100 anos de Pinotage: a trajetória da uva ícone da África do Sul
Criada em 1925, a casta enfrentou décadas de má reputação, mas se reinventou com novos terroirs e vinificação. Especialistas analisam a evolução e indicam os melhores rótulos para celebrar o centenário
Em 2025, a viticultura mundial volta seus olhos para a África do Sul. A Pinotage, uva que se tornou a assinatura do país, celebra seu centenário. Nascida em 1925, ela vai além de uma casta desenvolvida localmente: é um símbolo de identidade nacional e um estudo de caso sobre evolução no mundo do vinho.
Sua trajetória de 100 anos, no entanto, é marcada por altos e baixos. Foi um experimento acadêmico que quase se perdeu, tornou-se um ícone por sua resiliência e, em seguida, enfrentou décadas de uma crise internacional de reputação. Atualmente, a uva se reinventa a partir de uma nova geração de produtores focados na qualidade e na expressão de seu terroir.
Para analisar a jornada da Pinotage, desde sua origem até os estilos modernos e seu futuro, convidamos três sommeliers: Manoel Lima, do Marena Cucina, Diogo Robert, do restaurante Donna, e José Hilton, do grupo Pobre Juan.

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Um “acidente” de laboratório
A história da Pinotage começa na academia. “A Pinotage surgiu na África do Sul, em 1925, a partir de um cruzamento feito pelo professor Abraham Izak Perold na Universidade de Stellenbosch”. O objetivo era claro: “Ele combinou a elegância da uva francesa Pinot Noir com a resistente Cinsault, conhecida como Hermitage”. O próprio, aliás, nome reflete essa fusão, como aponta Lima. “É uma junção das duas uvas que a originaram: pinot, de Pinot Noir, e tage, de Hermitage”.
Apesar do sucesso do experimento, contudo, a casta quase não sobreviveu para contar a história. “As primeiras mudas quase foram perdidas”, confirma José Hilton. Elas foram plantadas no jardim da residência de Perold e salvas por um jovem professor, Dr. Charlie Niehaus, que as resgatou antes que o jardim fosse limpo.
E demorou décadas para a uva ganhar tração: embora um vinho da propriedade Bellevue tenha vencido uma competição local, a Cape Wine Show, em 1959, o primeiro rótulo comercial com o nome Pinotage só apareceu em 1961.
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A jornada ao reconhecimento
Após ser resgatada, a Pinotage ganhou campo, mas sua reputação internacional sofreu duros golpes. “Durante muito tempo, a Pinotage foi vista como uma uva difícil – rústica, com aromas intensos e desafiadores”, diz José Hilton. O problema era técnico e quase custou o futuro da uva.
“Nas primeiras décadas de produção, muitos Pinotage apresentavam notas desagradáveis de acetona, esmalte ou borracha queimada”, recorda Diogo Robert. “Essa reputação, resultado de práticas de vinificação inadequadas no passado, permaneceu por muitos anos, ofuscando os exemplos de alta qualidade”.
Porém a superação veio, e por meio de um esforço conjunto. “A Pinotage ganhou o mercado através de inovação e, principalmente, da capacidade da África do Sul de redefinir e promover sua casta nativa”, afirma Manoel Lima. Para José Hilton, “o grande avanço veio com o investimento técnico nos vinhedos e nas adegas, que elevou o padrão de qualidade”.
Um momento específico selou essa virada. “Um momento histórico ocorreu em 1991, quando um Pinotage da Kanonkop venceu o prêmio de Melhor Vinho Tinto na International Wine and Spirit”. Esse evento foi um divisor de águas, e a fundação da Pinotage Association, em 1995, foi fundamental “na promoção da qualidade, pesquisa e marketing da uva”.
A embaixadora em números
Hoje, a Pinotage é também um pilar econômico, consolidando-se como a terceira casta tinta mais plantada na África do Sul, atrás apenas da Cabernet Sauvignon e Shiraz, e a sexta no geral. Dados de 2024 da South African Wine Industry Statistics (SAWIS) apontam que a uva ocupa 6.605 hectares, sendo Swartland, Paarl e Stellenbosch as principais regiões de cultivo.
E tem mais: sua área plantada cresceu 0,3% entre 2023 e 2024, num período em que a área total de vinhas do país diminuiu, aponta o mesmo relatório da SAWIS. Outra curiosidade é que, em 2023, o volume de exportação foi de 13,2 milhões de litros, mais que o dobro das vendas domésticas, aliás, que ficou em torno de 5,3 milhões de litros, mostra a Pinotage Association of South Africa. Ou seja: é hit internacional.

