, a cotação sofreu ainda mais com pressões negativas. Na ocasião, os contratos venciam no dia seguinte, com previsão de entrega física, mas os compradores que estariam interessados em receber a commodity estavam com os estoques cheios. Sem ter onde estocar o petróleo, muitos investidores decidiram pagar para devolver aqueles barris que compraram.
Para completar, teve ainda o fato de que os traders que rolariam as suas posições para junho optaram por encerrá-las. A forte queda do WTI vista no fim de semana anterior ao dia 20 de abril fez com que a diferença entre os preços dos contratos com entrega para maio e junho ficasse muito grande, tornando a rolagem financeiramente desvantajosa, levando a uma venda desenfreadas desses papéis.
Do fundo do poço à demissão na Petrobras
A história do petróleo negativo vai ser uma daquelas que o mercado financeiro irá contar por anos como um fato vivido na época da crise de covid-19, uma daquelas que vem acompanhadas daquela famosa frase “no meu tempo...”.
A pandemia teve sua parcela de culpa, mas como pudemos ver do episódio, havia um excesso de oferta na ocasião, em função das discordâncias entre Rússia e Arábia Saudita, uma situação que vinha desde o final de 2019.
De lá para cá, os preços voltaram ao normal, retornando aos níveis pré-pandemia. Do patamar de preço negativo, o WTI subiu para mais de US$ 60,00 o barril, valor em que vem sendo negociado neste momento. O movimento inclusive resultou na grande confusão entre o presidente Jair Bolsonaro e o então presidente da Petrobras (PETR4) a respeito do reajuste dos preços dos combustíveis.
A expectativa para 2021 é de um aumento da demanda, com o fim da pandemia no horizonte. A Opep estima que a procura pela commodity alcance 6 milhões de barris por dia no final do ano, 100 mil bpd a mais do que estimava anteriormente.