Felipe Miranda: Testando o cercadinho
Scott Galloway costuma dizer que uma das dificuldades de se lidar com Elon Musk deriva do fato de que seu efeito líquido sobre a sociedade é claramente positivo
Scott Galloway costuma dizer que uma das dificuldades de se lidar com Elon Musk deriva do fato de que seu efeito líquido sobre a sociedade é claramente positivo. Então, se o sujeito nos traz grandes coisas boas, fica mais difícil condenar seus atos ruins.
A própria biografia de Musk, escrita por Walter Isaacson, que me parece, também em termos líquidos, claramente pró-biografado, mostra como o multibilionário tem um lado demoníaco – até mesmo autorreconhecido.
De alguma maneira, aplicamos aqui o velho conceito do “halo effect”. A percepção de que uma determinada virtude pessoal se espraia para uma qualificação geral da benevolência do personagem, ainda que, dentro de nós, saibamos que não há auréola nenhuma sobre a cabeça de ninguém.
Indiscriminada e democraticamente, dos miseráveis aos bilionários, todos convivemos com nossos médicos e monstros.
Medir o impacto líquido de uma força resultante, em que vários vetores atuam em direções diferentes, será sempre mais difícil do que mensurar uma única força. Resolver uma derivada parcial é mais simples do que um diferencial total.
Há um detalhe: a realidade objetiva costuma ser muito mais parecida com o último. No dia a dia, não conseguimos isolar variáveis, a não ser em testes de laboratório ou em exercícios de microeconomia sob a hipótese de “ceteris paribus”.
Leia Também
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
- VEJA TAMBÉM: você pode ser o próximo ganhador da Mega Millions – loteria americana que sorteia prêmio de R$ 4,5 bilhões nesta semana; veja como jogar
A instabilidade dos mercados brasileiros em agosto
Há algo capcioso em relação aos mercados locais desde o começo de agosto. A verdade é que o Brasil piorou nas últimas semanas. Enquanto isso, os ativos domésticos apresentaram valorização.
Quase a integralidade da melhora se deve ao nível excessivamente descontado de nossas principais variáveis financeiras somado à perspectiva de redução das taxas de juro internacionais.
Recentemente, o gestor Luis Stuhlberger, também ciente da importância dos efeitos líquidos e não absolutos, afirmou que a nomeação de Gabriel Galípolo é "uma notícia mais boa do que ruim”.
Dada a incerteza do processo, dadas as últimas declarações de Galípolo mais alinhadas ao livro-texto e, principalmente, consideradas as alternativas, Stuhlberger está correto. Lembra, inclusive, a caracterização do próprio gestor quando do anúncio do arcabouço fiscal: “melhor do que o temido, pior do que o desejado.”
É curioso, no entanto, como o Brasil celebra a mediocridade. Galípolo não dispõe de publicações acadêmicas em journals de primeira linha, não oferece uma carreira como empreendedor de destaque ou executivo com passagens por instituições renomadas, tampouco se alinha à ortodoxia esperada de um banqueiro central.
Com a devida honestidade intelectual, havemos de reconhecer sua recente tentativa de transmitir a ideia de alinhamento ao pensamento de Roberto Campos Neto e sinalizar continuidade após a transição. Mas os esforços para se mostrar um bom garoto e recuperar a credibilidade, embora sejam adequados e potencialmente bem-sucedidos, trazem custos.
Em busca da credibilidade perdida, há quem defenda uma alta de até 300 pontos-base da taxa Selic. Não é pouca coisa. E não nos iludamos: se vier algo dessa magnitude, haverá impacto sobre os lucros corporativos.
Entramos em 2024 esperando um juro básico de 8% em dezembro. O consenso de mercado agora aponta uma caminhada rumo a 12%.
A antítese à tese potencialmente diria que o aperto monetário se justifica pelo crescimento acima do esperado do PIB e da menor taxa de desemprego desde 2014. Há méritos no contra-argumento.
Contudo, boa parte da superação do PIB frente às estimativas de consenso no segundo trimestre advém do consumo do governo, enquanto o investimento frustrou as projeções.
- LEIA TAMBÉM: SD Select entrevista analista e libera carteira gratuita de ações americanas pra você buscar lucros dolarizados em 2024. Clique aqui e acesse.
