Não gosto de listas e das matérias ou notas que sejam baseados nelas, ainda mais quando recurso para “caçar clique”. Mas não consegui escapar do título acima depois de ler um texto interessante e que diz algumas “verdades” sobre o quão difícil ou praticamente impossível é se tornar um novo Warren Buffett, Charlie Munger, Ray Dalio e afins. Não, meu caro, nem você e muito menos eu vamos conseguir passar décadas e décadas entregando 20% ao ano.
Nas minhas andanças pelo “Fintwit”, nome dado ao mercado financeiro dentro do “Twitter”, me deparei com a postagem do gestor da Paineiras Investimentos, David Cohen, falando de um texto de 2007 sobre os quesitos para ser um trader ou investidor.
Aproveitando o assunto no fintweet, sobre o que requer para ser um trader, li um texto recentemente (apesar de ser de 2007) que acho muito legal (mas a conclusão não muito animadora). Vou colar aqui. São 7 páginas. Apresentando 2 a 2 pra facilitar. pic.twitter.com/uqyvsv3zO5
— David Cohen, CFA (@dcohen104) October 6, 2019
O autor é o gestor Mark Sellers e o texto é, na verdade, um discurso feito para uma turma de MBA de Harvard. O título: “Então você quer ser o próximo Warren Buffet? Como está seu texto?”.
Indo direto a conclusão, não muito animadora, de fato, Sellers reconhece que os alunos na sala estão entre os mais brilhantes, bem preparados e de maior QI possível. Depois disso pede para que eles se lembrem apenas uma coisa do que vai dizer:
"Você praticamente não tem chance de ser um grande investidor. A probabilidade é muito, muito baixa, como 2% ou menos."
Essa probabilidade é para a turma de Harvard. Se descermos para o restante dos mortais, ela é ainda menor.
Oras, como não? Simples, diz Sellers, as características comuns entre os grandes, os lendários investidores, não podem ser ensinadas. São características inatas, eles já nasceram com esses traços.
Desanimador, não? Mas o ponto “positivo” do discurso de Sellers é que você pode estudar e se dedicar para se tornar um investidor acima da média. Isso é algo que pode ser ensinado. Você pode fazer milhões desenvolvendo essas habilidades.
“Mas você não vai ter uma taxa composta de retorno de 20% ao ano para sempre a não ser que isso esteja incrustado no seu cérebro desde os dez, 11 ou 12 anos. Não tenho certeza se é natureza ou treino, mas quando você é adolescente, se ainda não o tem isso, não conseguirá ter”, diz o autor.
As sete caraterísticas
Segundo Sellers, assim como acontece com empresas e setores, investidores fora do comum são estruturais. São traços relacionados à psicologia e psicologia está embutida no seu cérebro. É parte de você e você não consegue fazer muito para mudar, mesmo estudando muito sobre o tema.
As vantagens listadas por Sellers são vantagens, pois não podem ser ensinadas depois que alguém vira adulto. De fato, algumas dessas características nasceram com você ou não.
- Habilidade de comprar ações enquanto todos estão em pânico e vender enquanto os demais estão eufóricos.
- Jogar o jogo para ganhar. Essas pessoas não apenas gostam de investir, elas vivem isso. É a primeira coisa que pensam quando ainda estão sonolentos. Que papel comprar? Qual vender? Onde estão os riscos? Você não pode aprender a ser obsessivo sobre alguma coisa.
- Vontade de aprender com os erros do passado. A maioria das pessoas simplesmente segue em frente e ignoram as burrices do passado. Os grandes investidores analisam seu erros e mesmo analisando é difícil não repetir os mesmos erros.
- Noção de risco baseado no senso comum. Como exemplo, temos a história do Long Term Capital Management, que tinha um time de 60 ou 70 PhDs com modelos sofisticados de risco que falharam em ver o óbvio, a super alavancagem das posições. Se o computador diz que está tudo bem, isso tem alguma conexão com a realidade? Não ignore o senso comum.
- Confiança e perseverança nas suas convicções de investimento. Buffett nunca participou da bolha ponto.com, embora fosse publicamente criticado por ignorar as ações de tecnologia. Ele ficou com suas posições enquanto os demais abandonavam o barco do “value investing”.
- Ter os dois lados do cérebro funcionando, não apenas o lado esquerdo, que é bom em matemática e organização. Pessoas realmente inteligentes tem apenas um lado do cérebro funcionando e isso pode ser muito bom, mas não o suficiente para ver as coisas de forma diferente das massas. Como investidor, você precisa fazer contas e estratégias. Esse é o lado esquerdo. Mas também é necessário ter habilidade para gerenciar um time e captar as pistas sutis que as pessoas dão. É preciso ter a capacidade de olhar o “quadro geral”. E, o mais importante, segundo o autor, é ser um bom escritor. Se você não consegue ter clareza na escrita, você não consegue ter um raciocínio claro.
- Finalmente a última característica é a capacidade de conviver com a volatilidade sem mudar seu processo de investimento. Isso é algo muito difícil de se fazer e passa por saber reconhecer perdas e ter a capacidade de apostar em algo quando todos estão caindo fora. As pessoas não gostam de uma dor de curto prazo, mesmo que isso resulte em melhores resultados no longo prazo. A maioria das pessoas iguala risco à volatilidade de curto prazo. Isso é algo irracional, segundo o autor, para quem risco significa que se você está errado sobre uma aposta, você perde dinheiro. Variação para cima ou para baixo em curto período não é uma perda, portanto não é risco, a não ser que você tenda a entrar em pânico e realize perdas. A maioria das pessoas não consegue ter esse entendimento, o cérebro delas simplesmente não deixa. O instinto de pânico fala mais alto que as demais funções cerebrais.
“Eu diria que nenhuma dessas características pode ser aprendida quando a pessoa atinge a idade adulta. Seu potencial de ser um investidor destacado já está determinado.”
Leitura e experiência também não contam
Segundo Sellers, leitura é algo importante, mas qualquer um pode ler livros e revistas. Isso é algo que te ajuda a se manter atualizado. Mas não há correlação com número de livros lidos e a performance da sua carteira.
Aliás, diz o gestor, em um determinado momento, o retorno marginal da leitura é decrescente. De fato, diz ele, ler notícias demais pode ser prejudicial à carteira de investimentos, pois você pode passar a acreditar “em toda a porcaria que os jornalistas lançam para vender mais jornais”.
Outra coisa que não ajuda é ter MBA, CFA, PhD, CPA ou qualquer outra certificação. Para Sellers os MBAs te ajudam a obter precisamente a média do mercado em termos de retorno.
A experiência também é algo superestimado. Sellers diz que é algo importante, mas não é uma fonte de vantagem competitiva. Em algum momento, o valor da experiência passa a ter retorno decrescente e se isso não fosse verdade, todos os grandes investidores teriam seus melhores anos aos 60, 70 ou 80 anos, e isso não é verdade, segundo o autor.