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Muito pouco de quase nada

Na teoria, todos nós partimos do ativo livre de risco de uma economia como custo de oportunidade. Na visão de um investidor brasileiro, o CDI é a referência mais comum para essa taxa livre de risco

19 de junho de 2020
10:28 - atualizado às 10:30
Tela mercado juros
Imagem: Shutterstock

“Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais”
(Belchior)


Nas décadas de 1980 e 1990, uma linha de telefone fixo era um privilégio para poucos. Se não bastasse pagar o valor de um carro zero (em reais ou dólares, tanto fazia), ainda era necessário esperar alguns anos na fila pelo seu orelhão particular.

Hoje, posso contar em uma mão quem, entre os meus conhecidos, tem um aparelho fixo por vontade própria — e vamos combinar que essa linha que as operadoras de telefonia móvel te empurram no combo com a banda larga e com a TV a cabo não vale.

Para os meus pais, que viveram essa época, telefone fixo em um imóvel era bem de luxo, símbolo de status entre os vizinhos e valorizava a propriedade na hora da negociação.

No imaginário popular da geração anterior à minha de que comprar uma casa era uma necessidade básica, não era apenas o telefone fixo que tinha potencial de gerar valor. Na escolha do imóvel para o resto da vida, também se apreciava a proximidade com agências bancárias, supermercados, farmácias, escolas e hospitais.

Para cada elemento acima, os quarenteners de hoje podem, com razão, retrucar: home office, e-commerce, digitalização bancária, super apps de delivery e pagamento, educação à distância e telemedicina.

O fato é que eram todos “unknowns unknowns” à época, conceitos desconhecidos que seus pais ou avós nem sequer tinham consciência que não sabiam. Vida que segue, mas devemos seguir juntos.

Na linha desse debate entre o velho e o novo normal — expressão que é minha aposta pessoal para “palavra do ano” do Dicionário Oxford —, proponho uma mudança imediata em nossa linguagem de investimentos.

Vamos abandonar o percentual do CDI para medir a rentabilidade de seus fundos ou carteira de fundos e alterá-lo para CDI+ ou um “spread” sobre o CDI.

Listo abaixo três pontos que reforçam essa linha de raciocínio.

O primeiro é simplesmente numérico: caso, eventualmente, quem sabe, não exista um “lower bound” positivo para a nossa taxa de juros e o Banco Central a reduza até zero, como será medido o desempenho de dois investimentos indexados ao percentual do CDI?

Nessa hipótese, um CDB de bancão que pague 90% do CDI e um de banco médio que pague 120% do CDI teriam o mesmo retorno, o que seria um absurdo ilógico pensando em investimento.

Qualquer coisa multiplicada por zero continua valendo zero.

Mas e se a taxa Selic fosse negativa? Pior ainda. Um investimento que te remunera 90% do CDI teria um retorno “menos ruim” do que um que te paga 100%.

O fato é que simplesmente não há, hoje, metodologias de precificação no Brasil que contemplem esse primeiro ponto de taxa zero ou negativa.

O segundo ponto avança nos fundos multimercados. Assumindo que os gestores dessa classe têm liberdade para navegar em vários mercados, comprando e vendendo ações, títulos públicos e privados, moedas, ativos no exterior, commodities e uma gama de estruturas mais complexas, quantas dessas operações são de fato indexadas ao percentual do CDI?

Com exceção do caixa, pouquíssimas. Talvez alguns títulos públicos e privados, em proporções nem sempre relevantes.

Com juros estruturalmente baixos, é provável que eles se tornem cada vez mais parecidos com hedge funds americanos, que não se guiam por um índice de referência para gerar retorno ao investidor.

Mesmo assim, é comum o mercado comparar o fundo A que rendeu 150% do CDI nos últimos três anos com o fundo B que rendeu 130% do CDI nos últimos dez anos, premiando o fundo A.

E se, no período do fundo A, o CDI foi de 2% ao ano, enquanto foi de 10% ao ano para o fundo B?

Com essa nova informação, uma análise mais diligente inverteria a conclusão anterior e aplaudiria o fundo B, que teria ganho de 13% ao ano (CDI + 3%), enquanto o A teria tido um retorno de 3% ao ano (CDI + 1%).

Para os fundos multimercados, portanto, não só faz pouco sentido utilizarmos o percentual do CDI para avaliar o desempenho resultante de investimentos em diversas classes, mercados e regiões, como a comparação entre eles pode levar a conclusões equivocadas se os períodos de análise forem diferentes.

O último argumento, mais conceitual, focado nos fundos de crédito e exemplificado com a simplicidade característica de Howard Marks  nesta palestra realizada no ano passado para a CFA Society de Chicago (e publicada nesta semana) diz respeito aos prêmios de risco entre as classes de ativo.

Na teoria, todos nós partimos do ativo livre de risco de uma economia como custo de oportunidade. Na visão de um investidor brasileiro, o CDI é a referência mais comum para essa taxa livre de risco.

Daí, para cada novo risco que o investidor decidir correr, ele demanda uma expectativa de retorno maior. Em condições normais, ao emprestar dinheiro para o governo a uma taxa prefixada no curto prazo, por exemplo, ele espera ganhar um pouco mais do que o CDI. Se é para o longo prazo então, bem mais.

Já se o credor for uma instituição financeira, empresas ou pessoas físicas, o risco de calote é proporcionalmente maior assim como a remuneração esperada, sendo parte do trabalho do gestor fazer essa avaliação de risco.

É isso que ajuda a explicar o ajuste na indústria de fundos de crédito ocorrido no ano passado, quando a maioria dos fundos teve um desempenho abaixo do CDI no segundo semestre, ao mesmo tempo que seus investidores corriam para sacar seu dinheiro, criando uma bola de neve.

Imagine um gestor que carregava na carteira um título com remuneração de 120% do CDI quando os juros estavam em 6% ao ano, ou seja, equivalente a 7,2% em um ano (CDI + 1,2%). No momento em que o Banco Central reduz os juros para 4%, essa rentabilidade passa a valer 4,8% (ou CDI + 0,8%), por exemplo.

No exemplo acima, o prêmio pelo risco de crédito teria se comprimido de 1,2% para 0,8% sem que, a princípio, houvesse qualquer mudança direta e positiva na saúde financeira da empresa credora. Portanto, seria esperado um ajuste nesse título, que poderia passar a negociar a uma taxa maior, de 130% do CDI, por exemplo. Nesse momento do ajuste, a cota do fundo cai pela marcação a mercado do título.

Com isso, não faz mais sentido continuarmos avaliando o desempenho de fundos de crédito e de fundos multimercados com % do CDI, e sim em CDI + alguma coisa, o que também se alinha com o conceito de “alfa” gerado por um gestor.

Nos últimos dias, em conversa com representantes do mercado, já percebemos uma movimentação de fundos de crédito privado para convencer grandes bancos emissores de letras financeiras a alterar, no regulamento das letras emitidas, a taxa de remuneração de percentual do CDI para CDI +.

O movimento, portanto, já começou a ganhar forma.

Como os motivos que levavam a geração anterior à nossa a valorizar um imóvel podem parecer ultrapassados em breve, talvez também cheguemos ao momento de ter de explicar para os nossos filhos o que era esse tal de percentual do CDI.

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