Felipe Miranda: O ouro é o novo bitcoin?
Voltamos à velha ideia de que o “safe haven” disponível é mesmo o ouro, em especial para eventos geopolíticos

É aquela história: "se parece com um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então provavelmente é um pato.” O (mais do que) historiador Niall Ferguson tem usado a antiga anedota para traçar um paralelo da situação atual vivida entre EUA e China com a clássica Guerra Fria.
Tal como naquele momento, há uma disputa ideológica clara entre a visão das democracias liberais (Império da Lei, respeito aos contratos, representatividade, discurso em favor dos direitos humanos etc) e a tradição marxista-leninista, menos individualista e mais coletivista.
Existe também um embate tecnológico, sobretudo na questão do 5G, nos chips, na inteligência artificial e nos mísseis hipersônicos, a exemplo do que fora, lá atrás, a corrida espacial.
Obviamente, também identificamos elementos econômicos stricto sensu na disputa, tendo dois pontos mais sobressalentes:
- a projeção do iuan como eventual alternativa à reserva internacional e sua total conversibilidade; e
- a ideia de “os semicondutores são o novo petróleo”.
Por fim, chegamos à geopolítica, sendo o debate sobre uma possível invasão de Taiwan pela China o ponto nevrálgico. Se a investida da Rússia contra a Ucrânia encontraria paralelos com a Guerra da Coreia, Taiwan teria analogia no Vietnã, podendo ensejar algo semelhante a uma nova crise dos mísseis.
Não queremos imaginar quais seriam as consequências de uma guerra quente entre EUA e China. Aliás, nem precisamos, porque provavelmente não estaríamos mais aqui para prescrever recomendações de investimento. Mas há algo fundamental já acontecendo diante desse novo arranjo geopolítico.
Leia Também
- Leia também: Felipe Miranda: Bizarre love triangle
Uma alternativa ao dólar
Como não tem mais bobo no futebol, a China observa o que foi feito com a Rússia. No momento em que aquelas reservas em dólar foram congeladas, se você está em conflito, ainda que tácito com os EUA e representa seu principal antagonista, parece racional não manter suas reservas em Treasuries. Se o dólar pode ser uma arma geopolítica, precisamos de uma alternativa…
Assim, perde-se um comprador marginal importante. E isso acontece num momento de enxugamento da liquidez global, com o Fed precisando enxugar seu balanço e Janet Yellen tendo de realizar leilões sucessivos e gigantescos de títulos de dívida nos EUA.
Aí acontece o mecanismo elementar de funcionamento do sistema de preços. Se há uma oferta grande e a demanda fraqueja, o preço cai — e as taxas de juro de mercado sobem!
Some-se a isso o afastamento da ideia de recessão nos EUA em 2023 — o Fed de Atlanta, inclusive, projeta um crescimento trimestral anualizado superior a 5%! Isso é uma enormidade para quem falava em retração neste ano há poucos meses…
Considere ainda que o Japão está flexibilizando o gerenciamento de sua curva de juros, permitindo maior elevação dos juros de longo prazo — ou seja, eles passam a competir também com o fluxo de capital internacional, dada, na margem, a maior atratividade prospectiva dos títulos japoneses.
E, por fim, lembre-se da falta de controle de gastos e da trajetória ascendente da dívida pública nos países desenvolvidos — todos eles também precisam de um novo arcabouço fiscal para chamar de seu.
A ideia encontra na recente deterioração da perspectiva do rating soberano norte-americano seu simbolismo mais concreto. Como escrevi à época da preocupação com o “debt ceiling”, a discussão não deveria estar centrada na votação parlamentar sobre o aumento ou não do teto da dívida dos EUA no curto prazo, mas, sim, como se faria mais estruturalmente para tornar a relação dívida sobre PIB convergente.
Caso contrário, o que tivemos recentemente no Reino Unido, cuja dinâmica passou a ser mais parecida com aquela de mercados emergentes, poderia atingir todos os demais países desenvolvidos.
Esse é o pano de fundo por trás da elevação dos yields (taxas de juro de mercado) dos títulos de dívida no mês de agosto, com consequências generalizadas para fluxo de capital internacional e apreçamento dos ativos de risco — tudo começa com a taxa dos títulos norte-americanos, considerada livre de risco.
Se ela sobe, todos os demais retornos esperados precisam subir também, trazendo os preços correntes para baixo.
A DINHEIRISTA — Pensão alimentícia: valor estabelecido é injusto! O que preciso para provar isso na justiça?
Ouro x bitcoin
A dinâmica atual representa uma força estrutural bem diferente daquela observada no começo dos anos 2000, batizada por Ben Bernanke de “Global Savings Glut”, uma espécie de excesso de poupança global, que empurrava as taxas de juro para baixo.
Na minha interpretação, era a versão de Economia Internacional à tese da estagnação secular de Alvin Hansen, recuperada por Larry Summers para os novos tempos. A China exportava muito, pegava esses dólares e comprava Treasuries loucamente, empurrando as taxas de juro para baixo.
O novo equilíbrio requer taxas de juro mais altas e, ainda que o dólar não deva perder seu posto de principal reserva de valor global, há uma tendência de redução de sua participação relativa. O problema é que faltam alternativas viáveis.
Se a origem do problema guarda relação geopolítica, a China também não poderia contar com suas reservas em euro — no final do dia, vai acabar na Otan. O Japão também não é necessariamente um amigo histórico confiável da China.
O bitcoin, por sua vez, depois de se comportar como um “digital gold” no começo do ano, recuperou nesta crise de agosto seu desempenho mais semelhante a um ativo de risco. Voltamos à velha ideia de que o “safe haven” disponível é mesmo o ouro, em especial para eventos geopolíticos.
