Felipe Miranda: A bifurcação de 2026
Há uma clara bifurcação em 2026, independentemente de quem for eleito. Se fizermos o ajuste fiscal, então será o cenário bom. E se não fizermos o ajuste nos gastos, o Brasil quebra

Depois de meses em que a guerra comercial guiou o comportamento dos mercados, a questão fiscal volta a assumir protagonismo.
A Moody’s rebaixou a nota de crédito nos EUA, mencionando a trajetória da dívida pública norte-americana e sua política fiscal. Se existe algo surpreendente sobre o assunto, há de ser a importância ainda conferida à decisão.
O escárnio da personagem de Steve Carell no filme “A Grande Aposta” em conversa com a diretoria de uma dessas agências de classificação de risco parece uma reação mais apropriada.
Desde a crise de 2008, a credibilidade das agências de rating não é a mesma. Ali ficou claro como as notas de crédito eram dadas com a ética dos fariseus.
- E MAIS: Com Selic a 14,75% ao ano, ‘é provável que tenhamos alcançado o fim do ciclo de alta dos juros’, defende analista – a era das vacas gordas na renda fixa vai acabar?
Nem precisávamos da evidência empírica para antever os abusos no processo. Os problemas de agência permeiam a essência da relação. Se eu contrato e pago você para me dar uma nota, qual a probabilidade de receber uma avaliação criteriosa, rigorosa e honesta? Há 200 anos, Chris Andersen nos lembrava que o rei severo e vaidoso preferia não saber que estava nu.
Além de sofrerem com o conflito de interesses, as agências, há muito, deixaram de ser líderes e de indicar tendências para ocupar o papel de seguidoras. Conforme os mercados ganharam eficiência e os modelos de risco se sofisticaram, os “downgrades" feitos pelos investidores passaram a acontecer muito antes daqueles das agências de rating.
Leia Também
O salvador da pátria para a Raízen, e o que esperar dos mercados hoje
Felipe Miranda: Um conto de duas cidades
O buy side é costumeiramente mais rápido do que o sell side. Enquanto o primeiro quer ganhar dinheiro e, portanto, precisa da maior agilidade possível, o segundo deve percorrer certa liturgia, cumprindo a ritualística atualização de modelos, conversas com formuladores de política econômica (no caso de dívida soberana) ou com o management das empresas. Assim, quando uma mudança formal do rating chega às manchetes, o mercado já trocou sua avaliação para o respectivo ativo ou classe há certo tempo.
Neste caso em particular, o argumento é especialmente válido. Não só o mercado debate com profundidade a dificuldade fiscal norte-americana há anos, como as outras grandes agências de classificação de risco (a S&P em 2011 e Fitch em 2023) já tinham rebaixado a nota soberana dos EUA. A Moody’s estava defasada em relação às demais e apenas convergiu agora.
Portanto, não há aqui nenhuma novidade objetiva, de tal modo que não esperaria movimentações duradouras dos mercados a partir da decisão. Isso não significa que não possa gerar um ruído de curto prazo e, em particular, impulsionar adicionalmente o yield (juros de mercado) dos Treasuries, como ocorre nesta segunda-feira.
Há um mérito na movimentação da Moody’s: ela nos lembra que, a despeito da maior disposição a risco dos últimos dias, com a Nasdaq voltando ao bull market (alta superior a 20% desde o piso), existem problemas mais estruturais não resolvidos. Mesmo que a guerra comercial tenha abrandado, a incerteza envolvendo o Trumpnomics ainda é enorme.
E por maior que seja nossa dificuldade em acompanhar vários problemas ao mesmo tempo, todo o barulho envolvendo as tarifas apenas desviou a narrativa e nosso psiquismo de problemas mais estruturais sobre os dois protagonistas da Segunda Guerra Fria. A questão fiscal é uma bomba relógio nos EUA e a China passa por um processo de japanização. Nada disso mudou.
Se, por um lado, a decisão da Moody’s não muda os fundamentos estritos, tampouco deveria alterar a tendência dos mercados, por outro ela representa um pequeno tijolo adicional em prol do questionamento do excepcionalismo norte-americano.
A bifurcação está posta
Voltamos ao trade do “Sell America”, em que investidores reduzem sua exposição ao dólar, depois de 15 anos na direção contrária. Estamos apenas observando uma pequena reversão de uma tendência secular e de trilhões de compras em excesso da moeda norte-americana.
