Felipe Miranda: Pega ladrão (de bicicleta)
A volatilidade nos investimentos estimula o movimento adverso. Na hora do desespero, todos se assustam e acabam vendendo
Este texto contém spoilers. “Ladrões de Bicicleta” é um de meus filmes favoritos. O neorrealismo italiano em sua máxima potência. Não há maniqueísmo, discurso de coach, frases motivacionais, final feliz. A realidade, tal como ela é, crua e impiedosa, sem julgamentos.
Roma está empobrecida e sem perspectiva no pós-guerra. Antonio Ricci procura um emprego. Surge uma oportunidade para colar cartazes pela cidade. O trabalho exige uma bicicleta. Sua esposa Maria vende os lençóis de casa para poder comprar a bike. A mudança de vida é iminente.
Poucos dias depois de conseguir o emprego, no entanto, Antonio tem sua bicicleta roubada. Persegue o ladrão, sem sucesso. Vai à polícia, que também não faz muita coisa. Passa a contar apenas com a ajuda de amigos próximos, mas eles mesmos acabam desviando-se do propósito original, conforme as vicissitudes e adversidades da caminhada se ampliam. Resta a Antonio a companhia apenas de seu filho.
Quando finalmente encontra o ladrão de sua bicicleta e percebe que nada poder fazer, Antonio se desespera. Vai acabar perdendo o emprego e, com isso, toda a perspectiva de alimentar sua família e de prover condições mínimas para uma vida razoável.
Então, no ápice da angústia, ele mesmo acaba se transformando num ladrão de bicicleta, contra seus princípios e a honra de uma família reta.
Antonio Ricci se torna aquilo que mais repudiava. “What you fear the most could meet you halfway”, alertaria Eddie Vedder. “Eu sou eu e minha circunstância”, na sabedoria de Ortega y Gasset.
Leia Também
Flávio Day: veja dicas para proteger seu patrimônio com contratos de opções e escolhas de boas ações
O desempenho das economias e investimentos
Os índices de ações norte-americanos renovam recordes históricos em 2024. O japonês Nikkei atingiu seu maior patamar em 34 anos.
Enquanto isso, o Ibovespa cai 4,88% em janeiro. O SMAL11 recua ainda mais, 5,35%. Depois do rali de novembro e dezembro, seria natural alguma correção. Ok, normal. Também somos mais sensíveis ao comportamento do yield dos Treasuries, como qualquer outro mercado emergente.
Sim, sofremos ainda com o impasse na MP das desonerações (com toda sua preocupação fiscal) e com uma deterioração, na margem, das perspectivas de inflação no Brasil, a partir de uma dinâmica um pouco pior para os alimentos.
Mas tudo somado não parece ser suficiente para explicar o desempenho tão ruim das ações brasileiras neste início de 2024.
Identifico um elemento técnico importante nessa performance.
Muitos investidores institucionais locais tiveram um ano de 2023 bastante ruim. Já vinham sofrendo com resgates desde julho de 2021, quando o início da preocupação inflacionária e fiscal no Brasil catalisou um movimento de altas nos juros.
Todo o interesse foi canalizado para LCIs, LCAs, LIGs, CRIs, CRAs, junto ao infindável número de artigos incentivados brasileiros.
Então, em 2023, os multimercados locais tradaram Bolsa terrivelmente mal.
Essa turma vendeu no começo do ano com medo do Lula. Vendeu mais ainda na crise dos bancos regionais em março.
Então, o Fed conteve a crise, veio o arcabouço fiscal brasileiro, a reforma tributária… Haddad se aproximou de Roberto Campos Neto e surpreendeu positivamente o mercado. Um grande rali entre abril e junho. “Opa, agora vai.” Então, o pessoal voltou a comprar no final do primeiro semestre.
A economia norte-americana se mostrou mais forte do que o esperado, fomos para um cenário de “no landing”, sem muita demanda por Treasuries e com uma trajetória fiscal ruim nos EUA.
Os yields dos Treasuries dispararam e castigaram as bolsas. “Ixi, o juro vai explodir lá fora. Melhor vender ações.”
Chegamos ao final de outubro. A atividade começou a arrefecer nos EUA e a inflação cedeu. Rali enorme. A turma volta a ficar com medo de ficar de fora e compra acima dos 130 mil pontos. Bolsa tinha virado consenso.
- VEJA TAMBÉM: ONDE INVESTIR EM 2024: AÇÕES, RENDA FIXA, DIVIDENDOS, FIIS, BDRs E CRIPTOMOEDAS - INDICAÇÕES GRÁTIS
Surge um novo trader no mercado
Exemplo real da descrição de livro-texto sobre overtrading. A famosa corrida atrás do rabo.
Ocorre que entramos em 2024 e os ativos de risco brasileiros começaram a ir mal. O investidor deu aquela virada no calendário, planejamento para o próximo ano.
Viu as performances ruins para trás (certo ou errado, é assim que funciona) e apertou o botão para sacar. A volatilidade corrente da cota estimula o movimento adverso. O gestor resolve sair do risco.