A deterioração fiscal e o desafio da economia brasileira
A tentativa de crescimento a qualquer custo sugere pressões inflacionárias à frente e trajetória descontrolada da dívida pública, com riscos de perdermos a moeda. O crescimento do PIB virou uma obsessão, num pé na tábua de gastos, antecipação de benefícios e de medidas desesperadas.
A meta de superávit primário é a segunda obsessão do momento. Tergiversamos sobre o real problema fiscal brasileiro e tornamos a meta em si o objetivo final. Quebramos o termômetro porque ele indica febre do paciente. A febre continua lá, mas a nova medição cumpre a meta de temperatura corporal.
Mudamos a contabilização de precatórios, tiramos gastos com a recuperação do Rio Grande do Sul da conta, contabilizamos transferências para o programa Pé de Meia com certa elasticidade, colocamos tudo que podemos (e até o que não podemos) nas receitas oficiais.
Os paralelos com os anos recentes de contabilidade criativa são um tanto evidentes. Cumprimos a meta de superávit oficial, mesmo diante de deterioração fiscal e parafiscal.
A discussão recente sobre o Vale Gás daria inveja a Arno Augustin. Voltamos ao voluntarismo de uma intervenção atabalhoada, que desobedece às sinalizações do sistema de preços e impõe custo ao Tesouro. Se tínhamos medo de que o calendário eleitoral suscitaria populismo exagerado às vésperas das eleições de 2026, nem precisamos sofrer com a ansiedade: ele já começou.
Outro ponto da deterioração brasileira nas últimas semanas se liga à pior percepção sobre o risco institucional. Não é verdade que as redes sociais só sofram restrições e banimentos no Brasil e em países com pouca tradição democrática. Pavel Durov, fundador do Telegram, acaba de ser preso na França (Liberté, Igualité, Fraternité, nessa ordem, lembra?). O TikTok pode ser banido dos EUA, igualzinho ao Twitter por aqui. E a União Europeia também estuda sanções pesadas.
Agora, quando o STF mistura os canais e traz a Starlink para um rolo de uma outra empresa, atira contra princípios da lei das SAs e traz enorme insegurança jurídica. Será que já podemos pedir um engradado de Brahmas em troca dos problemas creditícios de Lojas Americanas (AMER3)?
Tudo acontecendo num mês de sazonalidade tipicamente mais fraca para as bolsas globais, quando, no âmbito local, encontramos com nosso maior fantasma. Agosto e setembro costumam expor nossa fragilidade fiscal porque ensejam o debate sobre o orçamento do ano seguinte.
A conclusão é aquela de sempre: o cobertor é curto, falta dinheiro, as receitas tributárias são superestimadas e as despesas subestimadas.
LEIA TAMBÉM: Felipe Miranda: Periculum in mora — bolhas especulativas e manipulação de mercado
Juros internacionais em queda e o futuro dos emergentes
Felizmente, há duas grandes forças impedindo uma deterioração maior dos mercados brasileiros.
A primeira decorre da perspectiva de redução das taxas de juro nos países desenvolvidos. Cerca de 80% dos principais Bancos Centrais do mundo se preparam para flexibilizar suas políticas públicas neste ano.
Nos EUA, devemos ter um orçamento em torno de dois pontos percentuais de queda da taxa básica para caminharmos para o neutro, algo típico dos ciclos monetários. Se há mesmo risco de recessão, então o juro básico deveria ir além do neutro.
Essa foi a grande força contrária ao fluxo de recursos para mercados emergentes desde 2022. Todo aquele vento de frente se transforma agora num empurrão favorável.
A barra estava muito alta para se olhar qualquer coisa que não fosse a renda fixa em dólar. Se o bond do JP Morgan paga 7% em dólar, não tem por que levantar do sofá.
Então, caímos numa circunstância peculiar. Enquanto o mundo afrouxa o torniquete monetário, o Copom deve apertá-lo. Estamos na contramão do mundo.
Isso contrata aumento substancial do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA, o que deveria apreciar nossa moeda, dado o carry mais atrativo – numa conta de padaria, se a Selic for 12% aqui e a Fed Funds Rate vier a 4%, estamos falando de uma diferença de 8 pontos percentuais. Não é pouca coisa.
A apreciação cambial esperada, somada à queda das commodities (o brent está hoje a US$ 70 por barril, enquanto o minério de ferro dá sinais de que pode perder os US$ 90 por tonelada em meio a importações fracas na China), sugere inflação de bens devidamente comportada.
