O jogo da liquidez em fundos – leia isto antes do seu próximo resgate
Investir em fundos de gestão ativa com prazos muito curtos de resgate é como se, em vez de frequentar uma sala de cinema com portas de emergência maiores, o investidor decidisse apenas se sentar perto da saída para ser o mais rápido a fugir

Em sua analogia contemporânea (quando algo se torna clássico de vez?) sobre liquidez, Nassim Taleb compara o mercado a uma grande sala de cinema com uma pequena porta de saída.
À medida que mais pessoas vão chegando para assistir ao filme, aquela saída de emergência passa cada vez mais despercebida, a não ser pelas luzes piscantes de seu letreiro, que podem até atrapalhar a experiência dos mais exigentes, mas que também os lembram de seu propósito.
“Fogo!”, grita um dos presentes.
Nesse instante, torna-se desejável para nossa própria sobrevivência que a portinha fosse bem maior, ou a capacidade da sala de cinema, bem menor.
Tenho recebido, de investidores iniciantes em fundos ou dos mais experientes que solicitaram resgate na hora errada (por acaso) ou pelo motivo errado (por falta de informação), questionamentos acerca dos prazos de resgate dos fundos de gestão ativa, a partir de 30 dias, em sua maioria.
Parece haver uma tendência na direção de ativos muito líquidos e alguma dose de rejeição por “deixar o dinheiro preso”.
Leia Também
Rodolfo Amstalden: Seu frouxo, eu mando te demitir, mas nunca falei nada disso
Rodolfo Amstalden: Escute as feras
Para argumentar a favor dos prazos mais esticados de resgate — quanto mais longos, melhor —, compartilho três abordagens sobre o tema: a racional, a comportamental e a comercial. Todas, é claro, a favor do investidor.
Na teoria, todo investimento equilibra-se entre risco e retorno. Devemos ser adequadamente remunerados pelo risco incorrido ou, no limite, por qualquer “condição indesejável”.
Dentre os riscos existentes, o de liquidez é um dos mais subestimados pelos investidores, que dão muito mais atenção ao risco de mercado e, em menor escala, ao de crédito.
A condição indesejável de não conseguir sair de um ativo rápido o suficiente e a um preço que satisfaça o vendedor é o que chamamos de “iliquidez”. Na vida real, esse é o risco de você não conseguir vender seu carro usado imediatamente e pelo preço que gostaria.
Se você não precisa do dinheiro agora, pode vendê-lo em melhores condições no futuro, sendo remunerado por aceitar a condição de iliquidez.
Igualmente, um gestor focado em small caps, ações de empresas menores e possivelmente menos líquidas, também espera ser mais bem remunerado pela iliquidez desses ativos do que outro gestor que invista apenas em large caps.
Sob essa ótica racional, portanto, faria sentido que fundos com posições menos líquidas, não só estabelecessem um prazo de resgate mais estendido, como também tivessem maiores expectativas de retorno no longo prazo.
Porém, a verdade é que há muitos fundos com ativos bastante líquidos e que também preferem estipular um prazo de resgate maior ou igual a 30 dias para seus investidores.
O argumento comportamental é o de que o prazo maior nos protegeria de nós mesmos. Previsivelmente irracionais, principalmente ao lidar com dinheiro, somos vieses ambulantes, guiados por todo tipo de impulso cognitivo ou emocional.
Em outras palavras, se desenvolvemos o mau hábito de conferir os investimentos com mais frequência do que deveríamos, de dar peso desproporcional ao desempenho de curto prazo e de nos apegarmos ao “preço de entrada” de um investimento, o fato de lembrar que o dinheiro só cairá na conta daqui a um mês ou mais é um desincentivo ao impulso do resgate.
Ótimo, pois se a tese de investimento em um fundo não mudou uma vírgula desde a aplicação, o resgate não faz sentido, como abordarei mais à frente.
Por fim, há o motivo comercial. Prazos curtos forçariam o gestor de um fundo, principalmente os especialistas em ativos menos líquidos, a fechá-lo para captação com um tamanho menor do que se o prazo fosse mais longo.
Assim, o prazo estendido aumenta a capacidade do gestor de gerar retorno para o próprio investidor, mantendo o fundo aberto com a mesma estratégia por mais tempo.
Um exemplo prático que relaciona liquidez, prazos de resgate, horizonte de investimento e rentabilidade são os fundos de private equity. Ao investirem em empresas fechadas e, portanto, sem nenhuma liquidez, esses gestores se utilizam de fundos também sem liquidez nenhuma, fechados até o encerramento da estratégia. O resultado costuma ser retornos no longo prazo acima dos fundos de ações tradicionais.
