Vamos falar de longo prazo, que tal 10 anos? A coleção de décadas perdidas
Já sabemos que, no longo prazo, todos estaremos mortos. A questão é o que faremos no meio do caminho
Dório Ferman, que dispensa apresentações, tem uma frase para descrever o comportamento típico dos investidores de Bolsa: “Todo longo-prazista é um curto-prazista que não deu certo”. É uma ironia, claro. Mas sejamos sinceros: todos preferiríamos ganhar dinheiro hoje em vez de ter de esperar três anos. Não seria lindo se pudéssemos comprar ABCD3 neste 15 de abril e — amanhã mesmo, por que não? — vendê-la pelo dobro do preço?
Há um pequeno problema, um detalhe nessa equação: é simplesmente impossível, salvo sob determinadas condições muito particulares, ganhar dinheiro de forma sistemática em Bolsa no curto prazo. Em linhas gerais, os preços das ações — e da maior parte das séries financeiras — seguem modelos econométricos descritos por um “random walk”, um passeio aleatório em que o preço amanhã é descrito pelo preço de hoje mais um ruído randômico de média zero e variância constante. Em português, a melhor previsão que você pode fazer para o próximo “tick” é o próprio preço atual. Má notícia.
Então, por isso, pela simples impossibilidade de encher o bolso no curto prazo, vamos encher a Bolsa com horizontes de longo prazo. Nesse novo horizonte temporal, há uma crença — e não se iluda tanto: não passa mesmo de uma crença razoavelmente bem fundamentada em alguma observação empírica, sem uma efetiva e sólida comprovação e validação científica estruturada — de que o preço das ações conversa razoavelmente bem com o lucro da respectiva empresa.
Legal, temos aqui um procedimento a seguir. Compre ações de companhias cujo lucro aumenta substancial e consistentemente, sem pagar um preço exorbitante por elas, claro, e você terá chances razoáveis de sucesso.
Daí, porém, emerge uma nuance. Apegar-se a um suposto “longo prazo” não pode esconder erros individuais, de analistas, gestores e investidores, de inação. Se o cenário muda, eu mudo — e você? Se o fundamento estrutural mudou ou a matriz de risco-retorno mudou, você precisa mudar suas alocações também. Isso não significa, em nenhum momento, tentativas de fazer “timing” de mercado. Ao contrário, é a mais estrita análise fundamentalista, de se apegar a mudanças de valor intrínseco (não de preço) para balizar suas decisões de investimento.
Em bear markets estruturais, o certo a se fazer é reduzir sua posição em ativos de risco. Se você tiver um perfil mais de trader, inclusive, vender nos repiques e recompor mais pra baixo. Não precisamos ir muito longe. Na era Dilma, as incontestáveis (merecidamente) Dynamo e Atmos lotavam suas carteiras de NTN-B, dólar e mais o diabo, tudo que podiam para proteger suas posições em ações. Deu certo — tenho a sensação de que, para eles, sempre dá certo.
Leia Também
“Não se preocupe, no longo prazo volta.” Volta mesmo? Será? Qual é a garantia disso? Disfarçamos nossa incapacidade de adaptação ao novo cenário com uma hipótese por vezes sequer passível de rejeição — lembro de Karl Popper: toda hipótese precisa ser falseável. Se o sujeito lhe propuser algo como: “Isso é para longo prazo, ok?”, no fundo é uma proposta que beira a desonestidade intelectual.
Deixe-me dar um exemplo familiar para ilustrar o ponto — ele é absolutamente real (e ridículo também, mas hoje consigo rir a respeito).
Depois de quebrar quatro vezes e já acometido pela miastenia, o que tirava parte de sua capacidade de trabalhar e eliminava quase por completo as chances de recuperação patrimonial, meu pai passou a jogar na Mega-Sena, com disciplina espartana, todas as semanas — a verdade é que ele sempre teve uma tara por jogo; adorava um baralho e uma purrinha, costumava jogar no bicho também, em conversas ao pé do ouvido de um mulato que ficava sentado na frente do bar do Jorjão.
Sempre achei as jogadas semanais uma perda de dinheiro, com as probabilidades jogando contra. VPL negativo e tal. Enchi tanto o saco que uma vez ele se irritou e fez uma aposta: “Felipe, eu ainda vou ganhar na Mega. Vale mil reais?”.
O que aconteceu? Bom, a aposta, em si, eu ganhei. Os tais mil reais nunca vi. E suspeito que nunca verei — a não ser que ele me seja enviado em algum envelope via psicografia kardecista.
