Vale, Cisnes Negros, Tail Hedging e Ética
Adepto da transparência radical de Ray Dalio, não sei qual o caminho ideal a se seguir. Aliás, nem sei se existe um. Somente os “especialistas” em licenças ambientais e os críticos das “maquiavélicas grandes corporações” sabem de tudo…
Quando você pensa ter muito a dizer, é bastante provável que o silêncio fosse o melhor caminho. Hoje eu preferiria não escrever. Se preservo a rotina diária, não é por falta de sensibilidade, mas por manter o compromisso com os leitores e por acreditar na capacidade de separarem as coisas.
As palavras sobre finanças escondem certo constrangimento. Espero, talvez alimentado por uma esperança ingênua, que as pessoas possam entender que seguir o curso normal desta newsletter é meu dever de ofício. Tudo que está a seguir vem permeado de muito respeito e algum pesar. Aqui expresso meus verdadeiros sentimentos e total solidariedade às vítimas do acidente em Brumadinho.
Estou pessoalmente bastante tocado com o rompimento da barragem. E isso, conforme ficará claro a seguir, vai além de palavras vazias ou discursos politicamente corretos. “Put my money where my money is.” Ou, “walk the talk”. Escolha seu anglicismo favorito.
Há, porém, uma veia estritamente financista sob minha pele e, por meio dela, se orientam, em maior ou menor grau, quase 300 mil assinantes para tomarem suas decisões de investimentos. Eu não posso parar. Infelizmente, noblesse oblige.
O evento do dia
Com uma dose de vergonha e várias de tristeza, hei de escrever um texto sobre finanças ligado aos acontecimentos diários. E é inegável ser esse o evento mais relevante do dia para os mercados. Antes de prosseguir a essa questão estrita, vamos pela ordem. O mais importante primeiro.
Redijo este texto ainda com os mercados locais fechados. A julgar, contudo, pelo comportamento das ações da Vale no exterior na sexta-feira (25) e no pré-market de hoje, a sugestão de compra de puts renderá um bom lucro àqueles que a seguiram.
Adepto da transparência radical de Ray Dalio, não sei qual o caminho ideal a se seguir. Aliás, nem sei se existe um. Somente os “especialistas” em licenças ambientais e os críticos das “maquiavélicas grandes corporações” sabem de tudo. Esses estão prontos para apontar erros de terceiros (nunca os próprios!), tornam-se bacharéis em Direito Ambiental em 15 minutos e sabem exatamente quais medidas precisam ser adotadas agora. Escolheram os vilões (o governo e a malvada Vale) e o mocinho (eles mesmo, claro). Todos eles príncipes na vida.
Adepto da transparência radical de Ray Dalio, não sei qual o caminho ideal a se seguir. Aliás, nem sei se existe um. Somente os “especialistas” em licenças ambientais e os críticos das “maquiavélicas grandes corporações” sabem de tudo. Esses estão prontos para apontar erros de terceiros (nunca os próprios!), tornam-se bacharéis em Direito Ambiental em 15 minutos e sabem exatamente quais medidas precisam ser adotadas agora. Escolheram os vilões (o governo e a malvada Vale) e o mocinho (eles mesmo, claro). Todos eles príncipes na vida.
Faço aqui o convite – se me permite uma dose de ousadia, preferiria chamar de convocação – para que o leitor também se engaje na causa e doe o que puder. Falo com todos, mas especialmente com aqueles que obtiveram lucros com a operação de compra da put sobre as ações de Vale. Gostaria muito que pudéssemos devolver, ainda que uma pequena parte do rendimento, para a sociedade.
As finanças
O que vem depois do travessão na última frase nos traz ao segundo momento da conversa. Agora falo estritamente de finanças, considerando já termos superada as questões ética e cívica. Mais do que o fato isolado e os lucros da operação específica, estamos mais uma vez diante da constatação empírica da importância dos cisnes negros – vale para a vida e para a construção patrimonial. São os eventos considerados raros, de alto impacto e imprevisíveis a priori que definem o jogo.
Talvez os eventuais leitores mais críticos e rigorosos apontassem não se tratar mais de um cisne negro. Depois de Mariana, Brumadinho precisaria ser classificado como um cisne cinza, pois poderia ser mapeado e antecipado. Deixemos filigranas de taxonomia e ornitologia de lado.
O importante dessa história toda para fins de gestão de portfólio se liga à imperiosa necessidade de sempre termos bons seguros contra catástrofe em nossas carteiras. Por mais convicto que o investidor esteja numa determinada posição (nós mesmos tínhamos opinião positiva sobre o futuro mapeável da Vale), ele jamais poderá fazer uma aposta all-in naquilo. A diversificação e as posições contra as próprias convicções precisam estar em qualquer portfólio. Em algum momento, você vai estar errado ou será surpreendido por alguma coisa inesperada, exatamente como acaba de acontecer.
Guarde esse caso particular como o que deveria ser uma prática geral. As pessoas têm dificuldade em carregar seguros em suas carteiras, justamente porque, na maior parte do tempo, eles representam apenas um custo e aparentam não ter benefício – ora, evento raro é… raro! Ele não pode acontecer toda hora. Mas, quando acontece, você lembra da importância do seguro – depois do ocorrido, será tarde demais.
Mais uma vez estamos diante de um cisne negro. E mais uma vez as proteções montadas no portfólio se mostram pertinentes. Desconfie de quem não desconfia de si mesmo.
Esclarecimentos
Encerro hoje com uma série de esclarecimentos, falando ainda só como financista (por favor, tente entender a separação com o cidadão):
1 - Recebi uma bateria de comentários de que dei sorte em relação à indicação de put fora do dinheiro de Vale. É claro que dei sorte. Jamais imaginaria algo assim agora, menos de dez dias depois da sugestão. O que escapa às pessoas, porém, é que a estratégia foi montada para capturar a sorte. Essa é a essência do tail hedging. Não fui eu que inventei isso. Ninguém se protege de um evento específico, mas de qualquer evento que possa causar uma grande variação das ações. Exposição repetida e competente a retornos convexos. Essa é uma meta de vida, aquela que aumenta sua chance de ter sorte. O país tropical abençoado por Deus oferece uma revoada de cisnes negros. Os eventos raros acontecem em bases semanais por aqui.
2 - Também recebi uma enxurrada de críticas sobre a matéria de O Antagonista em que o site pede a cabeça de Fábio Schvartsman após a tragédia. Esclareço o que deveria ser óbvio: somos apenas sócios do site; não participamos de qualquer atividade executiva ou editorial. O Antagonista tem total liberdade editorial e independência para escrever o que quiser – da mesma forma, eu tenho a minha para redigir esta newsletter, sem qualquer interferência alheia. De minha parte, considero o CEO da Vale um dos melhores executivos do Brasil. Pude conhecê-lo pessoalmente e dou o testemunho pessoal de sua competência. Tenho a convicção de que ele também está destruído como pessoa e de que sua dor é sentida fortemente pela família.
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