À espera do período de terror: lições de GameStop e IRB
O que o short das duas empresas pode ensinar ao mercado?

“A sinceridade é um remédio mais forte do que a simpatia,
que pode consolar, mas geralmente dissimula.”
Gretel Ehrlich
“O tempo em que se respeitavam os príncipes unicamente por serem príncipes acabou-se. No século em que estamos, em que os povos se acham assaz instruídos por seus direitos, é mister que os príncipes igualmente sejam e reconheçam que são homens e não divindades, e que lhes é indispensável terem muitos conhecimentos e boa opinião para que possam ser mais depressa amados do que mesmo respeitados.”
Dom Pedro I, em carta ao filho, em 11 de março de 1832
Teria chegado a hora de uma espécie de revolta popular dos investidores pessoas físicas, ávidos por vingança frente aos inimputáveis e gananciosos hedge funds? Main Street contra Wall Street ou, sei lá, Vale do Anhangabaú contra Faria Lima, Lapa contra Leblon?
Desculpem, não me presto a narrativas do bem contra o mal. Somos todos dados à ambivalência, na convivência nem sempre harmoniosa entre o médico e o monstro. Dionísio e Apolo convivem dentro de cada um de nós. Ou, talvez, ainda para ficar dentro de Nietzsche, precisemos pensar “além do bem e do mal”. Haveria o bem e o mal? Quem sabe Platão está certo e “ninguém é voluntariamente mau”.
Como a Empiricus é uma empresa voltada a investidores pessoas físicas, embora boa parte dos gestores e analistas também assinem nosso conteúdo, seria mais fácil (mas também oportunista!), me posicionar em favor da retórica fácil de “vamos nos juntar contra os engravatados”. Não funciona assim.
Sou daqueles que assistem a filmes da Marvel e a longas-metragens poloneses com igual interesse. De novo, as ambivalências. Poderia citar livros clássicos ou lado B, mas também me dou a bons best-sellers da moda. No super sucesso do momento “Talvez você deva conversar com alguém”, Lori Gottlieb traz um ensinamento budista valioso, ligado à “compaixão idiota”. Nele, você evita balançar o barco para poupar os sentimentos das pessoas, ainda que o barco precise ser balançado, e sua compaixão acabe sendo mais nociva do que sua identidade. Seu oposto é a compaixão sábia, que significa importar-se com a pessoa, mas também lançar-lhe uma amorosa bomba de verdade, quando necessário.
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Se o leitor mais assíduo rapidamente pensou na “transparência radical” de Ray Dalio ou na “antifragilidade” de Nassim Taleb, ganhou uma estrelinha no caderno.
Portanto, preciso afirmar categoricamente: sou contra a movimentos como aquele iniciado pelo Reddit envolvendo GameStop e esse grupo de Telegram nacional cuja intenção deliberada e manifesta é provocar um short squeeze nas ações do IRB. E são dois motivos básicos. O primeiro, porque, principalmente no caso brasileiro, isso pode muito bem ser enquadrado como “manipulação de mercado”. E, depois, porque essa dinâmica pode acabar muito mal, para… as próprias pessoas físicas.
Gostaria de apresentar meus pontos de forma esquemática, em prol do didatismo.
1. Os fundos
Há um ponto indisputável aqui e que deve servir de lição para gestores e investidores pessoas físicas: houve um erro bizarro de gerenciamento de risco por parte dos short sellers em GameStop e outras ações parecidas. Ponto final.
É sempre muito complicado expor-se contra a convexidade. De novo citando Taleb, “aposte centavos para ganhar dólares; nunca faça o contrário”. Assim quebraram a Aracruz, a Sadia e tantos outros. A vida é long gamma.
O short é particularmente capcioso. Ele expõe o investidor a um potencial de perda infinito, enquanto seu ganho máximo é limitado. A ação pode, na pior das hipóteses (para o short seller, a melhor hipótese), cair a zero, enquanto não tem limite de alta.
Além disso, existem elementos técnicos pesados no jogo do short. O doador chama aluguel na pior hora, o short seca, o mercado “squeeza”. A vida é dura.
E existe um outro elemento destruidor. Quando você está errado numa posição compradora, ela vai diminuindo no seu portfólio. Se você compra 5% do seu portfólio numa ação esperando uma alta e ela cai para 4%, sua exposição ficou menor a partir do seu erro. É quase um ajustamento automático no seu gerenciamento de risco. Ocorre o exato oposto no caso do short. Se você shorteia uma ação no equivalente a 5% do seu portfólio e a ação sobe, aquilo pode virar 6%, 10%, 20%, 50%… Conforme você erra, o exposure aumenta. Se não ficar de olho, aquilo pode quebrar o sujeito.
Shortear uma ação como GameStop, mesmo quando havia mais ações shorteadas do que o disponível no mercado (a relação chegou a 140%), foi uma aberração de gestão de risco. Um erro imperdoável.