O tal “longo prazo” em Bolsa é um tipo de aposta como essa. O sujeito fala que no longo prazo a ação ABCD3 vai se recuperar depois do tombo de 60%. Você, com confiança no seu gestor, no seu analista ou no seu youtuber favorito, confia naquilo. Até o dia em que você morre, sem ver a tal recuperação. Sua esposa vai questionar a tal sugestão e percebe que o erro, claro, não foi do gestor, do analista ou do youtuber. O erro foi do próprio marido, que morreu cedo demais, aos 94 anos, sem ter esperado pelo longo prazo, que chegaria aos 103 anos de vida do falecido.
Avanço no raciocínio
Se uma ação específica segue o lucro da respectiva empresa no longo prazo (seja lá o que queira dizer esse “longo prazo”, que eu nunca conheci, nunca vi por aí), então, em termos agregados, um índice de ações deve seguir o consolidado dos lucros das empresas que o compõe — é apenas uma derivação lógica da hipótese de agregação. E, claramente, os lucros de uma amostra considerável de empresas, em especial se elas forem grandes, guarda correlação importante com a atividade econômica de um país.
Pense no caso dos bancos para facilitar. Se você somar Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander, já consegue ter uma boa ideia do comportamento de todo o mercado de crédito brasileiro, que obviamente se relaciona diretamente com a economia como um todo.
Talvez o leitor mais crítico pudesse questionar a argumentação acima, sugerindo que as empresas listadas em Bolsa são as maiores, melhores e com mais vantagens competitivas, de modo que poderiam transitar de maneira resiliente por cenários mais adversos. Com efeito, não nego o contra-argumento. Ainda assim, parece razoável supor uma correlação entre lucros das empresas listadas em Bolsa e o PIB do respectivo país — não à toa, Warren Buffett tem como um de seus indicadores favoritos a relação de capitalização de mercado sobre PIB como uma das referências para balizar o quanto uma determinada Bolsa está barata ou cara.
Bom, então vamos lá.
Se organizações como Banco Mundial e FMI, que costumam ser comedidas e cautelosas em suas projeções e agora estimam uma contração de cerca de 5% do PIB brasileiro em 2020, estiverem certas, eis o que aconteceria com a nossa economia:

Sim, é isso mesmo, praticamente voltamos ao PIB de 2010. Uma década perdida. Dez anos é “longo prazo” suficiente?
“Ah, mas voltaremos rápido em 2021?” Será? Com uma taxa de desemprego superior a 15%? Qual vai ser o nível de consumo diante de tanto desemprego? Mesmo quem estiver empregado vai rapidamente voltar a consumir vigorosamente depois da quarentena ou preservar altos níveis de poupança diante de uma natural cautela? E quem vai investir sabendo que não haverá consumo? O G (o Gasto do governo que entra na equação do PIB) vai nos salvar sendo que precisaremos de mais ajuste fiscal depois do déficit primário de 7% neste ano? Ok, ok, as exportações líquidas podem nos ajudar com o dólar lá perto de R$ 6, mas serão suficientes, dada nossa baixa corrente de comércio?
Pondere ainda que já havia no mundo, antes da questão do coronavírus, um debate sobre uma eventual estagnação secular — Larry Summers recuperou o termo proposto na década de 1930 por Alvin Hansen para descrever o baixo crescimento estrutural dos EUA à época, mediante excesso de taxa de poupança.
Não à toa, Ray Dalio, da Bridgewater, vem defendendo agora um período bastante semelhante àquele de 1930-32, sob as mazelas da Grande Depressão de 1929. O tal “Paradigm Shifts” foi escrito por ele no ano passado e a tese agora é de que o coronavírus chegou apenas para catalisar e acelerar esse movimento. Uma das grandes preocupações de Dalio é com uma espécie de “japanização” do mundo, com os países desenvolvidos vivendo uma grande armadilha de liquidez.
Então, se dez anos não forem suficientes para você, talvez valesse apenas, apenas como ilustração e para termos mapeadas todas as possibilidades, o comportamento do Nikkei (principal índice de ações da Bolsa de Tóquio) em razoável “longo prazo”:

Já sabemos que, no longo prazo, todos estaremos mortos. A questão é o que faremos no meio do caminho. Precisamos entender o longo prazo não como algo estático e imutável. No fim do dia, é uma mera soma agregada e sucessiva de curtos prazos. O cenário intrínseco e estrutural vai mudando e suas alocações precisam mudar com ele. Se não fosse assim, todos os portfólios do mundo seriam uma grande alocação estrutural, final e definitiva, sem qualquer interferência dinâmica do gestor.
O problema não é morrer no longo prazo. O diabo da coisa é não sobreviver até ele.
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje
A sucessão no Fed: o risco silencioso por trás da queda dos juros
A simples possibilidade de mudança no comando do BC dos EUA já começou a mexer na curva de juros, refletindo a percepção de que o “jogo” da política monetária em 2026 será bem diferente do atual
Tony Volpon: Bolhas não acabam assim
Wall Street vivencia hoje uma bolha especulativa no mercado de ações? Entenda o que está acontecendo nas bolsas norte-americanas, e o que a inteligência artificial tem a ver com isso
As lições da Black Friday para o universo dos fundos imobiliários e uma indicação de FII que realmente vale a pena agora
Descontos na bolsa, retorno com dividendos elevados, movimentos de consolidação: que tipo de investimento realmente compensa na Black Friday dos FIIs?
