Felipe Miranda: Testando o cercadinho
Scott Galloway costuma dizer que uma das dificuldades de se lidar com Elon Musk deriva do fato de que seu efeito líquido sobre a sociedade é claramente positivo

Scott Galloway costuma dizer que uma das dificuldades de se lidar com Elon Musk deriva do fato de que seu efeito líquido sobre a sociedade é claramente positivo. Então, se o sujeito nos traz grandes coisas boas, fica mais difícil condenar seus atos ruins.
A própria biografia de Musk, escrita por Walter Isaacson, que me parece, também em termos líquidos, claramente pró-biografado, mostra como o multibilionário tem um lado demoníaco – até mesmo autorreconhecido.
De alguma maneira, aplicamos aqui o velho conceito do “halo effect”. A percepção de que uma determinada virtude pessoal se espraia para uma qualificação geral da benevolência do personagem, ainda que, dentro de nós, saibamos que não há auréola nenhuma sobre a cabeça de ninguém.
Indiscriminada e democraticamente, dos miseráveis aos bilionários, todos convivemos com nossos médicos e monstros.
Medir o impacto líquido de uma força resultante, em que vários vetores atuam em direções diferentes, será sempre mais difícil do que mensurar uma única força. Resolver uma derivada parcial é mais simples do que um diferencial total.
Há um detalhe: a realidade objetiva costuma ser muito mais parecida com o último. No dia a dia, não conseguimos isolar variáveis, a não ser em testes de laboratório ou em exercícios de microeconomia sob a hipótese de “ceteris paribus”.
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A instabilidade dos mercados brasileiros em agosto
Há algo capcioso em relação aos mercados locais desde o começo de agosto. A verdade é que o Brasil piorou nas últimas semanas. Enquanto isso, os ativos domésticos apresentaram valorização.
Quase a integralidade da melhora se deve ao nível excessivamente descontado de nossas principais variáveis financeiras somado à perspectiva de redução das taxas de juro internacionais.
Recentemente, o gestor Luis Stuhlberger, também ciente da importância dos efeitos líquidos e não absolutos, afirmou que a nomeação de Gabriel Galípolo é "uma notícia mais boa do que ruim”.
Dada a incerteza do processo, dadas as últimas declarações de Galípolo mais alinhadas ao livro-texto e, principalmente, consideradas as alternativas, Stuhlberger está correto. Lembra, inclusive, a caracterização do próprio gestor quando do anúncio do arcabouço fiscal: “melhor do que o temido, pior do que o desejado.”
É curioso, no entanto, como o Brasil celebra a mediocridade. Galípolo não dispõe de publicações acadêmicas em journals de primeira linha, não oferece uma carreira como empreendedor de destaque ou executivo com passagens por instituições renomadas, tampouco se alinha à ortodoxia esperada de um banqueiro central.
Com a devida honestidade intelectual, havemos de reconhecer sua recente tentativa de transmitir a ideia de alinhamento ao pensamento de Roberto Campos Neto e sinalizar continuidade após a transição. Mas os esforços para se mostrar um bom garoto e recuperar a credibilidade, embora sejam adequados e potencialmente bem-sucedidos, trazem custos.
Em busca da credibilidade perdida, há quem defenda uma alta de até 300 pontos-base da taxa Selic. Não é pouca coisa. E não nos iludamos: se vier algo dessa magnitude, haverá impacto sobre os lucros corporativos.
Entramos em 2024 esperando um juro básico de 8% em dezembro. O consenso de mercado agora aponta uma caminhada rumo a 12%.
A antítese à tese potencialmente diria que o aperto monetário se justifica pelo crescimento acima do esperado do PIB e da menor taxa de desemprego desde 2014. Há méritos no contra-argumento.
Contudo, boa parte da superação do PIB frente às estimativas de consenso no segundo trimestre advém do consumo do governo, enquanto o investimento frustrou as projeções.
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A deterioração fiscal e o desafio da economia brasileira
A tentativa de crescimento a qualquer custo sugere pressões inflacionárias à frente e trajetória descontrolada da dívida pública, com riscos de perdermos a moeda. O crescimento do PIB virou uma obsessão, num pé na tábua de gastos, antecipação de benefícios e de medidas desesperadas.
A meta de superávit primário é a segunda obsessão do momento. Tergiversamos sobre o real problema fiscal brasileiro e tornamos a meta em si o objetivo final. Quebramos o termômetro porque ele indica febre do paciente. A febre continua lá, mas a nova medição cumpre a meta de temperatura corporal.
Mudamos a contabilização de precatórios, tiramos gastos com a recuperação do Rio Grande do Sul da conta, contabilizamos transferências para o programa Pé de Meia com certa elasticidade, colocamos tudo que podemos (e até o que não podemos) nas receitas oficiais.
Os paralelos com os anos recentes de contabilidade criativa são um tanto evidentes. Cumprimos a meta de superávit oficial, mesmo diante de deterioração fiscal e parafiscal.
A discussão recente sobre o Vale Gás daria inveja a Arno Augustin. Voltamos ao voluntarismo de uma intervenção atabalhoada, que desobedece às sinalizações do sistema de preços e impõe custo ao Tesouro. Se tínhamos medo de que o calendário eleitoral suscitaria populismo exagerado às vésperas das eleições de 2026, nem precisamos sofrer com a ansiedade: ele já começou.
