Passado o 7 de setembro, tudo segue (ruim) como antes na bolsa e nos ativos domésticos
Os discursos de Bolsonaro tendem a agravar a tensão entre os Poderes, o que, no atual cenário de dificuldade econômica, não é bom para a bolsa
O feriado do 7 de setembro era visto como uma espécie de divisor de águas no mercado. Com a promessa de radicalização por parte do presidente Jair Bolsonaro e um clima de incerteza quanto ao que viria a acontecer, muitos investidores adotaram uma postura cautelosa nas últimas sessões. A bolsa veio de pregões negativos, o mercado de câmbio e de juros esteve pressionado e um prêmio de risco mais elevado foi embutido nos ativos domésticos.
Pois, passadas as manifestações do Dia da Independência, pode-se dizer que o cenário que era projetado pelo mercado se concretizou. E isso quer dizer que quase nada muda para a bolsa e os demais mercados brasileiros — tudo segue ruim como antes, talvez até um pouco pior.
Por um lado, Bolsonaro de fato adotou um discurso bastante agressivo: fez ameaças explícitas ao Supremo Tribunal Federal (STF), voltou a fazer insinuações antidemocráticas e insuflou seus apoiadores — que compareceram em quantidade maior do que se imaginava, embora não tenham lotado as ruas das capitais, diga-se.
Por outro, não houve grandes surpresas: nenhum elemento fora do script na fala do presidente, nenhuma ruptura institucional severa, nenhum grande incidente nas ruas.
Assim, se ao fim do dia ficou uma sensação de que "poderia ter sido pior", também restou a percepção de que a crise política se agravou ainda mais, com um embate franco entre o governo e o STF — e, tudo isso, num contexto de economia frágil, a inflação alta, os juros em trajetória ascendente e as incertezas fiscais no radar.
"O discurso contra o Supremo, dizendo que não respeita... isso é ruim", me disse um gestor de ações de uma asset em São Paulo. "Alguns pontos relacionados à pauta econômica, ao teto de gastos, aos precatórios, isso tudo passa pelo Judiciário. E eu acho que o Judiciário não vai ter muita paciência".
O risco no lado fiscal tem sido um dos responsáveis pela piora na percepção de risco por parte dos investidores, e o acirramento da tensão entre Bolsonaro e STF pode trazer desdobramentos à curva de juros — e, consequentemente, aos demais ativos domésticos.
Os vencimentos mais longos foram afetados de maneira mais significativa: a partir de janeiro de 2026, as curvas já estão precificadas acima dos 10% ao ano — o que, na prática, quer dizer que o mercado enxerga os juros na casa de dois dígitos ao fim de 2025.
E, com juros cada vez mais altos para compensar a inflação crescente e os gastos maiores do governo, é natural que a expectativa de crescimento do PIB seja cortada a cada revisão. No último boletim Focus, por exemplo, os economistas revisaram para baixo as projeções para 2022, de 2% para 1,93%.
"Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando nossa população", disse Bolsonaro em evento realizado em Brasília. "Ou o chefe desse poder enquadra o seu ou esse poder vai sofrer aquilo que não queremos", referindo-se a Luiz Fux, presidente do STF, e aos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que têm tomado posições contrárias ao governo.
Se o raciocínio desse gestor se mostrar correto, o agravamento na crise entre Bolsonaro e o Judiciário tende a trazer problemas para a pauta econômica, contaminando todos os ativos e afetando negativamente a bolsa. Mas, é claro, há outros aspectos a serem analisados.
Pistas confusas em Wall Street
Com o pregão fechado por causa do feriado, restou aos investidores acompanharem o desempenho dos ativos brasileiros em Nova York — como o EWZ, o principal ETF do Brasil em Wall Street, ou os ADRs de empresas nacionais. O problema é que o desempenho desses ativos não nos diz muito sobre a percepção dos estrangeiros sobre os acontecimentos do 7 de setembro.