Os futuros dividendos da Estapar (ALPK3), o plano da Petrobras (PETR3), as falas de Galípolo e o que mais move o mercado
Com mudanças contábeis, Estapar antecipa pagamentos de dividendos. Petrobras divulga seu plano estratégico, e presidente do BC se mantém duro em sua política de juros
Jogada de mestre: proposta da Estapar (ALPK3) reduz a espera por dividendos em até 8 anos, ações disparam e esse pode ser só o começo
A companhia possui um prejuízo acumulado bilionário e precisaria de mais 8 anos para conseguir zerar esse saldo para distribuir dividendos. Essa espera, porém, pode cair drasticamente se duas propostas forem aprovadas na AGE de dezembro.
A decisão de Natal do Fed, os títulos incentivados e o que mais move o mercado hoje
Veja qual o impacto da decisão de dezembro do banco central dos EUA para os mercados brasileiros e o que deve acontecer com as debêntures incentivadas, isentas de IR
Corte de juros em dezembro? O Fed diz talvez, o mercado jura que sim
Embora a maioria do mercado espere um corte de 25 pontos-base, as declarações do Fed revelam divisão interna: há quem considere a inflação o maior risco e há quem veja a fragilidade do mercado de trabalho como a principal preocupação
Rodolfo Amstalden: O mercado realmente subestima a Selic?
Dentro do arcabouço de metas de inflação, nosso Bacen dá mais cavalos de pau do que a média global. E o custo de se voltar atrás para um formulador de política monetária é quase que proibitivo. Logo, faz sentido para o mercado cobrar um seguro diante de viradas possíveis.
As projeções para a economia em 2026, inflação no Brasil e o que mais move os mercados hoje
Seu Dinheiro mostra as projeções do Itaú para os juros, inflação e dólar para 2026; veja o que você precisa saber sobre a bolsa hoje
Os planos e dividendos da Petrobras (PETR3), a guerra entre Rússia e Ucrânia, acordo entre Mercosul e UE e o que mais move o mercado
Seu Dinheiro conversou com analistas para entender o que esperar do novo plano de investimentos da Petrobras; a bolsa brasileira também reflete notícias do cenário econômico internacional
Felipe Miranda: O paradoxo do banqueiro central
Se você é explicitamente “o menino de ouro” do presidente da República e próximo ao ministério da Fazenda, é natural desconfiar de sua eventual subserviência ao poder Executivo
Hapvida decepciona mais uma vez, dados da Europa e dos EUA e o que mais move a bolsa hoje
Operadora de saúde enfrenta mais uma vez os mesmos problemas que a fizeram despencar na bolsa há mais dois anos; investidores aguardam discurso da presidente do Banco Central Europeu (BCE) e dados da economia dos EUA
CDBs do Master, Oncoclínicas (ONCO3), o ‘terror dos vendidos’ e mais: as matérias mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matéria sobre a exposição da Oncoclínicas aos CDBs do Banco Master foi a mais lida da semana; veja os destaques do SD
A debandada da bolsa, pessimismo global e tarifas de Trump: veja o que move os mercados hoje
Nos últimos anos, diversas empresas deixaram a B3; veja o que está por trás desse movimento e o que mais pode afetar o seu bolso
Planejamento, pé no chão e consciência de que a realidade pode ser dura são alguns dos requisitos mais importantes de quem quer ser dono da própria empresa
Milhões de brasileiros sonham em abrir um negócio, mas especialistas alertam que a realidade envolve insegurança financeira, mais trabalho e falta de planejamento
Rodolfo Amstalden: Será que o Fed já pode usar AI para cortar juros?
Chegamos à situação contemporânea nos EUA em que o mercado de trabalho começa a dar sinais em prol de cortes nos juros, enquanto a inflação (acima da meta) sugere insistência no aperto
A nova estratégia dos FIIs para crescer, a espera pelo balanço da Nvidia e o que mais mexe com seu bolso hoje
Para continuarem entregando bons retornos, os Fundos de Investimento Imobiliários adaptaram sua estratégia; veja se há riscos para o investidor comum. Balanço da Nvidia e dados de emprego dos EUA também movem os mercados hoje
O recado das eleições chilenas para o Brasil, prisão de dono e liquidação do Banco Master e o que mais move os mercados hoje
Resultado do primeiro turno mostra que o Chile segue tendência de virada à direita já vista em outros países da América do Sul; BC decide liquidar o Banco Master, poucas horas depois que o banco recebeu uma proposta de compra da holding Fictor