Entramos numa dinâmica perversa em que os países adotam uma política fiscal muito frouxa, empurrando o problema para frente e se associando a populismos baratos. Isso num momento em que não há mais os mesmos compradores de antes para esses títulos de dívida que financiarão os gastos públicos.
Podemos até ignorar o problema e jogar a poeira para debaixo do tapete. Cedo ou tarde, porém, não haverá como escapar da aritmética elementar das contas públicas.
A matemática impõe algumas das soluções: brutal elevação de impostos, redução abrupta dos gastos públicos, mais inflação, calote ou um grande confisco. Lá na frente, incorremos todos num grande Plano Collor global? Enquanto pensamos na resposta, estou indo ali comprar a minha barra de ouro.
Um longo caminho: Ibovespa monitora cessar-fogo enquanto investidores repercutem ata do Copom e testemunho de Powell
Trégua anunciada por Donald Trump impulsiona ativos de risco nos mercados internacionais e pode ajudar o Ibovespa
Um frágil cessar-fogo antes do tiro no pé que o Irã não vai querer dar
Cessar-fogo em guerra contra o Irã traz alívio, mas não resolve impasse estrutural. Trégua será duradoura ou apenas mais uma pausa antes do próximo ato?
Felipe Miranda: Precisamos (re)conversar sobre Méliuz (CASH3)
Depois de ter queimado a largada quase literalmente, Méliuz pode vir a ser uma opção, sobretudo àqueles interessados em uma alternativa para se expor a criptomoedas
Nem todo mundo em pânico: Ibovespa busca recuperação em meio a reação morna dos investidores a ataque dos EUA ao Irã
Por ordem de Trump, EUA bombardearam instalações nucleares do Irã na passagem do sábado para o domingo
É tempo de festa junina para os FIIs
Alguns elementos clássicos das festas juninas se encaixam perfeitamente na dinâmica dos FIIs, com paralelos divertidos (e úteis) entre as brincadeiras e a realidade do mercado
Tambores da guerra: Ibovespa volta do feriado repercutindo alta dos juros e temores de que Trump ordene ataques ao Irã
Enquanto Trump avalia a possibilidade de envolver diretamente os EUA na guerra, investidores reagem à alta da taxa de juros a 15% ao ano no Brasil
Conflito entre Israel e Irã abre oportunidade para mais dividendos da Petrobras (PETR4) — e ainda dá tempo de pegar carona nos ganhos
É claro que a alta do petróleo é positiva para a Petrobras, afinal isso implica em aumento das receitas. Mas há um outro detalhe ainda mais importante nesse movimento recente.
Não foi por falta de aviso: Copom encontra um sótão para subir os juros, mas repercussão no Ibovespa fica para amanhã
Investidores terão um dia inteiro para digerir as decisões de juros da Super Quarta devido a feriados que mantêm as bolsas fechadas no Brasil e nos Estados Unidos
Rodolfo Amstalden: São tudo pequenas coisas de 25 bps, e tudo deve passar
Vimos um build up da Selic terminal para 15,00%, de modo que a aposta em manutenção na reunião de hoje virou zebra (!). E aí, qual é a Selic de equilíbrio para o contexto atual? E qual deveria ser?
Olhando para cima: Ibovespa busca recuperação, mas Trump e Super Quarta limitam o fôlego
Enquanto Copom e Fed preparam nova decisão de juros, Trump cogita envolver os EUA diretamente na guerra
Do alçapão ao sótão: Ibovespa repercute andamento da guerra aérea entre Israel e Irã e disputa sobre o IOF
Um dia depois de subir 1,49%, Ibovespa se prepara para queimar a gordura depois de Trump abandonar antecipadamente o G-7
Acima do teto tem um sótão? Copom chega para mais uma Super Quarta mirando fim do ciclo de alta dos juros
Maioria dos participantes do mercado financeiro espera uma alta residual da taxa de juros pelo Copom na quarta-feira, mas início de cortes pode vir antes do que se imagina
Felipe Miranda: O fim do Dollar Smile?
Agora o ouro, e não mais o dólar ou os Treasuries, representa o ativo livre de risco no imaginário das pessoas
17 X 0 na bolsa brasileira e o que esperar dos mercados hoje, com disputa entre Israel e Irã no radar
Desdobramentos do conflito que começou na sexta-feira (13) segue ditando o humor dos mercados, em semana de Super Quarta
Sexta-feira, 13: Israel ataca Irã e, no Brasil, mercado digere o pacote do governo federal
Mercados globais operam em queda, com ouro e petróleo em alta com aumento da aversão ao risco
Labubu x Vale (VALE3): quem sai de moda primeiro?
Se fosse para colocar o meu suado dinheirinho na fabricante do Labubu ou na mineradora, escolho aquela cujas ações, no longo prazo, acompanham o fundamento da empresa
Novo pacote, velhos vícios: arrecadar, arrecadar, arrecadar
O episódio do IOF não é a raiz do problema, mas apenas mais uma manifestação dos sintomas de uma doença crônica
Bradesco acerta na hora de virar o disco, governo insiste no aumento de impostos e o que mais embala o ritmo dos mercados hoje
Investidores avaliam as medidas econômicas publicadas pelo governo na noite de quarta e aguardam detalhes do acordo entre EUA e China
Rodolfo Amstalden: Mais uma anomalia para chamar de sua
Eu sou um stock picker por natureza, mas nem precisaremos mergulhar tanto assim no intrínseco da Bolsa para encontrar oportunidade; basta apenas escapar de tudo o que é irritantemente óbvio
Construtoras avançam com nova faixa do Minha Casa, e guerra comercial entre China e EUA esfria
Seu Dinheiro entrevistou o CEO da Direcional (DIRR3), que falou sobre os planos da empresa; e mercados globais aguardam detalhes do acordo entre as duas maiores potências