DeFi: os criptoativos que podem aposentar o mercado financeiro como o conhecemos — e que subiram mais que o bitcoin
Com ganhos exorbitantes no último ano, os protocolos DeFis prometem serviços financeiros tradicionais sem que o usuário precise de um banco ou de uma corretora para isso. No entanto, o crescimento acelerado ganha ares de bolha. Será mesmo?

Vira e mexe me vejo na situação contrária da que estou habituada. Como jornalista trabalhando com o mercado financeiro, às vezes sou colocada no lugar de entrevistada, metralhada com uma infinidade de perguntas de amigos, conhecidos, motoristas de Uber e, dia desses, até do meu terapeuta.
As perguntas seguem sempre mais ou menos a mesma linha. É hora de comprar dólar? A ação X é uma boa? E essas tais criptomoedas valem a pena?
Ser colocado no papel de entrevistada é até divertido, mas a razão pelas quais as perguntas chegam até mim acende um alerta vermelho sobre como a cabeça do investidor comum funciona.
O crescimento dos influenciadores no Instagram, TikTok, Youtube e afins tem uma parcela de “culpa” na variedade (e especificidade) cada vez maior das perguntas. É que na maior parte do tempo, todos eles possuem uma dica infalível que pode te transformar no próximo milionário.
Essa ideia, claro, é o que motiva a maioria dos questionamentos. O campeão de indagações sempre foi o bitcoin. No último ano, no entanto, criptoativos alternativos disputaram espaço com o “irmão mais velho” — no imaginário e no noticiário.
É que o segmento dos DeFis, uma classe de criptoativos muito particular, simplesmente “explodiu”, apareceu, ganhou o mundo e, por algum tempo durante 2020, só se falou nisso. O que fez os olhos dos investidores brilharem, claro, foi o alto potencial de retorno de forma rápida.
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E nada seduz mais os investidores do que os retornos passados, ainda que eles não sejam garantia de retornos futuros e envolvam tecnologias e especificidades que o público geral ainda está longe de entender.
O bitcoin subiu mais de 400% em reais no ano passado. O número assombroso parece um “nada” perto do salto de 2.000% que o segmento de protocolos DeFis teve ao longo de 2020.
Segundo um estudo da Binance Research, no ano passado o crescimento dos DeFis foi de 2.300%, totalizando um milhão de usuários. A pesquisa, que busca traçar um perfil dos investidores de criptoativos, mostra ainda que 66% dos usuários entrevistados já utilizam serviços DeFis, com uma grande presença principalmente no sudeste asiático.
Segundo esse mesmo estudo, o valor investido neste segmento passou de US$ 697 milhões no fim de 2019 para US$ 16 bilhões em 2020. Um crescimento de mais de 2.300%. Hoje, esse número já passa dos US$ 40 bilhões.
Tecnologia vs. Investimentos
Mas vamos dar um passo atrás e começar do começo. Afinal, o que é esse tal de DeFi?
De forma simples e genérica, as Decentralized Finances (finanças descentralizadas), carinhosamente chamadas de DeFi, começaram a surgir com mais força nos últimos dois anos e caracterizam-se como criptoativos com uma aplicação prática que vai além do funcionamento como um mero “dinheiro digital”.
Assim como as criptomoedas surgiram como uma alternativa ao dinheiro tradicional, os DeFis buscam ser uma alternativa ao mercado financeiro tradicional. Bom, essa é a ideia utópica. No momento, as opções de produtos e serviços ainda são limitadas e de difícil acesso para os mais leigos, mas os especialistas do mercado acreditam que este é o futuro.
A comparação com o início da internet é bem comum. Resumindo a ópera: se as pessoas soubessem (e entendessem o potencial transformador) da internet, teriam investido nas ações da Amazon ou da Apple quando estas ainda valiam apenas alguns punhados de dólares. Claro que ninguém poderia imaginar as gigantes que elas se tornariam, mas o potencial sempre esteve lá…
É assim que o mercado de criptomoedas encara os protocolos DeFis. Esses projetos permitem que o usuário tenha acesso a serviços financeiros que, na prática, eliminam os intermediários ao oferecer produtos sem a necessidade de passar por um banco, corretora ou empresa centralizadora. As transações são feitas de usuário para usuário.
A volatilidade desses ativos é ainda maior que a média do mercado de criptomoedas, que, vamos lembrar, já é bem alta. Parece estranho, mas toda vez que falo sobre criptomoedas gosto de lembrar: é impossível falar desses ativos sem falar de tecnologia.
É que, no fim do dia, o que movimenta os preços desses ativos é justamente a capacidade de entrega dessas tecnologias e o valor que elas podem gerar no futuro.
Como nosso foco é desmistificar esse tipo de investimento, prometo não entrar nas grandes questões tecnológicas desse mercado. Mas vamos ao básico.