O perfil sensorial: a uva de duas caras
Mas, afinal, como a Pinotage se expressa na taça? “Pinotage é um cruzamento da uva Pinot Noit e Cinsault de origem sul-africana”, relembra Diogo Robert. Essa dualidade genética é a chave. “A Pinotage é uma uva única, que combina o caráter elegante da Pinot Noir com a força e rusticidade da Cinsault”, define José Hilton.
Manoel Lima detalha as características físicas e sensoriais: “As características são únicas: bagos de casca espessa, roxo-azulados e compactos, que resultam em vinhos de cor rubi profunda e aromas intensos de frutas negras, fumaça e especiarias, com toques de chocolate e café”.
No paladar, Robert aponta que o “Pinotage mais comum é um vinho com corpo médio, taninos firmes, com boa fruta e especiarias”. Hilton descreve a sensação: “Em boca, costuma ser encorpada, com taninos macios e final levemente defumado – perfeita para quem gosta de tintos com personalidade”.
Essa complexidade permite que a Pinotage apresente diferentes facetas. “Há dois estilos bem marcados”, aponta Hilton. “O primeiro é o tradicional, com passagem por barrica, mais estruturado e com notas de baunilha e especiarias. O segundo é o moderno, mais frutado, fresco e fácil de beber, voltado para quem busca versatilidade à mesa, por exemplo. Também existem versões premium, com maior potencial de guarda e complexidade notável”.
Essa versatilidade é atualmente uma das suas maiores forças. Além dos tintos secos, a Pinotage é usada para produzir rosés, espumantes e até vinhos fortificados. Ela é também a estrela dos Cape Blends, os cortes tintos sul-africanos, em que deve compor de 30% a 70% do lote.
A expressão do terroir
Essa variação de estilos não se deve apenas à vinificação, mas também ao local de cultivo. “A Pinotage adapta-se a diversos microclimas, o que permite a produção de estilos variados”, afirma Diogo Robert. “Existem diferenças significativas entre os vinhos de Pinotage produzidos em diferentes regiões da África do Sul, e essas variações resultam do terroir, do clima e das práticas de vinificação”.
José Hilton detalha as diferenças regionais: “As Pinotage das regiões mais quentes, como Paarl e Swartland, tendem a ser mais densas e maduras, com notas de chocolate e frutas secas”. Em contrapartida, “nas áreas mais frias, como Stellenbosch ou Walker Bay, ganham frescor, elegância e acidez mais viva”. Manoel Lima destaca um fator crucial: “Nas regiões mais próximas ao oceano, a brisa marítima promove amadurecimento mais lento e preserva a acidez”.
O futuro da Pinotage
Essa evolução técnica e o foco no terroir mudaram a forma como o consumidor enxerga a uva. “Vejo uma redescoberta”, avalia José Hilton. “O consumidor que antes torcia o nariz pela força da uva hoje se encanta com sua versatilidade. A Pinotage deixou de ser difícil e passou a ser vista como um vinho moderno, expressivo e cheio de identidade”.
Manoel Lima credita a mudança à produção: “O investimento em tecnologia e técnicas de vinificação tirou um pouco do caráter de rusticidade que muitos atribuíam à Pinotage, melhorando a qualidade e ganhando espaço no mercado”. Diogo Robert também nota uma abertura do público: “Muitas pessoas estão com a cabeça aberta para provar diferentes estilos de vinhos com boa curiosidade e boa capacidade para aprender”.
Olhando para frente, os especialistas apontam para um consenso. “A tendência é clara: vinhos mais elegantes, menos extraídos e com uso mais sutil do carvalho”, prevê Hilton. “Também cresce o interesse por práticas sustentáveis e fermentações naturais, acompanhando o movimento global por vinhos autênticos e de mínima intervenção”.
Manoel Lima arremata: “Acredito que irão intensificar a produção de vinhos mais elegantes, maior qualidade e maior competitividade no mercado global”. Essa busca por qualidade, aliás, é o pilar da campanha Pinotage 100, que celebra o centenário em 2025. A estratégia foca em três temas: celebrar seu legado (Legacy in a Glass), destacar a diversidade moderna (The Flavour of a Century) e posicionar a uva como um símbolo de inovação e sustentabilidade (Sustainable Roots).
Harmonização: da grelha ao risoto
Na mesa, a Pinotage reflete sua versatilidade. “É um vinho versátil que harmoniza bem com carnes vermelhas, queijos variados, pratos picantes e entradas leves, oferecendo uma experiência rica em sabores”, resume Diogo Robert.
Manoel Lima sugere “carnes grelhadas ou assadas, pizza de calabresa ou até mesmo um risoto funghi”. José Hilton, por outro lado, divide as harmonizações por estilo: “Os rótulos mais encorpados casam perfeitamente com carnes grelhadas e cortes marmorizados, como o bife ancho ou o shoulder steak – combinações clássicas no Pobre Juan. Já as versões mais jovens e frutadas são ótimas com hambúrgueres, carnes suínas defumadas e até pratos com molho barbecue, por exemplo”.
Rótulos para celebrar
Para celebrar os 100 anos e explorar a diversidade da Pinotage, os sommeliers indicam seus rótulos preferidos.
Southern Right Pinotage 2021
Recomendação de Manoel Lima, do Marena Cucina

