E por falar em Ray Dalio…
Se há uma pluralidade muito grande de resultados possíveis a depender de como os formuladores de política econômica vão reagir, precisamos responder com mais diversificação, entre geografias e entre economias

Na semana passada, pude conversar com Wayne Dahl, chefe global de risco da Oaktree. Publiquei o papo no meu Instagram. Foi uma lição interessante sobre gerenciamento de risco e momento das economias mundiais. Se Wayne não lhe é conhecido, saiba que ele é o braço direito de Bruce Karsh, um dos fundadores da Oaktree, na gestão do Global Credit. E se ainda não bastar para estimular seu interesse, veja-o como um dos executivos mais próximos de Howard Marks, apelidado de “guru de Warren Buffett”. Eu sei, é meio cafona, mas é também um baita argumento de autoridade.
Duas coisas me chamaram a atenção na conversa. A primeira delas ligada ao considerado maior risco para os mercados no momento: o grande nível de dívida deixado pelas políticas expansionistas dos últimos anos, diante de um estágio bastante avançado do ciclo de crescimento norte-americano, o mais longevo de toda história. As políticas expansionistas geram um efeito positivo de curto prazo sobre as economias e os mercados, mas a dívida fica para o longo prazo. O quanto estamos sacrificando o futuro em troca de um pequeno prazer momentâneo, como se estivéssemos embriagados pelo álcool?
Em seu mais recente livro, Malcolm Gladwell relata os efeitos do álcool no organismo e rebate o argumento clássico de que “in vino veritas”, ou seja, de que a substância seria um catalisador para revelar a verdade. O álcool seria, sim, um amplificador da mensuração dos efeitos de curtíssimo prazo, em detrimento da apuração adequada das consequências de longo — ele pode, inclusive, aumentar seu grau de responsabilidade e rigidez, se os efeitos de curto prazo a isso estiveram interligados, contrariando a intuição e a versão arquetípica de maior relaxamento e irresponsabilidade. Bom, mas essa é apenas uma curiosidade. Voltemos à questão central.
O primeiro ponto leva ao segundo quase por construção lógica, sintetizado numa frase repetida frequentemente por Howard Marks como uma mantra na Oaktree: é preciso avançar, mas com cautela. Isso se reflete pragmaticamente na postura mais conservadora da Oaktree no momento. A gestora ainda mantém posições em ativos de risco, entendendo que devemos “continuar avançando”, mas com cautela, dado o estágio avançado do ciclo das economias desenvolvidas e o nível elevado de dívida deixado pelas políticas expansionistas dos últimos anos.
Tenho pensado bastante sobre a questão desde essa conversa. A verdade é que sempre procuro aprender algo em cada uma dessas interações — no mercado financeiro, no momento em que você achar que “chegou lá”, seja financeira ou intelectualmente, você morreu. É uma lei física. A gestão de recursos, próprios ou de terceiros, é uma constante travessia. Não existe chegar lá. As coisas mesmo vão sempre mudando, com antíteses se sobrepondo a teses, numa caminhada dialética tal como proposto por Heráclito. É impossível pular duas vezes no mesmo rio. A água corre sempre antes da gente.
A pergunta a ser respondida, para mim, é a seguinte: como reconciliar os estágios do ciclo aqui e lá fora? Em outras palavras, se, como eu, você estuda os ciclos (sejam eles das economias, dos mercados, de crédito, dos lucros corporativos ou psicológicos) e acredita que eles sejam determinantes para seus investimentos, possivelmente percebeu uma dicotomia clara entre, de um lado, o estágio avançado das economias e dos mercados globais; e, de outro, a fase inicial do ciclo da economia brasileira. Como essas duas coisas conversam entre si? Ou, o que deve predominar para os próximos meses e anos: o provável cansaço natural da senilidade do ciclo internacional ou o vigor da juventude do ciclo brasileiro?
