Arminio Fraga: “não é justo governar só para os que estão na economia formal”
Ex-presidente do Banco Central diz que é preciso atenção ao aumento do trabalho informal e garantir que ele não seja um vetor de aumento da desigualdade

A necessidade de reverter o avanço da desigualdade de renda e da pobreza nos últimos anos, a partir da recessão de 2014 a 2016, passa pela retomada do crescimento mais robusto da economia e, no longo prazo, pelos investimentos em educação e formação do trabalhador, afirma o economista Arminio Fraga.
Ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, ele diz que é preciso prestar atenção ao aumento do trabalho informal, geralmente de pior qualidade e de remuneração mais baixa, e garantir que ele não seja um outro vetor de aumento da desigualdade. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que pode ser feito para reverter o aumento da desigualdade?
O País está há décadas crescendo pouco e houve um descaso histórico com áreas importantíssimas, que têm ligação com qualidade de vida e desigualdade: educação e saneamento, por exemplo. A piora dos últimos anos tem a ver com a profunda recessão que ainda nos assola. Aqui, o Banco Central vem agindo dentro do seu mandato, reduzindo bastante os juros. Essa seria a resposta mais direta e mais natural, pois o Brasil não é um país que está em uma armadilha de liquidez. Além da política monetária, o BC vem perseguindo uma relevante agenda de redução dos juros para as pessoas e empresas, ainda altos na maioria dos casos. E algumas reformas feitas nos anos recentes, como a trabalhista, devem contribuir para um aumento do emprego.
O aumento da pobreza e da desigualdade já era esperado, dado o tamanho da crise?
A pobreza extrema caiu ao longo dos anos, a desigualdade também, mas ela vem caindo pouco desde 2006 - esse cenário só piorou nos últimos quatro anos. Ouço dos especialistas que tem mais a ver com o impacto assimétrico da recessão sobre os mais pobres. Parece claro que existem algumas dimensões que precisam ser repensadas ou reforçadas. Os investimentos em educação estão no topo da lista, mas são de longo prazo. Tenho batido bastante na tecla de que redução das desigualdades e crescimento têm de andar juntos. Existe uma imensa agenda de redução de desigualdades e aumento de mobilidade social que precisa ser posta em prática. E inclui a viabilização de investimentos em outras áreas sociais, como saúde, transporte urbano, saneamento, segurança.
Se a volta do crescimento é importante para a redução da desigualdade, o que tem atrapalhado?
A minha visão é que prevalece um grau elevado de incerteza política, jurídica e até mesmo institucional que afeta decisões de longo prazo. E, como o espaço maior para investimento no Brasil parece ser o da infraestrutura, isso dificulta o deslanchar de projetos em uma área que já é, por natureza, muito difícil.
Se os índices pioraram desde a recessão, a tendência é que eles voltem a melhorar, com o reaquecimento da economia?
Sim, por definição, seria bom. Mas mesmo que as coisas deem muito certo, serão décadas para recuperar o tempo que se perdeu e reduzir a distância que nos separa dos melhores padrões globais. E também é importante levar em conta as tensões sociais e políticas, que prejudicam a formulação de boas políticas. Não vejo o Bolsa Família como uma política de combate à recessão. Ninguém quer estar em recessão, mas isso, às vezes, permite respostas mais rápidas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que falta ao governo levar a questão da pobreza para o centro das discussões.
Sim, concordo. Esse deveria ser um foco permanente de atenção. O que acontece é que diferentes governos têm diferentes prioridades. O governo atual parece não ter esse tema como prioridade, eles parecem comprar uma ideia mais antiga de que tem de fazer crescer o bolo antes de distribuí-lo. Ou que o crescimento por si só vai resolver o problema. E outros, como eu, pensam que há muito espaço para agir em paralelo e que um lado reforça o outro.
A falta de recursos públicos pode justificar a ação do governo?
É uma questão de estabelecer prioridades, pois a falta de recursos é real. Especialistas em políticas sociais dizem que existe um problema de gestão e que repensar a maneira de gastar os recursos teria um impacto de primeira ordem. É um ponto de vista que precisa ser considerado, sobretudo quando o Estado brasileiro está em situação fiscal tão precária, do lado das suas finanças.
A ideia que o governo Bolsonaro já considerou, de não reajustar o salário mínimo, poderia frear a redução da pobreza e da desigualdade?