O EWZ, por exemplo, fechou em alta de 0,61% — o que significa que a reação foi positiva, certo? Bem, não é tão simples assim.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que as bolsas americanas estiveram fechadas na última segunda-feira (6) por causa de um feriado local. Assim, a sessão de hoje serviu como ajuste para o dia fechado — e, por aqui, o Ibovespa subiu 0,80% na segunda. O desempenho do EWZ, portanto, ficou em linha com o visto no Brasil no dia anterior.
Em segundo, as comemorações do ano novo judaico historicamente reduzem a liquidez em Wall Street e, assim, as altas e baixas dos ativos devem ser analisadas com uma colher de chá. E, em terceiro: o investidor estrangeiro tem muito menos poder para direcionar o rumo das negociações no Brasil; a alta do EWZ não necessariamente implica em alta do Ibovespa amanhã.
Os ADRs de empresas brasileiras negociados em Nova York também seguiram a mesma lógica: em sua maioria, tiveram um dia positivo, mas isso não nos diz muita coisa sobre a recepção do mercado aos atos do 7 de setembro e aos discursos de Bolsonaro.
- Petrobras (PBR): +0,96%
- Vale (VALE): -1,94%
- Itaú Unibanco (ITUB): +1,23%
- Ambev (Abev): +1,91%
Cenário político
Há, por fim, a questão do jogo de forças em Brasília. Andrei Roman, cientista político e CEO da Atlas Intel, pondera que os apoiadores do presidente compareceram aos atos num número maior que o imaginado e que, sendo assim, a mensagem que fica é a de que Bolsonaro não é carta fora do baralho para 2022.
"Qual era a provável estratégia [de Bolsonaro]? Mostrar força num momento em que tem se destacado a fraqueza do governo em termos de gestão econômica", afirma Roman. "Muito do que aconteceu hoje era para [o governo] ter uma vitória simbólica, mostrar que, mesmo no contexto problemático, o presidente continua popular".
Considerando esse racional, há alguns desdobramentos que seguem no radar do cientista político. De imediato, é esperada uma reação da oposição, tanto nas ruas quanto no Congresso — o que, provavelmente, levará a mais instabilidade política e social no curto prazo. Discussões quanto ao impeachment de Bolsonaro voltaram a ganhar força, com nomes fortes do PSDB aderindo à causa.
Novamente, há uma nuvem de incerteza pairando: é possível que a adesão dos apoiadores neste 7 de setembro atraia mais congressistas à base aliada do governo, mas é igualmente possível que a oposição se articule ainda mais, enfraquecendo a administração Bolsonaro e dificultando a tramitação de pautas governistas.
"A parte mais problemática me parece a tentativa de descredibilizar a eleição de 2022", diz Roman, referindo-se às constantes queixas de falta de confiança no processo eleitoral por parte de Bolsonaro. "[os ataques aos ministros do Supremo] não dizem respeito só ao comportamento do presidente, mas incentivam também um comportamento antidemocrático, anti-institucional".
Bolsa: e agora?
Considerando todos os pontos expostos, um segundo gestor de ações com quem eu conversei diz não ver elementos novos relevantes para os mercados — e, sendo assim, a instabilidade e volatilidade vistas recentemente devem continuar dando as caras no curto prazo.
"Bolsonaro continua com a posição de antagonismo, e os outros poderes estão observando", disse ele. "Em outras palavras, 'segue o jogo…'".
Nos próximos dias, novos dados de inflação serão divulgados no Brasil, com destaque para os números do IPCA em agosto; lá fora, novas comunicações do Federal Reserve nesta quarta-feira servirão para trazer luz ao mercado quanto à visão do BC americano em relação ao futuros dos estímulos econômicos no país.
Estas informações, sim, são mais palpáveis para afetar o andamento dos seus investimentos. O 7 de setembro, no fim, foi mais do mesmo — para o bem e para o mal.
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