Não à toa, o otimismo em prol de mercados emergentes, com sua histórica correlação negativa com o dólar, é crescente. Na semana passada, o Bank of America Merrill Lynch escreveu que nenhuma outra classe de ativos superaria os emergentes agora. Hoje, acordamos com o upgrade do JP Morgan para essas jurisdições. A América Latina, e o Brasil em particular, aparece como uma das favoritas nesse ambiente.
Por aqui, a questão fiscal também ganha importância nesta semana, diante da expectativa sobre os valores a serem contingenciados e bloqueados no relatório bimestral de receita e despesa pública. Algo muito diferente de pelo menos R$ 10 bilhões ao todo poderia gerar algum ruído. A questão mais relevante, porém, está mais à frente.
- VEJA MAIS: Faltam menos de 15 dias para o fim do prazo da declaração; confira o passo a passo para acertar as contas com o Leão
Já está claro a esta altura, até mesmo para o próprio governo, como, se nada mudar, temos contratada uma crise fiscal em 2027. Pelas regras do arcabouço fiscal, como as despesas obrigatórias crescem muito rápido e há uma trava para a despesa total, isso obriga os dispêndios discricionários a irem para o negativo, o que, claro, é uma impossibilidade aritmética.
Ou ajustamos as contas públicas até lá, ou teremos paralisação dos serviços públicos essenciais e o investimento público vindo abaixo dos mínimos constitucionais.
Esse, inclusive, é um argumento dos pessimistas sobre o mercado acionário local. Penso o contrário. Há uma clara bifurcação em 2026, independentemente de quem for eleito. Se fizermos o ajuste fiscal, então será o cenário bom. E esse prescinde de explicações. Quem ganha… ganha. Um cenário em prol da compra de ações.
E se não fizermos o ajuste nos gastos, o Brasil quebra. A inflação fará o ajuste, forçadamente. Num ambiente altamente inflacionário, seria preferível ter ações (ativos reais) do que renda fixa. Veja o que aconteceu na Turquia ou na Argentina, cujas desvalorizações expressivas da moeda, com inflação muito alta, trouxeram uma performance superior das ações frente à renda fixa local.
- LEIA TAMBÉM: Quer saber mais sobre viagens, gastronomia, moda e estilo? Cadastre-se para receber a newsletter gratuita do Lifestyle do Seu Dinheiro
O ajuste virá por bem ou por mal. Em nenhum deles, a ideia do paraíso do CDI será uma promessa de vida eterna.
O fato de o CDI ter funcionado muito bem nos últimos anos não permite qualquer afirmação sobre o futuro. Os agentes econômicos brasileiros estão sob o problema da indução de David Hume: porque o último ciclo de ativos de risco foi ruim por aqui, seria um prenúncio de que o próximo também será.
Não é verdade logicamente. Talvez seja até o contrário: porque o último ciclo foi muito ruim (e as coisas ficaram baratas), o próximo pode ser bom.
Hoje é o primeiro dia de Lua Minguante. Se tivéssemos olhado ontem para projetar a noite de hoje, falaríamos que ela estaria cheia. As coisas na natureza passam por fases. Os ciclos de mercado são apenas um caso particular dessa história.
Rodolfo Amstalden: Só um momento, por favor
Qualquer aposta que fizermos na direção de um trade eleitoral deverá ser permeada e contida pela indefinição em relação ao futuro
Cada um tem seu momento: Ibovespa tenta manter o bom momento em dia de pacote de Lula contra o tarifaço
Expectativa de corte de juros nos Estados Unidos mantém aberto o apetite por risco nos mercados financeiros internacionais
De olho nos preços: Ibovespa aguarda dados de inflação nos Brasil e nos EUA com impasse comercial como pano de fundo
Projeções indicam que IPCA de julho deve acelerar em relação a junho e perder força no acumulado em 12 meses
As projeções para a inflação caem há 11 semanas; o que ainda segura o Banco Central de cortar juros?