Do outro lado do espectro de risco, se há uma classe de fundos que sofreu nesta crise, foi justamente a dos fundos de renda fixa com prazos de liquidez mais curtos — aqueles que seu gerente ou agente autônomo já lhe ofereceu como uma opção para o “caixa” e que aparecem, na maioria das vezes, classificados como “baixo risco”.
A essa altura do campeonato, talvez você já tenha descoberto da pior forma que as aspas anteriores são justas, afinal vários fundos do tipo acumulam retorno negativo no ano. Logo, se um fundo de renda fixa não investe apenas em títulos públicos pós-fixados (Tesouro Selic) nem tem liquidez imediata, não deve ser denominado de caixa e pode não ter também baixo risco.
Para investimento em crédito privado, em que os gestores emprestam dinheiro para empresas por alguns anos, prefira fundos com menor liquidez, de pelo menos 30 dias.
Assumindo, então, que prazos maiores de resgate são melhores para o investidor e costumam estar relacionados a maiores retornos, como podemos nos prevenir para evitar o resgate nesses fundos com liquidez de 30 ou 60 dias, por exemplo?
Na minha opinião, o bom investidor deve definir bem dois aspectos de sua filosofia de investimentos: a alocação entre classes e o motivo do resgate.
O primeiro deles diz respeito ao equilíbrio entre as diferentes classes e entre os diferentes fundos ou ativos em cada classe, isto é, sua pizza de alocação.
Por exemplo, caso esteja taticamente otimista com ações, mas todos os seus investimentos na classe estejam em fundos com prazo de resgate de 60 dias e em ações de small caps e de baixa liquidez, o que você faria quando tal otimismo cessasse? Venderia as small caps a preços muito baixos ou ficaria exposto a uma eventual queda do mercado por 60 dias?
De preferência, nenhuma das duas opções. A melhor sugestão é carregar sempre uma parte líquida, passiva, sem o objetivo de bater o índice de referência. Aqui, um fundo bem baratinho indexado ao Ibovespa ou um ETF já te deixaria mais tranquilo. Assim, caso precise reduzir a exposição à classe, seria esta parcela líquida a primeira candidata para uma saída imediata – ou, pelo menos, rápida o suficiente.
“E para as classes nas quais não existe a opção de investir em um índice de referência como fundos de crédito privado ou multimercados?”
A resposta mais óbvia é: não resgate. Ao comprar um fundo de gestão ativa, você está se casando com o gestor, confiando em seu potencial de gerar retornos acima da média no longo prazo.
Dito isso, há seis exceções, motivos específicos em que considero o resgate de um fundo:
- Condutas antiprofissionais ou antiéticas da gestora, como acusações de fraude, de manipulação de preços ou de informação privilegiada;
- Mudança relevante de equipe, como a saída de um ou mais sócios-fundadores da equipe de gestão;
- Desvio de mandato: por exemplo, um fundo de dólar que passa a comprar crédito privado para “dar um gás” na rentabilidade ou um fundo de small caps que passa a ter posições em large caps porque ficou grande demais;
- Falhas no controle de risco, principalmente posições muito alavancadas e perdas muito maiores do que as esperadas;
- Desempenho insatisfatório no longo prazo: pelo menos dois anos para multimercados e pelo menos três para fundos de ações;
- Rebalanceamento do portfólio, o que pode ser evitado com exposições passivas, mais líquidas, como comentado.
É importante perceber que desempenho de curto prazo não está entre os motivos. Nem o que os outros investidores estão fazendo. E muito menos o impacto de nossas próprias emoções.
Investir em fundos de gestão ativa com prazos muito curtos de resgate é como se, em vez de frequentar uma sala de cinema com portas de emergência maiores, o investidor decidisse apenas se sentar perto da saída para ser o mais rápido a fugir.
Respeito a opção, mas confesso que eu teria dificuldade em me concentrar totalmente no filme se estou tomado pela tensão de sair correndo a qualquer momento.
Prefiro me concentrar em encontrar as melhores salas de cinema do Brasil, aquelas que, além de proporcionar uma boa experiência para o investidor, também se preocupam com o tamanho da saída de emergência caso algum maluco resolva gritar “Fogo!”.