Quem analisa no detalhe o papel do salário mínimo, reconhece que o aumento dele foi muito importante ao longo de mais de 20 anos. No entanto, como política social, existem também custos. Fica essa questão. Outro tema delicado, quase censurado, é a questão da informalidade, que merece mais discussão. Falta uma análise aberta e honesta dessa questão. Ter 50% das pessoas desempregadas ou empregadas na informalidade é um problema social e de produtividade gravíssimo. É inevitável analisar isso de uma maneira desapaixonada. Não é justo governar só para os que estão empregados na economia formal e pertencem a sindicatos, que são mais fortes e cuidam mais dos seus. Como ficam os outros? Isso é debatido na academia, mas não vejo esse tema chegando à política.
*Com informações do jornal O Estado de S. Paulo.
Será que Arminio Fraga ‘fez o L’? Ex-chefe do BC diz concordar com polêmico comentário de Lula sobre preço da comida
Ex-presidente do BC disse que Lula tinha razão ao dizer para população não comprar alimentos mais caros e buscar substituí-los por outros mais em conta
Eleitor de Lula contra Bolsonaro, Armínio Fraga vê risco de petista se atrapalhar na economia
Ex-presidente do Banco Central sob FHC, Arminio Fraga vê ataques de Lula à autoridade monetária como ‘equívoco’
Teto de gastos ‘não é uma conspiração para desmontar a área social’. Leia a carta de Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan para Lula
Em carta aberta publicada na Folha de S. Paulo, economistas rebatem críticas do petista ao teto de gastos e ao mercado financeiro
Clima na bolsa é quente até demais, diz Armínio Fraga
Para o ex-presidente do BC, “um pouco de diversificação e cautela já vale a pena ter em mente”; ele disse que investidor brasileiro vai passar por período de aprendizado
‘Obscurantismo’ do governo pesa mais para estrangeiro do que política fiscal e monetária, dizem Persio e Arminio
Em evento online do Santander, ex-presidentes do BC criticam posição do Executivo, defende ao menos a estabilização da dívida e falam do risco da alta de juros
Arminio Fraga diz haver espaço para ‘pequeno’ aumento da carga tributária
“Eu penso que, eventualmente, há espaço para pequeno aumento de carga tributária, eliminando distorções de regimes”, disse o ex-presidente do Banco Central
Brasil já passa por depressão econômica, diz Arminio Fraga
De acordo com o ex-presidente do BC e sócio da Gávea Investimentos, o governo também deve ficar atento à sua capacidade de aumentar os gastos em decorrência da pandemia
Armínio Fraga vê ‘obscurantismo’ e ambiente ‘envenenado’ como entraves à economia
Fraga destacou que o Brasil nunca investiu tão pouco na sua história e que para destravar o investimento será preciso dar mais clareza em áreas que vão além da econômica, como “temas de natureza distributiva”
Gávea Investimentos mostra ceticismo com sucesso da agenda de reformas
Gestora do ex-BC Arminio Fraga avalia os casos de México, Índia, Indonésia e Argentina nos quais as reformas se mostraram insuficientes ou retumbantes fracassos
‘Reforma Tributária será mais difícil que a da Previdência’
Em entrevista, o ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga, afirmou que a nova etapa reformista, com a mudança no sistema tributário, deve ser mais fifícil de ser aprovada do que as regras previdenciárias
Tamanho não é documento
Como investir em small caps, o encontro de Bolsonaro e Trump e o alerta de Arminio Fraga sobre a Previdência
Reforma da Previdência deve passar, mas meio desidratada, diz Arminio Fraga
Crise fiscal é a “grande espada sobre nossos pescoços”, avalia o ex-presidente do Banco Central, que não vê espaço para o impacto da reforma ficar abaixo do cerca de R$ 1 trilhão (em 10 anos)
Para Arminio Fraga, qualquer economia menor do que a proposta por Bolsonaro sobre a Previdência é preocupante
Em declarações sobre o projeto apresentado hoje, o ex-presidente do BC destacou como positiva a economia prevista para os cofres públicos
Regime de capitalização na Previdência não é solução mágica, diz Armínio Fraga
Ex-presidente do BC se diz mais esperançoso do que confiante na capacidade de o novo governo em aprovar a reforma
Bolsonaro estuda ‘plano Arminio-Tafner’ para previdência
Time do presidente eleito ainda não decidiu se vai apoiar o avanço da reforma da previdência neste ano, mas seu ministro da economia, Paulo Guedes, já sinalizou prioridade