As techs estão tomando o lugar das commodities, mas o tempo do mercado é diferente das manchetes
Quando precisamos avançar sob condições de incerteza e temos resultados duvidosos das reformas que pretendemos implementar, a sabedoria chinesa recomenda “atravessar o rio tateando as pedras”. Há que se avançar, mas com parcimônia e cuidado, respeitando as condições materiais objetivas.
Howard Marks oferece prescrição semelhante: mantenha expectativas razoáveis como investidor. Vamos devagar porque temos pressa. Acelerar demais na curva pode simplesmente expulsá-lo da pista. E aí não tem volta. Um erro grande zera o jogo.
Os investidores com quem converso têm resposta para tudo, principalmente os recém-chegados. A famosa frase, que vejo atribuída a pessoas diferentes: as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e os idiotas estão cheios de certezas.
A economia global emite sinais de crescimento superior às expectativas anteriores. A vacinação foi antecipada em um mês em São Paulo. O PIB brasileiro deve aumentar 5,5% neste ano, talvez 6%. Ninguém esperava isso.
Já que falamos de Howard Marks, o pensamento de primeiro nível sugeriria comprar commodities para pegar o crescimento econômico global e casos ligados à abertura doméstica.
Acontece que o mercado é mais rápido do que as manchetes de jornais. Em tempos de big data, supercomputadores e abordagens sistemáticas, quando algo vai para o conhecimento massificado, possivelmente já está incorporado ao preço dos ativos, muitas vezes até de maneira excessiva, dado o típico movimento de overshooting.
É verdade que ainda há bons nomes ligados a commodities, baratos, de ativos com qualidade e muita geração de caixa para este ano — meus favoritos são Vale, Petrobras e 3R Petroleum. Mas também é verdade que alguns movimentos de certas matérias-primas podem já ter se esgotado. O aço turco encontra dificuldades de continuar subindo, e bons analistas já identificam barreiras à valorização adicional da celulose. As especulações desta segunda-feira sugerem alívio nas regras de mistura de biocombustíveis por Joe Biden, derrubando soja e milho.
Também compartilho a visão de que há cíclicos domésticos ainda muito amassados pela pandemia, alguns deles frontalmente beneficiados pela antecipação da vacinação em São Paulo. Outros, contudo, já negociam em valuations que presumem uma recuperação longeva e consistente.
Objetivamente, o ponto que pretendo chamar atenção hoje é que tem acontecido há uns dias uma rotação no sentido contrário lá fora, em direção às techs, em detrimento aos casos típicos da velha economia, ajustando uma dinâmica talvez exagerada dos primeiros meses do ano.
O Dow Jones caiu 0,8% na semana passada, enquanto a Nasdaq subiu 1,8%. Hoje, ao menos enquanto escrevo estas linhas, a dicotomia se estende. Os contratos futuros do primeiro cedem 0,10%, enquanto o Nasdaq Futuro sobe 0,33%.
Depois de sair de 0,9% para beliscar o 1,80%, o yield do Treasury de dez anos se acomoda, ao menos circunstancialmente, abaixo de 1,50%, aliviando a pressão sobre os casos de crescimento e de tecnologia em particular.
Se a inflação é mesmo transitória ou se será algo mais consistente, se o Bidenomics de fato configura um novo período de mais crescimento e mais taxas de juro, ou se logo voltaremos à dinâmica mais estrutural de baixa expansão do PIB por conta dos fatores seculares de tecnologia e demografia, haveremos de esperar para ver. Estamos em rios nunca dantes navegados, exigindo que caminhemos tateando as pedras.
O saldo líquido parece sugerir a possibilidade de voltar a ter tech em carteira, mas com seletividade. Aqueles que estiverem em valuations convidativos e taxas de crescimento elevado sem muito consumo de caixa podem ser os vencedores.
Neste link, falamos um pouco mais sobre o assunto. Na dúvida, um portfólio balanceado contemplando bons nomes de commodities, alguns cases de abertura doméstica muito descontados e adequada seletividade em empresas de tecnologia pode ser uma responsa pertinente.
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