Uma das diferenças importantes do ser humano frente a outros animais é sua habilidade de ampliar a percepção do tempo. Podemos imaginar o futuro e guardar lembranças na memória, ponderando decisões intertemporais. Sacrificamos o presente em prol de um futuro melhor ou abrimos mão de mais amanhã diante do imediatismo do hoje.
Como resume Eduardo Giannetti com seu tradicional brilhantismo, estamos sempre sob o dilema da escolha entre “mais vida nos nossos anos” e “mais anos na nossa vida”. Em linguagem de meme, a difícil opção entre “dar uma segurada” e “só se vive uma vez”.
A conquista da dimensão temporal trouxe algo importante aos humanos: uma capacidade de abstração do agora, que freia a tirania das pulsões mais imediatas e calibra decisões a partir dos cálculos entre passado, presente e futuro. Vivemos mentalmente numa espécie de mundo paralelo, desviando a atenção do mero momento corrente para viver contemplações de futuro ou memórias do passado.
Por vezes, deixamos o aqui-e-agora para viver o que não é, aquilo que não existe; ou existe somente nas nossas cabeças. Controlamos a tirania dos sentidos e suspendemos o imediatismo dos impulsos em prol de um futuro mais próspero.
Paul Valéry define o ser humano como o animal cuja principal morada está no passado e no futuro. Ele mira outro mundo, não observável e não concreto àquele momento, alguém que sente continuamente a necessidade daquilo que não existe.
O controle das pulsões é, de algum modo, civilizatório — e também fruto das neuroses freudianas, uma espécie de preço a se pagar pela adequação.
Há situações de exceção sobre a boa ponderação entre presente e futuro. Circunstâncias de intensa dor ou prazer tornam o momento absoluto, sacrificando o peso atribuído ao valor do futuro. O aqui-e-agora volta a reinar soberano. As pulsões dominam qualquer espaço para abstração da realidade objetiva e concreta diante de uma sensação extrema. O êxtase ou o machucado restauram o animal humano em sua versão mais primitiva. “Uma pequena ardência sentida nos impulsiona com mais força do que grandes prazeres prospectivos nos atraem ou cativam.”
Se você estiver faminto, não há taxa de juros ou compensação futura que o fará postergar a refeição. O instinto de sobrevivência avassalador falará mais alto do que qualquer preço da espera.
Este texto é uma pequena homenagem a “O Valor do Amanhã”. O retorno da volatilidade aos mercados me levou de volta ao livro. Em situações de extrema dor ou prazer, o ser humano calibra mal o presente e o futuro, dando peso excessivo ao primeiro. Em momentos de maior volatilidade, o investidor pode estar sob maior prejuízo (dor) ou lucro (prazer). A consequência é a perda da capacidade de abstração daquele retrato temporal específico, levando ao ímpeto da decisão por impulso.
Como forma de tangibilizar o lucro (prazer) e guardá-lo consigo, o investidor, na média, vende posições vencedoras antes da hora. Em contrapartida, para não enfrentar a dor (prejuízo), carrega as perdedoras por mais tempo do que deveria.
Ainda mais preocupante é o fato de que, sob situações de extrema dor (prejuízo), o investidor tende a arriscar-se ainda mais, numa tentativa, por vezes desesperada, de virar o jogo.
Com isso, aumentamos as chances de entrar numa espiral negativa, um ciclo vicioso em que prejuízos iniciais abrem espaço para novas decisões de investimento ruins, quando perdemos a capacidade de ponderar racionalmente sobre presente e futuro e cedemos às pressões das pulsões instintivas. Sob prejuízos intensos, passamos a agir como animais com muita dor, cujo objetivo é apenas livrar-se daquele sofrimento, sem qualquer outra capacidade imaginativa. A vossa excelência Volatilidade desperta no investidor os instintos mais deliciosamente primitivos. A capacidade de abstração do momento particular deve prevalecer a qualquer custo.
A primeira tarefa do investidor neófito em Bolsa é civilizar-se. Há várias possíveis interpretações para isso. Escolha a sua preferida.