Com o brent fraquejando e diante de eventual valorização do real, podemos flertar com a queda dos combustíveis ali na frente. Aos poucos, pelo repasse cambial, feita a reancoragem das expectativas, a inflação deveria se acomodar, abrindo espaço para uma Selic menor, talvez ainda no primeiro trimestre de 2025 -- não percamos de vista a deflação recém-anunciada em agosto.
A segunda grande força impedindo uma desvalorização maior de nossas ações a despeito da deterioração macroeconômica e sistêmica se liga ao valuation das empresas e aos lucros corporativos.
O Ibovespa negocia hoje próximo a 8x lucros, bem abaixo da sua média histórica superior a 11x. Ok, todos nós estamos cansados dessa conversa de “a Bolsa está barata”.
Como até mesmo Santa Maria, Pinta e Niña viram nossas ações descontadas, o grande medo é de que o suposto value investing seja, na verdade, um enorme value trap.
A armadilha de valor condenaria o barato a ficar ainda mais barato. Sempre há essa possibilidade, claro. Somente o benefício da retrospectiva poderá nos dar a certeza.
Mas há algo diferente da situação atual perante outros momentos históricos de Bolsa barata. Em ocasiões semelhantes, os balanços eram problemáticos, a alavancagem era alta e os resultados pioravam com o passar do tempo. Agora, os múltiplos são bastante baixos e os lucros sobem cerca de 15%.
Aliás, as revisões mais recentes têm sugerido evoluções de 20% na média até 2025. Então, o múltiplo que estamos vendo agora de 8x é, na verdade, 6/7x logo ali na frente.
Não sou propriamente partidário da ideia de que a queda de juros pelo Fed vai catalisar um grande fluxo para emergentes e, sendo os adversários ainda piores do que o Brasil (sim, eles conseguem!), parte relevante desse capital viria para cá. Não há necessariamente uma vitória por WO. Pode simplesmente não haver esse jogo.
O sujeito não precisa ficar com a mulher mais feia da festa. Ele pode não ficar com ninguém. Não há garantia nenhuma de que, só porque os demais emergentes passam por situação difícil, o Brasil haverá de se destacar. Ser o melhor entre os piores talvez não seja suficiente.
Contudo, acho, sim, que os juros menores no exterior abaixam a barra e permitem que, criteriosamente, o investidor estrangeiro possa olhar para coisas na periferia.
Pode não ser um caso de fluxo indiscriminado para cá. Mas também não podemos ignorar que temos aqui boas empresas, com sólidos históricos de crescimento, bons managements e vantagens comparativas estruturais. Os tais “generais” da Bolsa brasileira têm suas virtudes próprias.
Diante da deterioração sistêmica das últimas semanas, não há muitas dúvidas de que não teremos um passeio no parque. Haverá bastante volatilidade, choro e ranger de dentes. Mas o Fed e os valuations muito baratos com lucros crescendo serão nossa ponte até 2026. A partir daí, o foco é outro e bastante óbvio.
As lições da Black Friday para o universo dos fundos imobiliários e uma indicação de FII que realmente vale a pena agora
Descontos na bolsa, retorno com dividendos elevados, movimentos de consolidação: que tipo de investimento realmente compensa na Black Friday dos FIIs?
Os futuros dividendos da Estapar (ALPK3), o plano da Petrobras (PETR3), as falas de Galípolo e o que mais move o mercado
Com mudanças contábeis, Estapar antecipa pagamentos de dividendos. Petrobras divulga seu plano estratégico, e presidente do BC se mantém duro em sua política de juros
Jogada de mestre: proposta da Estapar (ALPK3) reduz a espera por dividendos em até 8 anos, ações disparam e esse pode ser só o começo
A companhia possui um prejuízo acumulado bilionário e precisaria de mais 8 anos para conseguir zerar esse saldo para distribuir dividendos. Essa espera, porém, pode cair drasticamente se duas propostas forem aprovadas na AGE de dezembro.
A decisão de Natal do Fed, os títulos incentivados e o que mais move o mercado hoje
Veja qual o impacto da decisão de dezembro do banco central dos EUA para os mercados brasileiros e o que deve acontecer com as debêntures incentivadas, isentas de IR
Corte de juros em dezembro? O Fed diz talvez, o mercado jura que sim
Embora a maioria do mercado espere um corte de 25 pontos-base, as declarações do Fed revelam divisão interna: há quem considere a inflação o maior risco e há quem veja a fragilidade do mercado de trabalho como a principal preocupação
Rodolfo Amstalden: O mercado realmente subestima a Selic?