Produzido pela vinícola Southern Right, projeto de Anthony Hamilton Russell, este rótulo é focado na expressão da uva no terroir frio de Hemel-en-Aarde Valley, perto de Walker Bay. Buscando elegância, é vinificado em tanques e maturado em carvalho francês com um estudo de barricas da tanoaria François Frères. Assim, o resultado é um vinho que já foi descrito pelo crítico Robert Parker como “o melhor que esta uva pode produzir”. Preço: R$ 451, na Mistral
Scions of Sinai Atlantikas
Recomendação de Diogo Robert, do restaurante Donna

Um Pinotage que desafia as convenções, o Atlantikas é um projeto de Bernhard Bredell, da Scions of Sinai. As uvas vêm de vinhedos de clima marítimo perto de False Bay. É um vinho de baixa intervenção que usa uma vinificação complexa, com partes em cacho inteiro e partes com maceração curta. O resultado, portanto, é um tinto leve, fresco e suculento, com notas de frutas vermelhas e um toque terroso. Preço: R$ 225, na Wines4U
Durbanville Hills Pinotage
Recomendação de Diogo Robert, do restaurante Donna

Este tinto da Durbanville Hills representa a expressão da uva nos arredores da Cidade do Cabo, onde nove viticultores se uniram em um projeto de produção sustentável. É um vinho de estilo clássico, maturado por 12 meses, que entrega aromas de frutas negras maduras, couro e azeitonas pretas, com um paladar redondo, ideal para acompanhar pratos defumados, por exemplo. Preço: R$ 189,90, na QUÉ VINO?
Kanonkop Pinotage
Recomendação de José Hilton, do Pobre Juan

Um verdadeiro clássico e uma referência de qualidade de Stellenbosch, o Kanonkop Pinotage é o rótulo que colocou a uva no mapa mundial ao vencer a International Wine and Spirits Competition em 1991. É um vinho que representa o estilo tradicional e potente, conhecido por sua estrutura, complexidade e notas de carvalho, baunilha e café, com grande potencial de guarda. Preço: R$ 752, na Mistral
Beyerskloof Reserve
Recomendação de José Hilton, do Pobre Juan

Considerado um “ótimo custo-benefício” na categoria premium, este vinho vem da vinícola Beyerskloof, tida como “inigualável como especialista em Pinotage”. É um tinto de Stellenbosch que busca representar a qualidade da uva com sabores concentrados e um caráter suave, mostrando notas de frutas pretas e cedro, após 14 meses em barricas de segundo e terceiro uso. Preço sob consulta.
Diemersfontein Coffee Chocolate Pinotage
Recomendação de José Hilton, do Pobre Juan

“Um rótulo que mostra o lado moderno e ousado da casta – um vinho que sempre surpreende”. Conhecido como Original Coffee Chocolate Pinotage, este rótulo da Diemersfontein representa o lado mais ousado da uva, que criou um estilo próprio. Como o nome sugere, é um vinho que exibe notas ricas de chocolate amargo e café recém-torrado, balanceadas por taninos aveludados, resultado de uma vinificação específica com diferentes tipos de carvalho. Preço sob consulta.
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