Os amantes da gastronomia que já tentaram fazer reserva em um restaurante estrelado, de um chef famoso, sabem que podem esperar meses por uma data disponível. Pois o mesmo acontece com os fundos mais quentes do mercado, aqueles que são especialistas em descobrir empresas novatas (startups) com potencial de valorização astronômico.
Para conseguir um lugar nos fundos estrelados, a gestora brasileira Spectra Investimentos decidiu reservar uma mesa antes do mercado lotar: aplicou há cinco anos uma pequena parcela do capital nos fundos que começaram a captar recursos para investir em startups brasileiras.
Dessa safra saíram aportes em empresas que viraram unicórnios – avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão. Entre elas estão o banco digital Nubank, a plataforma de academias Gympass, o aplicativo de transporte 99 e a empresa de maquininhas de cartão e meios de pagamento Stone.
Agora que alguns dos fundos mais bem sucedidos reabriram para uma nova rodada de captação em busca de novos unicórnios, a demanda de investidores dispostos a aplicar foi muito maior do que a oferta, o que deixou a maioria de fora. Mas os cotistas mais antigos, como a Spectra, tiveram prioridade por um lugar.
Quem me contou a história foi Ricardo Kanitz, sócio-fundador da gestora. O investimento nos “caçadores” de unicórnios é apenas uma das estratégias da Spectra, que também acaba de captar um fundo que pode chegar a até R$ 850 milhões – o valor final ainda depende da confirmação da entrada de um último cotista.
Como a aposta inicial se mostrou correta, a Spectra agora vai alocar um percentual maior nesses fundos. A gestora já reservou lugar na mesa da Kaszek, conhecida por ser uma das primeiras a investir no Nubank, e na Monashees, conhecido pela descoberta do o aplicativo de transporte 99, um dos primeiros unicórnios brasileiros.
Para Kanitz, conseguir uma vaga entre os cotistas dos melhores fundos é fundamental para ganhar dinheiro com o investimento em startups. “O desempenho dos fundos em geral é ruim, mas o retorno obtido pelos melhores acaba deixando a média interessante”, disse.
Como costuma acontecer, a proliferação de startups que alcançam a avaliação de US$ 1 bilhão levou a uma corrida pelos novos unicórnios. Junto com as empresas, surgiram nos últimos anos uma série de fundos especializados no investimento em potenciais unicórnios.
“O mercado está efervescente e conseguiu se provar. Mas começo a ver um risco de bolha, o que torna ainda mais necessário estar com os bons gestores”, diz Kanitz.
Fundo de fundos
Esse é justamente o trabalho da Spectra, que opera como um "fundo de fundos", ou seja, capta recursos de investidores para selecionar e aplicar em outras carteiras. A gestora se especializou no mercado de fundos que compram participações em empresas com o objetivo de vendê-las com lucro no futuro – mais conhecidos como private equity e venture capital.
Trata-se de um investimento de altíssimo risco e praticamente sem liquidez – o prazo para a devolução do dinheiro aos cotistas pode levar até dez anos. Mas o retorno costuma compensar. Nos três fundos anteriores, a gestora obteve um retorno de 40% ao ano a seus investidores.
Por falar em falta de liquidez, uma das especialidades da Spectra é justamente comprar com desconto cotas de fundos de outros investidores que querem receber os recursos antes do prazo determinado. A gestora fechou recentemente a compra das cotas de sete fundos que pertenciam à Petros (fundo de pensão dos funcionários da Petrobras) por R$ 180 milhões, com desconto de 30% em relação ao valor original.
Além da seleção de fundos, a Spectra investe diretamente em participação em empresas em parceria com outras gestoras. Uma das tacadas certeiras foi o coinvestimento feito com a Starboard na Mineração Caraíba, que abriu o capital na bolsa canadense de Toronto e rendeu 4,5 vezes o capital aplicado.
No novo fundo, a gestora também vai abrir um pouco mais o leque para investir uma parte do patrimônio em "legal claims" – créditos de processos judiciais.
Jorrando dinheiro
Como você já deve ter percebido, a Spectra é uma gestora bem diferente das tradicionais. Mas as classes de investimentos alternativos como o de fundos que compram participações em empresas vêm ganhando cada vez mais atratividade.
"Com a queda da taxa de juros, os investidores começam a jorrar dinheiro na economia real brasileira", disse Kanitz.
A meta para o quarto fundo é entregar uma rentabilidade de pelo menos 25% ano mais a variação da inflação medida pelo IPCA. Ficou interessado? O problema é que o fundo da Spectra é voltado apenas para os chamados investidores profissionais, que possuem pelo menos R$ 10 milhões para aplicar.
O dinheiro do novo fundo foi captado de clientes milionários de bancos (private banking), gestores de recursos de famílias ricas (family offices), fundos de pensão e estrangeiros.
Kanitz não descarta a possibilidade de um dia oferecer os fundos da Spectra para um público mais amplo, nas prateleiras das plataformas de investimento.
Uma das dificuldades é que as regras atuais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) impedem a gestora de fazer uma oferta mais ampla do fundo nos moldes atuais. "Eu teria deixar o produto um pouco mais 'aguado' para enquadrar nas regras", disse.
O sócio da Spectra citou como exemplo a proibição de fundos voltados a um público mais amplo aplicarem mais de 20% dos recursos aplicados no exterior. "Isso me impediria de aplicar em bons gestores que investem em empresas brasileiras mas captam recursos em estruturas baseadas lá fora."