Felipe Miranda: Dedo no gatilho
Não dá pra saber exatamente quando vai se dar o movimento. O que temos de informação neste momento é que há uma enorme demanda reprimida por Brasil. E essa talvez seja uma informação suficiente.
Rodolfo Amstalden: As expectativas de conflação estão desancoradas
A principal dificuldade epistemológica de se tentar adiantar os próximos passos do mercado financeiro não se limita à já (quase impossível) tarefa de adivinhar o que está por vir
Felipe Miranda: Vale a pena investir em ações no Brasil?
Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação
Rodolfo Amstalden: Para um período de transição, até que está durando bastante
Ainda que a maior parte de Wall Street continue sendo pró Trump, há um problema de ordem semântica no “período de transição”: seu falsacionismo não é nada trivial
Tony Volpon: As três surpresas de Donald Trump
Quem estudou seu primeiro governo ou analisou seu discurso de campanha não foi muito eficiente em prever o que ele faria no cargo, em pelo menos três dimensões relevantes
Dinheiro é assunto de mulher? A independência feminina depende disso
O primeiro passo para investir com inteligência é justamente buscar informação. Nesse sentido, é essencial quebrar paradigmas sociais e colocar na cabeça de mulheres de todas as idades, casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, que dinheiro é assunto delas.
Rodolfo Amstalden: Na esperança de marcar o 2º gol antes do 1º
Se você abre os jornais, encontra manchetes diárias sobre os ataques de Donald Trump contra a China e contra a Europa, seja por meio de tarifas ou de afrontas a acordos prévios de cooperação
Rodolfo Amstalden: Um Brasil na mira de Trump
Temos razões para crer que o Governo brasileiro está prestes a receber um recado mais contundente de Donald Trump
Rodolfo Amstalden: Eu gostaria de arriscar um palpite irresponsável
Vai demorar para termos certeza de que o último período de mazelas foi superado; quando soubermos, porém, não restará mais tanto dinheiro bom na mesa
Rodolfo Amstalden: Tenha muito do óbvio, e um pouco do não óbvio
Em um histórico dos últimos cinco anos, estamos simplesmente no patamar mais barato da relação entre preço e valor patrimonial para fundos imobiliários com mandatos de FoFs e Multiestratégias
Felipe Miranda: Isso não é 2015, nem 1808
A economia brasileira cresce acima de seu potencial. Se a procura por camisetas sobe e a oferta não acompanha, o preço das camisetas se eleva ou passamos a importar mais. Não há milagre da multiplicação das camisetas.
Tony Volpon: O paradoxo DeepSeek
Se uma relativamente pequena empresa chinesa pode desafiar as grandes empresas do setor, isso será muito bom para todos – mesmo se isso acabar impactando negativamente a precificação das atuais gigantes do setor
Rodolfo Amstalden: IPCA 2025 — tem gosto de catch up ou de ketchup mais caro?
Se Lula estivesse universalmente preocupado com os gastos fiscais e o descontrole do IPCA desde o início do seu mandato, provavelmente não teria que gastar tanta energia agora com essas crises particulares
Rodolfo Amstalden: Um ano mais fácil (de analisar) à frente
Não restam esperanças domésticas para 2025 – e é justamente essa ausência que o torna um ano bem mais fácil de analisar
Rodolfo Amstalden: Às vésperas da dominância fiscal
Até mesmo os principais especialistas em macro brasileira são incapazes de chegar a um consenso sobre se estamos ou não em dominância fiscal, embora praticamente todos concordem que a política monetária perdeu eficácia, na margem
Rodolfo Amstalden: Precisamos sobre viver o “modo sobrevivência”
Não me parece que o modo sobrevivência seja a melhor postura a se adotar agora, já que ela pode assumir contornos excessivamente conservadores
Rodolfo Amstalden: Banda fiscal no centro do palco é sinal de que o show começou
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos
Felipe Miranda: O Brasil (ainda não) voltou — mas isso vai acontecer
Depois de anos alijados do interesse da comunidade internacional, voltamos a ser destaque na imprensa especializada. Para o lado negativo, claro
Felipe Miranda: Não estamos no México, nem no Dilma 2
Embora algumas analogias de fato possam ser feitas, sobretudo porque a direção guarda alguma semelhança, a comparação parece bastante imprecisa
Rodolfo Amstalden: Brasil com grau de investimento: falta apenas um passo, mas não qualquer passo
A Moody’s deixa bem claro qual é o passo que precisamos satisfazer para o Brasil retomar o grau de investimento: responsabilidade fiscal