Carrefour largou atrás na corrida do supermercado online – e agora acelera para buscar a liderança
Depois de ficar de fora do e-commerce de alimentos por quatro anos, Carrefour coloca canal de vendas como prioridade em plano global. Rede investe para transformar lojas em pontos de retirada de compras na internet e se alia à startup Rappi para agilizar entregas

Um sonho recorrente de muitos neste mundo moderno é o teletransporte. Especialmente nas grandes capitais, ir de um lugar a outro em questão de segundos, sem enfrentar um trânsito desesperador e a estúpida perda de tempo dentro de um carro, ônibus ou trem, seria o suprassumo da conectividade.
Mas enquanto o mundo de ficção científica não se torna real, gigantes do varejo como o Carrefour querem fazer você se sentir, pelo menos, como o Aladdin com o gênio da lâmpada. Basta fazer um pedido e, quase imediatamente, o seu objeto de desejo chega até você.
No varejo de alimentos, esse “quase imediatamente” é algo como 37 minutos ou uma hora (neste último caso, uma hora agendada, das 9h às 10h da manhã, por exemplo). A meta da rede francesa no Brasil, porém, é diminuir cada vez mais o tempo para atender o “seu amo”.
Há uma boa razão para isso: o site de comércio eletrônico do Carrefour Brasil, que representava 5,6% do faturamento da divisão Varejo (sem gasolina) no primeiro trimestre de 2018, passou a responder por 11% das vendas no país nos primeiros três meses deste ano, ou R$ 440 milhões.
No Carrefour Brasil, quem faz as vezes de “gênio da lâmpada” é o aplicativo de delivery Rappi. A startup colombiana iniciou sua parceria com a varejista no final de janeiro para entrega de alimentos e, ao fim do primeiro trimestre, já atendia 13 cidades e 56 lojas (18 hipermercados, seis supermercados, sete lojas do formato Market e 25 lojas do formato Express). Não se trata de uma parceria exclusiva para vendas de alimentos online – o Rappi atende outros concorrentes em seu marketplace, como Mambo, Saint Marche, Santa Luzia, Giga Atacado, entre outros.
Mas o acordo já é suficiente para mostrar bons resultados: as vendas do Carrefour via Rappi representaram mais de um terço (35%) dos pedidos de vendas online de alimentos no primeiro trimestre. E o melhor: quase metade dos pedidos são de novos clientes, que não compravam no Carrefour. Um resultado que animou a varejista francesa a estender a parceria para o negócio das drogarias Carrefour, cujos itens passam agora a ser vendidos pelo Rappi.
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O Carrefour Varejo, onde é contabilizado o e-commerce, registrou vendas líquidas de R$ 4,22 bilhões no primeiro trimestre deste ano, uma queda de 0,5% sobre o mesmo período do ano anterior, enquanto as despesas com vendas cresceram 2,6%, para R$ 873 milhões. Teria sido uma queda maior se não fosse pelo e-commerce. Para aumentar as vendas da divisão, o Carrefour testa novos formatos também no mundo físico, como a parceria fechada recentemente com o Magazine Luiza na área de eletrodomésticos.
Orientação global
O e-commerce ainda pesa pouco no resultado do Carrefour. O principal responsável continua sendo o Atacadão: 67% das vendas líquidas consolidadas do grupo, que somaram R$ 12,8 bilhões no primeiro trimestre. Na opinião de Luiz Escobar, diretor do e-commerce do Carrefour Brasil, o comércio eletrônico de alimentos é a última fronteira do e-commerce.
“Praticamente todas as outras categorias já se desenvolveram, mas o varejo de alimentos está adormecido no Brasil.”
Todas as estratégias para exploração da venda online de alimentos fazem parte de um plano global do Carrefour, estruturado em duas frentes: realizar, até 2022, uma transição alimentar com foco em saudabilidade (os orgânicos e saudáveis não serão apenas um nicho na rede) e a transformação digital, que passa não só pelo e-commerce, mas por conhecer melhor o consumidor.
Nesse sentido, a rede fechou a compra, em dezembro de 2018 no Brasil, da e-Mídia, empresa do segmento de foodtech que controla os sites Cyber Cook, Vila Mulher eMais Equilíbrio. Se antes o Carrefour ia até a porta de casa, agora tem a chance de saber o que o cliente está fazendo com a comida e influenciar seus hábitos, oferecendo receitas e dizendo o que fazer com as sobras, por exemplo.
“Vamos ser líderes na venda de alimentos pela internet. Não seremos como os nossos maiores concorrentes, que estão fazendo isso há 20 anos e têm uma participação pequena no setor, estão lá para porque dá para estar”, afirma o engenheiro de produção, no Carrefour desde agosto de 2017. Egresso do Buscapé, com passagens por Multiplus e Americanas.com, Escobar já integrou o time da Cnova – do mesmo grupo do rival Pão de Açúcar, atual líder na venda de alimentos pela internet.