Outro ponto da deterioração brasileira nas últimas semanas se liga à pior percepção sobre o risco institucional. Não é verdade que as redes sociais só sofram restrições e banimentos no Brasil e em países com pouca tradição democrática. Pavel Durov, fundador do Telegram, acaba de ser preso na França (Liberté, Igualité, Fraternité, nessa ordem, lembra?). O TikTok pode ser banido dos EUA, igualzinho ao Twitter por aqui. E a União Europeia também estuda sanções pesadas.
Agora, quando o STF mistura os canais e traz a Starlink para um rolo de uma outra empresa, atira contra princípios da lei das SAs e traz enorme insegurança jurídica. Será que já podemos pedir um engradado de Brahmas em troca dos problemas creditícios de Lojas Americanas (AMER3)?
Tudo acontecendo num mês de sazonalidade tipicamente mais fraca para as bolsas globais, quando, no âmbito local, encontramos com nosso maior fantasma. Agosto e setembro costumam expor nossa fragilidade fiscal porque ensejam o debate sobre o orçamento do ano seguinte.
A conclusão é aquela de sempre: o cobertor é curto, falta dinheiro, as receitas tributárias são superestimadas e as despesas subestimadas.
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Juros internacionais em queda e o futuro dos emergentes
Felizmente, há duas grandes forças impedindo uma deterioração maior dos mercados brasileiros.
A primeira decorre da perspectiva de redução das taxas de juro nos países desenvolvidos. Cerca de 80% dos principais Bancos Centrais do mundo se preparam para flexibilizar suas políticas públicas neste ano.
Nos EUA, devemos ter um orçamento em torno de dois pontos percentuais de queda da taxa básica para caminharmos para o neutro, algo típico dos ciclos monetários. Se há mesmo risco de recessão, então o juro básico deveria ir além do neutro.
Essa foi a grande força contrária ao fluxo de recursos para mercados emergentes desde 2022. Todo aquele vento de frente se transforma agora num empurrão favorável.
A barra estava muito alta para se olhar qualquer coisa que não fosse a renda fixa em dólar. Se o bond do JP Morgan paga 7% em dólar, não tem por que levantar do sofá.
Então, caímos numa circunstância peculiar. Enquanto o mundo afrouxa o torniquete monetário, o Copom deve apertá-lo. Estamos na contramão do mundo.
Isso contrata aumento substancial do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA, o que deveria apreciar nossa moeda, dado o carry mais atrativo – numa conta de padaria, se a Selic for 12% aqui e a Fed Funds Rate vier a 4%, estamos falando de uma diferença de 8 pontos percentuais. Não é pouca coisa.
A apreciação cambial esperada, somada à queda das commodities (o brent está hoje a US$ 70 por barril, enquanto o minério de ferro dá sinais de que pode perder os US$ 90 por tonelada em meio a importações fracas na China), sugere inflação de bens devidamente comportada.
Com o brent fraquejando e diante de eventual valorização do real, podemos flertar com a queda dos combustíveis ali na frente. Aos poucos, pelo repasse cambial, feita a reancoragem das expectativas, a inflação deveria se acomodar, abrindo espaço para uma Selic menor, talvez ainda no primeiro trimestre de 2025 -- não percamos de vista a deflação recém-anunciada em agosto.
A segunda grande força impedindo uma desvalorização maior de nossas ações a despeito da deterioração macroeconômica e sistêmica se liga ao valuation das empresas e aos lucros corporativos.
O Ibovespa negocia hoje próximo a 8x lucros, bem abaixo da sua média histórica superior a 11x. Ok, todos nós estamos cansados dessa conversa de “a Bolsa está barata”.
Como até mesmo Santa Maria, Pinta e Niña viram nossas ações descontadas, o grande medo é de que o suposto value investing seja, na verdade, um enorme value trap.
A armadilha de valor condenaria o barato a ficar ainda mais barato. Sempre há essa possibilidade, claro. Somente o benefício da retrospectiva poderá nos dar a certeza.
Mas há algo diferente da situação atual perante outros momentos históricos de Bolsa barata. Em ocasiões semelhantes, os balanços eram problemáticos, a alavancagem era alta e os resultados pioravam com o passar do tempo. Agora, os múltiplos são bastante baixos e os lucros sobem cerca de 15%.
Aliás, as revisões mais recentes têm sugerido evoluções de 20% na média até 2025. Então, o múltiplo que estamos vendo agora de 8x é, na verdade, 6/7x logo ali na frente.
Não sou propriamente partidário da ideia de que a queda de juros pelo Fed vai catalisar um grande fluxo para emergentes e, sendo os adversários ainda piores do que o Brasil (sim, eles conseguem!), parte relevante desse capital viria para cá. Não há necessariamente uma vitória por WO. Pode simplesmente não haver esse jogo.
O sujeito não precisa ficar com a mulher mais feia da festa. Ele pode não ficar com ninguém. Não há garantia nenhuma de que, só porque os demais emergentes passam por situação difícil, o Brasil haverá de se destacar. Ser o melhor entre os piores talvez não seja suficiente.
Contudo, acho, sim, que os juros menores no exterior abaixam a barra e permitem que, criteriosamente, o investidor estrangeiro possa olhar para coisas na periferia.
Pode não ser um caso de fluxo indiscriminado para cá. Mas também não podemos ignorar que temos aqui boas empresas, com sólidos históricos de crescimento, bons managements e vantagens comparativas estruturais. Os tais “generais” da Bolsa brasileira têm suas virtudes próprias.
Diante da deterioração sistêmica das últimas semanas, não há muitas dúvidas de que não teremos um passeio no parque. Haverá bastante volatilidade, choro e ranger de dentes. Mas o Fed e os valuations muito baratos com lucros crescendo serão nossa ponte até 2026. A partir daí, o foco é outro e bastante óbvio.
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