Os DeFis são produtos financeiros criados dentro da blockchain do Ethereum, que, inclusive, está passando por uma atualização para aumentar a sua capacidade. Os DeFis possibilitam aos usuários realizar empréstimos, trocas, trades, receber rendimentos sobre os seus ativos ou o que mais a imaginação (e a tecnologia) permitir criar. Consegue imaginar um mundo sem bolsas de valores ou bancos? Os programadores já começam a pensar nessas alternativas...
Embora os DeFis sejam muito novos e estejam em fase de testes, o consenso dos especialistas do mercado de criptomoedas é que essa tecnologia pode destravar uma verdadeira revolução no mercado financeiro.
Segundo Samir Karbage, diretor de tecnologia da Hashdex, esse processo ainda está em curso, mas o potencial é que sejam oferecidos serviços mais baratos e até mais eficientes do que bancos e corretoras são capazes de prestar no momento.
A usabilidade mais ampla segue limitada aos conhecedores da tecnologia, mas Daniel Coquieri, fundador da BitcoinTrade, acredita que esse é o próximo passo: realizar operações tão fáceis quanto uma TED, DOC ou Pix. Ou quem sabe apenas deixar os tokens rendendo, sem necessidade de transferir seus recursos para uma espécie de “poupança”.
A dificuldade de realmente utilizar esses tokens é citada por todos os especialistas. Os usuários médios não são técnicos o suficiente para manter suas próprias chaves privadas e preferem deixar essa tarefa na mão de outras pessoas. Para CZ, CEO da Binance, as exchanges centralizadas ainda são mais fáceis de usar para a maioria das pessoas.
Mas isso não quer dizer que ele acredite que o atual modelo de negócios é o que deve persistir no futuro. “Mesmo sendo um dos maiores do mundo hoje, vemos nossa exchange centralizada como um produto temporário. O mundo futuro será descentralizado e queremos acelerar o ritmo das mudanças. Na verdade, eu pessoalmente estou esperando ansiosamente por esse dia. Anseio pelo dia em que não precisaremos mais manter a custódia dos ativos dos usuários e nos tornarmos apenas um membro contribuinte de um ecossistema financeiro descentralizado”, conclui.
Pra já?
Essas são as perspectivas de longo prazo. No curto prazo, uma série de incertezas ainda rondam essa classe de ativos, que, além de serem muito novos, ainda precisam ser testados e aprimorados.
Como toda tecnologia em “começo de carreira”, os protocolos DeFis ainda dão os primeiros passos na busca de se tornarem produtos financeiros de fácil acesso para os investidores e competirem de vez com as instituições financeiras tradicionais, por isso, o investimento nessa classe de ativos envolve outros riscos além da tradicional volatilidade.
São os riscos do pioneirismo. O diretor de tecnologia da Hashdex explica que muitos deles só é possível mapear conhecendo bem a tecnologia por trás, e o melhor teste é o teste do tempo, já que a credibilidade se conquista ao longo dos anos. Se você está em busca de um ativo DeFi para investir, fique atento a esses riscos que podem prejudicar os seus investimentos:
- Erros no software que podem levar a ataques de hackers ou erros de cálculos de retorno, parametrização e garantias de empréstimos;
- Congestionamento da rede - um problema que pode ser solucionado nos próximos anos com a atualização da rede do Ethereum;
- Perda das chaves das carteiras digitais que dão acesso aos ativos, já que nessa classe os usuários fazem a sua própria custódia e não “terceirizam esse serviço”;
- Risco de regulamentação, já que essas tecnologias são desenvolvidas em uma zona “cinzenta”, ainda sem precedentes.
“É uma tendência natural, mas ainda está muito longe. Não espere ver algum banco oferecer serviços baseados em DeFis no curto prazo. Como aconteceu com a internet, eles vão precisar se adaptar e incorporar isso ao invés de ignorar. Quem não conseguir vai ficar obsoleto e pode até perder a relevância. Essa tecnologia tem um potencial fascinante e pode conseguir um nível de adoção grande para substituir as exchanges e corretoras”, afirma Karbage.
Quer investir? Fique de olho neles
Todos os dias, novos protocolos de DeFis são criados, com novas funções e objetivos. No entanto, já é possível separá-los em algumas categorias, como a de pagamentos (payments), empréstimos (lendings), transações de derivativos (derivatives), Exchanges descentralizadas (DEX) e até rodar o bitcoin dentro da rede do Ethereum (Assets), para citar algumas delas.
Dentre essas opções, os segmentos de maior destaque foram os de Lending e DEX, que funciona exatamente como as exchanges comuns, mas são descentralizadas. Ou seja, os usuários são responsáveis pelas transações entre si. Segundo o executivo, esses são os segmentos mais amadurecidos e que já entregam bons serviços para a população.
