Como num filme de Hitchcock, Roberto Campos Neto se encontra numa trama cada vez mais complexa. O presidente do Banco Central (BC) se vê ao redor de um ambiente confuso, em que cada esquina parece trazer um perigo misterioso. E, nessa trama cheia de suspense, o Comitê de Política Monetária (Copom) optou por elevar a Selic em 1 ponto percentual, levando a taxa básica de juros da economia a 11,75% ao ano.
Essa foi a nona alta consecutiva na Selic, que estava em 2% no começo de 2021. A nova elevação, oficializada hoje — e decidida de maneira unânime pelos membros do BC, apesar do atraso de quase 50 minutos em relação ao prazo original —, recoloca os juros nos maiores patamares desde fevereiro de 2017, quando estavam em 12,25%.
E, apesar do alívio no ritmo de altas — o Copom subiu os juros em 1,5 ponto percentual nas últimas três reuniões —, isso não quer dizer que o fim do ciclo de aperto monetário esteja próximo. A autoridade monetária reconheceu que os riscos externos aumentaram, jogando por terra o plano que tinha sido traçado em janeiro.
Com as pressões inflacionárias ainda persistentes e uma nova camada de incertezas externas por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia, com saltos expressivos no valor dos combustíveis e uma expectativa de impactos nos preços dos alimentos no curto prazo, o Copom dá a entender que novas altas virão nas próximas reuniões.
"O Copom considera que, diante de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista", disse a autoridade monetária, no comunicado da decisão desta quarta-feira.
E o que seria esse "território ainda mais contracionista"? Bem, por ora, o BC já deixou claro: para a próxima reunião, em maio, uma nova elevação de 1 ponto deve ser concretizada, jogando a Selic ao nível de 12,75% ao ano.
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Copom e Selic em: Intriga Internacional
Logo de cara, o Copom já deixa claro que a situação mudou drasticamente nos últimos meses: nas palavras do próprio comitê, o cenário externo "se deteriorou substancialmente". A afirmação faz referência, é claro, à guerra entre Rússia e Ucrânia e às inúmeras incertezas que o conflito trouxe à economia mundial.
Desde o início do confronto armado no leste europeu, o petróleo disparou às máximas em uma década e as cotações dos fertilizantes e das commodities agrícolas tiveram fortes altas, dada a incerteza quanto ao que pode acontecer na região. Isso, naturalmente, gera toda uma camada de incerteza e mistério.
O choque de oferta decorrente do conflito tem o potencial de exacerbar as pressões inflacionárias que já vinham se acumulando tanto em economias emergentes quanto avançadas
Comunicado do Copom desta quarta-feira (16)
A maior preocupação do Copom em relação à guerra diz respeito aos preços dos combustíveis: na semana passada, a Petrobras promoveu um reajuste de quase 20% na gasolina para manter a paridade com as cotações internacionais. A decisão, obviamente, não foi bem recebida pela sociedade.
E como o BC enxerga esse movimento — e os impactos dessa 'intriga internacional' na inflação? Segundo o comunicado, essa nova realidade das commodities deve gerar efeitos defasados à dinâmica da economia nacional. E, levando essa hipótese em conta, a autoridade monetária diz que o atual ciclo de alta nos juros é suficiente para a convergência da inflação no horizonte relevante.
"O Copom avalia que o momento exige serenidade para avaliação da extensão e duração dos atuais choques", diz o comunicado. "Caso esses se provem mais persistentes ou maiores que o antecipado, o Comitê estará pronto para ajustar o tamanho do ciclo de aperto monetário.
BC e a janela indiscreta dos juros
Quem observa os movimentos do BC brasileiro de fora, pode achar que há algo de suspeito no ar: enquanto o Fed e os bancos centrais dos países desenvolvidos ainda mostram certa hesitação em subir juros, o Copom tem atuado firmemente desde o ano passado — e, ao que tudo indica, o ciclo ainda vai demorar a se encerrar.
O último boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (16), projeta que a Selic terminará o ano num patamar de 12,75%; portanto, seguindo as diretrizes dadas hoje pelo Copom, teríamos apenas a elevação de juros já contratada para maio. Mas o próprio BC admite que há riscos de que esse plano não corra exatamente desta maneira.
No que diz respeito ao cenário doméstico, o Copom pondera, de um lado, que os dados do PIB do quarto trimestre de 2021 surpreenderam positivamente. Mas, por outro, a autoridade monetária diz que a inflação tem surpreendido negativamente — e, em tese, o controle da inflação é o que realmente importa ao BC.
Dito isso, ambas as hipóteses que o Copom adota em suas projeções colocam a inflação para 2022 acima do teto da meta, de 5%. No cenário de referência, que tem como base as premissas do Focus, o IPCA deste ano ficará em 7,1%, desacelerando para 3,4% em 2023.
No cenário 'alternativo', com o barril do petróleo fechando o ano em US$ 100, o Copom acredita que a inflação acumulada ao longo de 2022 ficará em 6,3%, passando a 3,1% no ano seguinte.
Psicose fiscal
Mais uma vez, o Copom fez questão de mandar um recado ao governo e ao Congresso, frisando que o respeito às metas fiscais do país são fundamentais para manter ancoradas as expectativas de inflação.
É verdade que uma possível reversão parcial do aumento de preços das commodities poderá trazer alívio à trajetória de inflação. Mas, independente disso, a questão fiscal segue sendo acompanhada de perto pelo BC, com um eventual aumento no prêmio de risco do país por causa do descontrole nos gastos do governo sendo apontado como fator negativo.
"Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal mantém elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, mas considera que esse risco está sendo parcialmente incorporado nas expectativas de inflação e preços de ativos utilizados em seus modelos", diz o Copom. "O Comitê segue considerando uma assimetria altista no balanço de riscos".