Dados de inflação no Brasil e nos EUA podem redefinir apostas em cortes de juros, caso o impacto tarifário seja limitado e os preços continuem cedendo
Felipe Miranda: Parada súbita ou razões para uma Selic bem mais baixa à frente
Uma Selic abaixo de 12% ainda seria bastante alta, mas já muito diferente dos níveis atuais. Estamos amortecidos, anestesiados pelas doses homeopáticas de sofrimento e pelo barulho da polarização política, intensificada com o tarifaço
Ninguém segura: Ibovespa tenta manter bom momento em semana de balanços e dados de inflação, mas tarifaço segue no radar
Enquanto Brasil trabalha em plano de contingência para o tarifaço, trégua entre EUA e China se aproxima do fim
O que Donald Trump e o tarifaço nos ensinam sobre negociação com pessoas difíceis?
Somos todos negociadores. Você negocia com seu filho, com seu chefe, com o vendedor ambulante. A diferença é que alguns negociam sem preparo, enquanto outros usam estratégias.
Efeito Trumpoleta: Ibovespa repercute balanços em dia de agenda fraca; resultado da Petrobras (PETR4) é destaque
Investidores reagem a balanços enquanto monitoram possível reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin
Ainda dá tempo de investir na Eletrobras (ELET3)? A resposta é sim — mas não demore muito
Pelo histórico mais curto (como empresa privada) e um dividendo até pouco tempo escasso, a Eletrobras ainda negocia com um múltiplo de cinco vezes, mas o potencial de crescimento é significativo
De olho no fluxo: Ibovespa reage a balanços em dia de alívio momentâneo com a guerra comercial e expectativa com Petrobras
Ibovespa vem de três altas seguidas; decisão brasileira de não retaliar os EUA desfaz parte da tensão no mercado
Rodolfo Amstalden: Como lucrar com o pegapacapá entre Hume e Descartes?
A ocasião faz o ladrão, e também faz o filósofo. Há momentos convidativos para adotarmos uma ou outra visão de mundo e de mercado.
Complicar para depois descomplicar: Ibovespa repercute balanços e início do tarifaço enquanto monitora Brasília
Ibovespa vem de duas leves altas consecutivas; balança comercial de julho é destaque entre indicadores
Anjos e demônios na bolsa: Ibovespa reage a balanços, ata do Copom e possível impacto de prisão de Bolsonaro sobre tarifaço de Trump
Investidores estão em compasso de espera quanto à reação da Trump à prisão domiciliar de Bolsonaro
O Brasil entre o impulso de confrontar e a necessidade de negociar com Trump
Guerra comercial com os EUA se mistura com cenário pré-eleitoral no Brasil e não deixa espaço para o tédio até a disputa pelo Planalto no ano que vem
Felipe Miranda: Em busca do heroísmo genuíno
O “Império da Lei” e do respeito à regra, tão caro aos EUA e tão atrelado a eles desde Tocqueville e sua “Democracia na América”, vai dando lugar à necessidade de laços pessoais e lealdade individual, no que, inclusive, aproxima-os de uma caracterização tipicamente brasileira
No pain, no gain: Ibovespa e outras bolsas buscam recompensa depois do sacrifício do último pregão
Ibovespa tenta acompanhar bolsas internacionais às vésperas da entra em vigor do tarifaço de Trump contra o Brasil
Gen Z stare e o silêncio que diz (muito) mais do que parece
Fomos treinados a reconhecer atenção por gestos claros: acenos, olho no olho, perguntas bem colocadas. Essa era a gramática da interação no trabalho. Mas e se os GenZs estiverem escrevendo com outra sintaxe?
Sem trégua: Tarifaço de Trump desata maré vermelha nos mercados internacionais; Ibovespa também repercute Vale
Donald Trump assinou na noite de ontem decreto com novas tarifas para mais de 90 países que fazem comércio com os EUA; sobretaxa de 50% ao Brasil ficou para a semana que vem
A ação que caiu com as tarifas de Trump mas, diferente de Embraer (EMBR3), ainda não voltou — e segue barata
Essas ações ainda estão bem abaixo dos níveis de 8 de julho, véspera do anúncio da taxação ao Brasil — o que para mim é uma oportunidade, já que negociam por apenas 4 vezes o Ebitda
O amarelo, o laranja e o café: Ibovespa reage a tarifaço aguado e à temporada de balanços enquanto aguarda Vale
Rescaldo da guerra comercial e da Super Quarta competem com repercussão de balanços no Brasil e nos EUA