Embora o grande boom tenha ocorrido no ano passado, as coisas não devem parar por aí. Rudá Pellini, co-fundador da Wise&Trust, destaca que mês a mês os protocolos DeFis seguem ganhando relevância. Sabe aquela movimentação dos investidores pessoas físicas, que chacoalhou Wall Street nas últimas semanas? Pode dar um empurrãozinho extra na aceleração dessas ferramentas.
“As exchanges descentralizadas (DEX) devem ganhar força, principalmente depois de eventos como o da RobinHood e o pessoal do WallStreetBets, em que as corretoras acabaram impedindo as negociações de determinados ativos. Esses acontecimentos podem servir de catalisador para o aumento da adoção de plataformas descentralizadas”.
Durante a apuração desta matéria, as opções que mais foram citadas pelos especialistas como apostas do segmento foram o Compound, Maker, Aave e Synthetix. Com a popularização dos DeFis, muitas plataformas já colocaram esses ativos em seus portfólios, que estão disponíveis em corretoras tradicionais de criptoativos.
“Esses são protocolos sérios, não se tratam de bolha. Eles entregam um produto final para o investidor e são sérios do ponto de vista de equipe, desenvolvimento e o que está sendo construído.” - Daniel Coquieri, fundador da BitcoinTrade
CZ, da Binance, frisa que esse é um investimento para investidores com muito apetite ao risco. Para ele, as perspectivas de altos rendimentos devem perdurar, mas, com o tempo, "cairão para um intervalo razoável de um ou dois dígitos".
Sem almoço grátis: é bolha ou não é?
Quando falamos em criptomoedas, muitas vezes o que leva algum ativo ao hype é a promessa de ganhos exorbitantes em um curto espaço de tempo e não a sua capacidade de mudar o mundo.
Então, atenção redobrada. Os especialistas seguem alertando para a alta volatilidade do mercado, e quando o assunto são os protocolos DeFis, a situação é ainda mais delicada. O retorno pode ser sim expressivo, mas o risco também é.
Toda vez que vemos um crescimento tão grande em um curto espaço de tempo, é difícil não fazer a pergunta de um milhão de reais: afinal de contas, é bolha ou não é?
Os criptoativos passaram por um trauma nesse sentido. Em 2017, durante o primeiro grande “boom” do mercado de cripto, a onda dos ICOs - os IPOs das moedas digitais - pegou muita gente no contrapé e fez estragos entre aqueles que não tomaram cuidado com os projetos nos quais estavam entrando.
“Essa febre de DeFi tem um potencial muito grande de virar bolha, principalmente porque o que motiva as pessoas a entrarem nessa onda não é a tecnologia ou sua evolução, mas a perspectiva de retorno, sem compreensão dos riscos”, comenta o especialista da Hashdex.
CZ, tem uma visão semelhante. “Já existe bolha em muitos projetos de DeFi e também acredito que há sinais de bolha na indústria como um todo. Mas isso não significa que os DeFis irão desaparecer, pelo contrário. A tecnologia permanece em alta, mesmo em meio ao rali do bitcoin, que é o principal criptoativo.”
Nadia Alvarez, representante de desenvolvimento de negócios da Maker Foundation na América Latina, no entanto, acha que o paralelo com a crise do mercado cripto em 2017 não é aplicável.
“Os ICOs de 2017 foram projetados em uma folha de papel, já o DeFi são protocolos financeiros que estão funcionando no Ethereum e que têm bilhões de valor total bloqueado”, diz. Na comparação com os ICOs, CZ também é cauteloso, lembrando que muitos dos projetos da época (incluindo a Binance) foram bem sucedidos.
Os especialistas alertam que, como em todo segmento, existem sim oportunistas que criam protocolos que não entregam valor e aproveitam o momento de hype para enganar. Mas isso não é algo exclusivo no universo de criptoativos. É quase “natural” que isso ocorra em tecnologias nascentes em que as expectativas são antecipadas. Samir faz mais uma vez um paralelo com a bolha da internet no início dos anos 2000, quando o mundo ainda não estava pronto para serviços que, alguns anos depois, seriam absolutamente viáveis.
Bê-a-bá das boas práticas
Apostando na possibilidade de uma revolução financeira ou buscando diversificar os seus investimentos com essa classe de ativos? O primeiro passo é ter calma, analisar os riscos e a qualidade dos ativos em que está pensando em investir — uma máxima que vale para qualquer tipo de investimento que você esteja pensando em fazer.
Quando um ativo envolve tantas especificidades técnicas, nem sempre é fácil tomar uma decisão ou separar o joio do trigo. Em um mar de protocolos que surgem todos os dias, e que, pela idade, ainda foram pouco testados, é preciso escolher cuidadosamente. Confira algumas das principais dicas dos especialistas para fazer um bom investimento:
- Sempre desconfie de promessas de retornos garantidos ou absurdos.
- Pesquise mais informações sobre o protocolo que deseja investir. Os especialistas recomendam que se olhe alguns parâmetros, como volume negociado, equipe técnica por trás do projeto, a utilidade do produto e a sua utilização.
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