O Carrefour busca recuperar o tempo perdido. “O Carrefour tinha um gap importante, a saída do e-commerce alguns anos atrás”, diz o consultor Alberto Serrentino, da Varese Retail. A rede decidiu encerrar a operação de venda online em dezembro de 2012, e só voltou em julho de 2016. “Voltaram com força, primeiro no não-alimentar, e há um ano no alimentar. Estão com suporte estratégico da matriz e visão de longo prazo, o que é fundamental para essa agenda. Não dá para fazer esse aporte imaginando retornos imediatos”, afirma Serrentino.
Para o consultor, de fato, as empresas estão tateando na venda online de alimentos e há todo um mercado a explorar. “É o setor mais atrasado na agenda de transformação digital e na penetração de vendas online por várias razões: a última milha é muito crítica, o fato de ter produtos perecíveis torna o custo de entrega muito alto e o cliente normalmente não aceita pagar por isso”, afirma. “Além disso, o varejo alimentar tem alta cobertura, está próximo do consumidor”.
Logística complicada, conta salgada
O Carrefour Varejo, onde é contabilizado o e-commerce, vendeu menos e as despesas subiram 2,6%, para R$ 873 milhões. Um combo que costuma significar uma margem mais apertada.
A varejista não dá detalhes de quanto investiu no comércio eletrônico. Mas o mercado está atento aos efeitos desses aportes sobre a rentabilidade. “A administração do Carrefour observou que uma maior participação de e-commerce e de eletrodomésticos no mix de vendas continuou a prejudicar a rentabilidade [no primeiro trimestre de 2019], e é provável que isso persista no futuro”, informou o analista Thiago Macruz, do Itaú BBA, em relatório sobre os resultados da rede no período. A recomendação do banco é de compra das ações.
Segundo Luiz Escobar, a maior dificuldade da venda online de alimentos é a qualidade da entrega. “Não dá para misturar amaciante com bife”, diz o executivo. Outro desafio é a agilidade. Afinal, você pode esperar um livro, uma calça ou uma cafeteira para daqui uma semana, mas não os ingredientes do jantar. Nesse sentido, a parceria com o Rappi promete se intensificar e se expandir para mais regiões do país, tanto com o aplicativo quanto com outras startups.
“Para crescer em alimentos, estamos endereçando várias coisas que impedem este segmento de deslanchar no comércio online no país”, diz Escobar. A estratégia da varejista passa pela criação de lojas no modelo “drive-thru”: o cliente faz a compra pela internet até as 11h da manhã e busca os produtos no ponto de venda a partir das 18h. Atualmente, 13 lojas de São Paulo têm o serviço, que deve chegar a 50 até o fim do ano, oito delas fora da capital paulista.
Para quem prefere a entrega agendada, o prazo para receber o produto é uma espera de uma hora (pelo Rappi) ou duas horas (pelo site do Carrefour), a partir do dia seguinte. “Na concorrência, eles pedem quatro horas de espera, manhã, tarde ou noite. Ninguém tem tempo para isso”, diz Escobar, que defende a redução dos prazos.
O executivo também critica a concorrência que oferece produtos similares na falta do original pedido. “É como se eu quisesse comprar um iPhone, mas a loja me manda um Galaxy S10 porque o iPhone estava em falta”, diz ele. Para evitar essas trocas, o Carrefour precisa manter um “estoque dedicado”, com atualização em tempo real. “Se no momento que você fechar a compra no site não houver algum dos produtos escolhidos, você será avisado no mesmo instante, e irá decidir se quer ou não um similar”, afirma.
Três hipermercados da rede hoje têm uma “sidestore”, com estoque dedicado apenas ao e-commerce – as lojas da Marginal Tietê, Butantã e Anchieta, todas na capital paulista. Mas a meta é que, este ano, ao menos 15 hipermercados tenham este espaço e, no longo prazo, todos sejam equipados para abastecer o comércio eletrônico.
“Os hipermercados têm em média 8 mil metros quadrados. A área reservada ao e-commerce tem 1,2 mil metros, o que faz com que os produtos sejam separados para a venda eletrônica de uma maneira muito mais rápida”, afirma o executivo, que garante ainda exibir diferencial no preço. “Praticamos na venda online de alimentos o mesmo preço do hipermercado, só cobramos o frete”.
O avanço na área digital passa ainda pela criação de uma unidade própria em fevereiro deste ano, o Carrefour eBusiness Brasil. O comando da unidade está a cargo de Paula Cardoso, que era presidente do Banco Carrefour. Luiz Escobar se reporta a ela.
Pedras no caminho
Se fosse fazer os seus próprios pedidos ao gênio da lâmpada, o Carrefour de certo iria enumerar, além da entrega cada vez mais rápida, o reaquecimento da economia e uma trégua da concorrência no setor de alimentos online. O primeiro, realmente, tem grandes chances de ser atendido pelo Rappi e outras startups. Já os outros dois...
O Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre no Brasil caiu 0,2%, segundo o IBGE. A concorrência, por sua vez, está longe de ficar parada. O Pão de Açúcar, que até ano passado estava no marketplace do Rappi, desfez a parceria e partiu para a compra do aplicativo brasileiro James Delivery. A ideia é criar o próprio marketplace alimentar. Ao investidor, resta acompanhar atento a ginástica das varejistas para avançar no e-commerce de alimentos e torcer para o esforço valer a pena.
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