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Não é uma questão fácil, claro. Se fosse, estaríamos multibilionários. Aliás, só há uma classe de pessoas que acha essas questões fáceis: os comentaristas e os jornalistas. Para eles, tudo é óbvio — depois que aconteceu, evidentemente. Eles mesmos não ganharam dinheiro explorando o evento, mas estão prontos para achar tudo óbvio depois. Como resumiu muito bem Bernardinho no nosso evento de fim de ano, “eu demorei dois anos para entender nossa derrota para a Rússia, mas os comentaristas entenderam tudinho em 15 minutos”.
Apesar das dificuldades, fui encontrar uma possível resposta em uma apresentação da Bridgewater de dezembro de 2019, batizada “Paradigm Shifts and Investment Implications”. Uma ressalva: não faço os comentários a seguir como um “defecador de sapiência”, o maravilhoso eufemismo de Contardo Calligaris para “cagador de regra”. Apenas apresento possíveis implicações, mais como provocações ao pensamento do que propriamente como antevisão de futuro, que, como sabemos, pertence aos charlatões. Repare na imagem abaixo:

Antes de pularmos às conclusões, alguns comentários. Há pressões seculares contribuindo para fraco crescimento e baixa inflação nos países desenvolvidos, entre as quais destacam-se a demografia e a tecnologia. As dívidas são enormes e os conflitos geopolíticos, bem como as tensões sociais, estão aumentando.
Isso, nas palavras da Bridgewater, requer um novo paradigma de política econômica. Qual deve ser a cara dessa mudança? Basicamente, é o que se tem chamado de “Fase 3 da Política Monetária”. A primeira etapa seria caracterizada pela redução das taxas de juro, induzindo aumento de consumo e investimento, sobretudo privados. A segunda foi aquela em que, depois de zerados os juros, entramos com o “quantitative easing”, ou seja, a impressão de moeda para injeção de liquidez no sistema. E a terceira seria justamente uma coordenação de ações de política monetária e fiscal simultâneas, com impressão de moeda para gasto público direto.
Volte à imagem acima e note como, a partir desse ponto, podemos ter resultados bem diferentes. Se a política fiscal for usada de maneira inteligente, podemos ter uma retomada do crescimento e a capacidade de evitar uma armadilha de liquidez. Caso contrário, podemos entrar numa espécie de “japonização mundial”, em que ficamos patinando com crescimento e inflação muito baixas, mesmo diante de política monetária bastante frouxa.
Da imagem acima, eu infiro duas coisas (cheguei a escrever “inferem-se duas coisas”, mas não seria preciso; não há aqui espaço para uma voz passiva, como se as inferências fossem derivações lógicas, sem a interferência do olhar do observador; troquei para a voz ativa e a primeira pessoa deliberadamente, para transmitir a exata visão de que essa se trata da minha interpretação sobre as coisas):
1 — Se há uma pluralidade muito grande de resultados possíveis a depender de como os formuladores de política econômica vão reagir, precisamos responder com mais diversificação, entre geografias e entre economias. Tenho insistido fortemente nessa proposição desde o fim do ano passado. Não poderia haver momento melhor para, em parceria com a Vitreo e a Itajubá, estarmos levando acesso ao All Weather Portfolio, da Bridgewater, do Ray Dalio.
2 — Talvez haja uma nuance importante no desenho acima. A linha para baixo, embora negativa, claro, não representa necessariamente uma ruptura. Não há choque abrupto para o campo negativo. Se for mesmo o caso, caminharíamos lentamente para um processo de “japonização”, de desaceleração gradativa do crescimento, em que as forças seculares de tecnologia e de perda do bônus demográfico trariam um cenário moroso e talvez adverso, mas sem explosão. Em sendo verdade, talvez o ciclo doméstico iniciante pudesse se sobrepor à senilidade do ciclo externo. Possivelmente, a metáfora de Luiz Alves Paes de Barros possa funcionar: a locomotiva brasileira, sempre entre os últimos vagões, atrasada no ciclo, conseguiria ainda subir a montanha-russa, enquanto os demais já estariam na fase do declínio.
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