O grande teste de 2020
Exercícios de futurologia revelam muito pouco sobre o potencial de sucesso que você terá nos seus investimentos. Podem te render, no máximo, trocados em um bolão entre amigos ou assunto para mesa de bar
Selecione a alternativa que melhor descreve o atual cenário e as perspectivas para o segundo semestre de 2020:
A) “A recessão global ficou restrita à primeira metade do ano, com o pior momento em abril. A recuperação vai ser mais rápida do que se imaginava, em formato de ‘V’. No Brasil, o terceiro trimestre será de consumo muito forte, com uma boa pernada quando as cidades reabrirem, já que a massa salarial não foi tão afetada. É hora de estar bem comprado em Bolsa, diversificado entre ações de qualidade e cíclicas.”
B) “O nível de incerteza em relação à recuperação global segue elevado, apesar de as intervenções dos grandes bancos centrais continuarem dando suporte aos mercados. No Brasil, o principal risco à retomada é a adoção de novas medidas de distanciamento social para conter o avanço do coronavírus. Apesar da cena política mais favorável, as discussões no âmbito fiscal sugerem uma preocupante escalada dos gastos públicos.”
C) “A Bolsa está cara. Os preços já andaram muito e fica mais difícil encontrar boas oportunidades. Por mais que as coisas se normalizem, os lucros não vão crescer tanto. As melhores alternativas estão na Bolsa americana. A grande onda secular no mundo será a de empresas ‘verdes’, deixando as gigantes de tecnologia em segundo plano. Outra tendência é o enfraquecimento do dólar globalmente.”
Não importa qual opção você tenha escolhido. Acertar não é o mais importante. Exercícios de futurologia revelam muito pouco sobre o potencial de sucesso que você terá nos seus investimentos. Podem te render, no máximo, trocados em um bolão entre amigos ou assunto para mesa de bar — no dia em que os bares voltarem de verdade.
No mundo dos fundos, a principal lição que 2020 tem ensinado ao investidor é: em vez de tentar adivinhar qual cenário vai se concretizar, o mais importante é se expor a diferentes probabilidades. O quão diversificado e versátil é o seu portfólio? Esse sim é o indicativo mais fiel sobre suas chances de ampliar seu retorno potencial neste ano e nos próximos.
As teses que apresentei no início deste texto são de grandes gestores de multimercados brasileiros, com quem temos conversado incansavelmente aqui na série Melhores Fundos de Investimento para entender como estão se posicionando para o restante do ano. E, como deve ter ficado nítido, as teses estão longe de convergir para um consenso. Encare cada uma como ingredientes complementares para montar um portfólio diversificado.
Fazendo uma breve retrospectiva, soa ingênuo, mas começamos o ano sob forte otimismo aqui no Brasil. No fim de fevereiro, os índices acionários rondavam as máximas quando a equipe da Ibiuna, nosso multimercado com melhor desempenho no primeiro semestre, decidiu zerar posições nas Bolsas, “com dor no coração”, em meio a preocupações sobre o vigor da economia chinesa diante do surto de um novo coronavírus na Ásia.
A decisão foi tomada na véspera do feriado de Carnaval. Resultado: na Quarta-feira de Cinzas, o fundo passou ileso pelo tombo de 7% do Ibovespa, uma ressaca mal curada que chamaria uma sequência de seis circuit breakers na B3 em março. É claro que a tese não era de uma pandemia que ganharia proporções globais, pararia a economia mundial e mataria mais de meio milhão de pessoas — quem falasse isso à época seria considerado alarmista.
Miraram no que viram e acertaram no que não viram? Pode ser. Mas o que mais gosto nessa história da Ibiuna é que o principal vetor do bom rendimento no primeiro semestre (+10,3%) não foi esse acerto na Bolsa. Foram as posições estratégias no mercado de juros, antecipando-se à mudança de postura dos grandes bancos centrais, que, como se sabe hoje, lançaram mão de estímulos sem precedentes para lidar com os efeitos da crise global. Também ganharam com estratégias de proteção.
E tão importante quanto a direção, é corrigir a rota. Impossível não lembrar do Verde, de Luis Stuhlberger, que aumentou exposição em Bolsa logo após a piora dos mercados, mas que depois admitiu que a posição foi montada cedo demais. E quem vai julgar?
Este ano tem sido um teste e tanto para os gestores, mas para o investidor é uma grande oportunidade para conhecer melhor os especialistas que fazem a gestão do seu dinheiro. E ainda bem que não existe limite nem número ideal de fundos para compor uma carteira de investimento. Viva a diversificação.
Antes de me despedir, um alerta. Com o encerramento do primeiro semestre, logo surgirão os rankings de fundos que mais renderam no ano. Como sempre reforçamos, desempenho de curto prazo diz muito pouco sobre a qualidade de um fundo. Salvo raras exceções, quem entregou retorno muito superior em um cenário difícil de ler como este, não é porque é gênio, é porque tomou risco excessivo. Fuja.
E se ficou curioso para saber quem são os autores das teses que listei no começo do texto, eu te conto na próxima terça-feira, aqui.
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