Dentro do arcabouço de metas de inflação, nosso Bacen dá mais cavalos de pau do que a média global. E o custo de se voltar atrás para um formulador de política monetária é quase que proibitivo. Logo, faz sentido para o mercado cobrar um seguro diante de viradas possíveis.
As projeções para a economia em 2026, inflação no Brasil e o que mais move os mercados hoje
Seu Dinheiro mostra as projeções do Itaú para os juros, inflação e dólar para 2026; veja o que você precisa saber sobre a bolsa hoje
Os planos e dividendos da Petrobras (PETR3), a guerra entre Rússia e Ucrânia, acordo entre Mercosul e UE e o que mais move o mercado
Seu Dinheiro conversou com analistas para entender o que esperar do novo plano de investimentos da Petrobras; a bolsa brasileira também reflete notícias do cenário econômico internacional
Felipe Miranda: O paradoxo do banqueiro central
Se você é explicitamente “o menino de ouro” do presidente da República e próximo ao ministério da Fazenda, é natural desconfiar de sua eventual subserviência ao poder Executivo
Hapvida decepciona mais uma vez, dados da Europa e dos EUA e o que mais move a bolsa hoje
Operadora de saúde enfrenta mais uma vez os mesmos problemas que a fizeram despencar na bolsa há mais dois anos; investidores aguardam discurso da presidente do Banco Central Europeu (BCE) e dados da economia dos EUA
CDBs do Master, Oncoclínicas (ONCO3), o ‘terror dos vendidos’ e mais: as matérias mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matéria sobre a exposição da Oncoclínicas aos CDBs do Banco Master foi a mais lida da semana; veja os destaques do SD
A debandada da bolsa, pessimismo global e tarifas de Trump: veja o que move os mercados hoje
Nos últimos anos, diversas empresas deixaram a B3; veja o que está por trás desse movimento e o que mais pode afetar o seu bolso
Planejamento, pé no chão e consciência de que a realidade pode ser dura são alguns dos requisitos mais importantes de quem quer ser dono da própria empresa
Milhões de brasileiros sonham em abrir um negócio, mas especialistas alertam que a realidade envolve insegurança financeira, mais trabalho e falta de planejamento
Rodolfo Amstalden: Será que o Fed já pode usar AI para cortar juros?
Chegamos à situação contemporânea nos EUA em que o mercado de trabalho começa a dar sinais em prol de cortes nos juros, enquanto a inflação (acima da meta) sugere insistência no aperto
A nova estratégia dos FIIs para crescer, a espera pelo balanço da Nvidia e o que mais mexe com seu bolso hoje
Para continuarem entregando bons retornos, os Fundos de Investimento Imobiliários adaptaram sua estratégia; veja se há riscos para o investidor comum. Balanço da Nvidia e dados de emprego dos EUA também movem os mercados hoje
O recado das eleições chilenas para o Brasil, prisão de dono e liquidação do Banco Master e o que mais move os mercados hoje
Resultado do primeiro turno mostra que o Chile segue tendência de virada à direita já vista em outros países da América do Sul; BC decide liquidar o Banco Master, poucas horas depois que o banco recebeu uma proposta de compra da holding Fictor
Eleição no Chile confirma a guinada política da América do Sul para a direita; o Brasil será o próximo?
Após a vitória de Javier Milei na Argentina em 2023 e o avanço da direita na Bolívia em 2025, o Chile agora caminha para um segundo turno amplamente favorável ao campo conservador
Os CDBs que pagam acima da média, dados dos EUA e o que mais movimenta a bolsa hoje
Quando o retorno é maior que a média, é hora de desconfiar dos riscos; investidores aguardam dados dos EUA para tentar entender qual será o caminho dos juros norte-americanos
Direita ou esquerda? No mundo dos negócios, escolha quem faz ‘jogo duplo’
Apostar no negócio maduro ou investir em inovação? Entenda como resolver esse dilema dos negócios
Esse número pode indicar se é hora de investir na bolsa; Log corta dividendos e o que mais afeta seu bolso hoje
Relação entre preço das ações e lucro está longe do histórico e indica que ainda há espaço para subir mais; veja o que analistas dizem sobre o momento atual da bolsa de valores brasileira