Um erro de gestão, porém, não significa manipulação de mercado. São duas coisas bem diferentes. O short é absolutamente legítimo. Muitas vezes, reduz o risco das carteiras, traz liquidez aos mercados e permite estratégias eficientes. Não há nada de ilícito em shortear ações. Não há manipulação em criar uma tese pessimista e apostar na queda das ações. Os arbitradores trazem liquidez e, no geral, conduzem o mercado ao equilíbrio.
Há casos em que short sellers manipulam o preço da ação? Sim, mas esses devem ser denunciados e investigados. São exceção.
No caso de GameStop, houve um erro gigante de gestão. Não há provas de manipulação. Aqueles que tentam um paralelo no Brasil com IRB e Squadra desconhecem o caso. A Squadra fez um trabalho espetacular com o short em IRB, uma das mais bem feitas peças investigativas e de análise da história do mercado de capitais brasileiro. Descobriu uma fraude no balanço, shorteou e escreveu uma carta técnica e profunda sobre o tema. Tudo e só isso. Deveríamos todos aplaudir a Squadra.
2. A manipulação de mercado
Vejo uma confusão importante entre manipulação e especulação. Não há nada de errado com a segunda, enquanto a primeira é crime, sujeito a processo administrativo e multa (âmbito da CVM, com passivo rodando na dívida ativa); e também à esfera criminal (sujeito a até oito anos de um sabático em retenção).
Todos nós somos especuladores. Etimologicamente, “especular” vem de tentar antever o futuro, enxergar à frente. Quando analisamos uma ação ou um mercado, estamos baseados em perspectivas para o futuro.
Manipular o mercado é criar condições artificiais de oferta ou demanda para manter um preço acima ou abaixo de determinado patamar de maneira deliberada, para obtenção de benefício próprio ou de terceiro.
Orquestrar um movimento público e deliberado para promover um short squeeze e levar o preço de uma ação para cima pode ser enquadrado dentro da descrição acima.
Veja, não quero, com isso, dizer que as ações de IRB não possam subir. Estamos aqui há várias semanas debruçados sobre o case, que, aliás, não é um case fácil. Exige muita disciplina, estudo e diligência — algo que, confesso, não tenho visto nas análises por aí.
O estágio atual da análise é o seguinte: parece haver um bom turnaround sendo iniciado, com um novo management e um novo conselho realmente dispostos e retomar a seriedade, limpar o balanço e conduzir IRB de novo a bons patamares de rentabilidade (obviamente, não tão altos quanto aqueles inflados de período recente). Tivemos a chegada de um CEO comprometido e competente, de boas pessoas com experiência em rating (vinda da S&P e que pode melhorar bem as margens de IRB), e em pricing (com passagem marcante por resseguradoras internacionais). Além disso, o duration médio das carteiras de resseguros no Brasil é bem mais curto do que aquele apresentado no exterior, algo como 24-30 meses contra 48-60 meses lá fora. Ou seja, em algum momento, o balanço vai ficar limpo. Entendo que ainda há alguns meses para essa limpeza. A virada deve acontecer, segundo minha diligência até aqui, entre o segundo e o terceiro trimestres. Neste momento, é possível que o mercado venha a reprecificar IRB em Bolsa. Diante de tudo que já aconteceu com a companhia, prefiro não pagar antecipadamente e esperar o resultado. Ainda que eventualmente possamos perder uma pernada inicial, poderíamos entrar depois, num nível de risco substancialmente menor.
Em outras palavras, acho que IRB pode fazer algum sentido, mas não compactuo com puxetas artificiais. Elas podem ser enquadradas como manipulação de mercado, sujeita a multa e até mesmo pena de retenção.
Não vale dizer “isso aqui não é uma manipulação de mercado”. A rosa teria o mesmo cheiro se tivesse outro nome. São os atos que constituem a tipificação. Falar “eu não manipulo” e manipular também é crime.
Por fim, a prática pode gerar prejuízos financeiros às próprias pessoas físicas que participaram do esquema. Esse é o último ponto.
3. O esquema Ponzi e o período de Terror
As ações da GameStop caíram 31,50%. Agora, caem mais 38% no pré-market. Há um problema prático nesse tipo de esquema: a conta chega. A dinâmica é muito semelhante a um esquema Ponzi clássico. Um orquestramento tal como ocorrido promove uma alta desapegada dos fundamentos da empresa. O negócio sobe bastante por um tempo. O mercado, porém, cedo ou tarde, acaba promovendo o ajuste, devolvendo as ações para patamares de preço mais alinhados à realidade objetiva.
Ou seja, se você compra no começo do movimento e vende rápido, pode ganhar. Mas se demorar e não pegar o momento da virada, perde muito dinheiro. Igual a uma pirâmide.
A história recente lembra muito a Revolução Francesa. Num primeiro momento, é um discurso contra os privilégios dos príncipes e da nobreza. Depois, se inicia o período de Terror. Quem acaba decapitado são os próprios participantes do movimento original.
Que sirva de lição.
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