Na hora do desespero, todos se assustam e acabam vendendo. O tal investidor fundamentalista vira trader de curtíssimo prazo, ávido pelo próximo evento capaz de guiar a ação. Torna-se aquilo que sempre detestou.
Era comprador de Itaú de longo prazo, interessado na gestão superior e na cabeça de engenheiro, com capacidade de se adaptar às mudanças de cenário, muito mais do que Santander e Bradesco.
Na segunda-feira de manhã, está perseguindo aluguel de ITUB, “porque a recompra vai precisar parar no período de blecaute pré-resultado.”
Finanças e alocações
Existe uma ideia de que só o investidor pessoa física, novato, incorre nesse tipo de comportamento. Não é verdade.
A crença reflete apenas o ar de superioridade moral e intelectual da Faria Lima, absolutamente desprovida de evidência empírica. Aliás, em 2023, quem vendeu nas mínimas e comprou nas máximas foi o institucional local.
É evidente que o comportamento fere o princípio elementar das finanças: compre barato, venda caro. Mas há explicações.
A maior parte dos modelos de alocação é feita a partir do conceito de VaR (valor em risco ou value at risk).
Conforme a volatilidade aumenta, o modelo entende como um incremento no risco. Então, cospe uma alocação sugerida mais conservadora.
O alocador de recursos, se segue seu modelo de risco, se vê obrigado a diminuir ainda mais as posições. Ele vende, o que aumenta a volatilidade, alimentando um ciclo vicioso.
Risco e investimentos
As Finanças Comportamentais oferecem uma outra perspectiva igualmente problemática para situações extremas e de perigo.
Empiricamente, foi constatado que as pessoas não são sempre avessas ou dispostas ao risco. A sua disposição a risco é afetada pelas circunstâncias.
Em situações de prejuízo ou de perigo, tendemos a ser dispostos a risco. Quando estamos mais confortáveis, preferimos ser conservadores.
Isso é bastante perigoso, porque quando a Bolsa cai e estamos no prejuízo, podemos aumentar as chances de fazer mais bobagem.
Investimentos e saúde em momentos de desconforto
É curioso como a dinâmica se repete nas finanças e na saúde física.
Na semana passada, gravei um podcast sobre “saúde financeira” com o querido Marcio Atalla (aliás, uma curiosidade interessante: ele me confidenciou ter estudado na mesma sala no colégio militar com um jovem chamado André Esteves, que disputava em todas as matérias o posto de Marechal, o título conferido ao melhor aluno — sim, o sucesso não é uma frase de efeito no Instagram, mas uma construção de décadas).
Marcio, que é insuportavelmente bonito, inteligente e educado (além de ídolo da minha mãe e da minha esposa ao mesmo tempo!), me contou como as pessoas tendem a tomar atitudes destruidoras de sua saúde, sobretudo em momentos de desconforto.
A performance dos ativos de risco brasileiros é desconfortante neste início de 2024. A tentação para se fazer besteira é grande.
Por mais desesperadora que a situação possa ser, roubar uma bicicleta na frente do seu filho pode ter consequências muito mais deletérias.
O ambiente econômico e financeiro será melhor neste ano. No bull market, a estratégia de “buy and hold” faz você ganhar dinheiro de verdade no “hold”. Aguente firme.
Os testes da família Bolsonaro, o sonho de consumo do Magalu (MGLU3), e o que move a bolsa hoje
Veja por que a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência derrubou os mercados; Magazine Luiza inaugura megaloja para turbinar suas receitas
O suposto balão de ensaio do clã Bolsonaro que furou o mercado: como fica o cenário eleitoral agora?
Ainda que o processo eleitoral esteja longe de qualquer definição, a reação ao anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro deixou claro que o caminho até 2026 tende a ser marcado por tensão e volatilidade
Felipe Miranda: Os últimos passos de um homem — ou, compre na fraqueza
A reação do mercado à possível candidatura de Flávio Bolsonaro reacende memórias do Joesley Day, mas há oportunidade
Bolha nas ações de IA, app da B3, e definições de juros: veja o que você precisa saber para investir hoje
Veja o que especialista de gestora com mais de US$ 1,5 trilhão em ativos diz sobre a alta das ações de tecnologia e qual é o impacto para o mercado brasileiro. Acompanhe também a agenda da semana
É o fim da pirâmide corporativa? Como a IA muda a base do trabalho, ameaça os cargos de entrada e reescreve a carreira
As ofertas de emprego para posições de entrada tiveram fortes quedas desde 2024 em razão da adoção da IA. Como os novos trabalhadores vão aprender?
As dicas para quem quer receber dividendos de Natal, e por que Gerdau (GGBR4) e Direcional (DIRR3) são boas apostas
O que o investidor deve olhar antes de investir em uma empresa de olho dos proventos, segundo o colunista do Seu Dinheiro
Tsunami de dividendos extraordinários: como a taxação abre uma janela rara para os amantes de proventos
Ainda que a antecipação seja muito vantajosa em algumas circunstâncias, é preciso analisar caso a caso e não se animar com qualquer anúncio de dividendo extraordinário
Quais são os FIIs campeões de dezembro, divulgação do PIB e da balança comercial e o que mais o mercado espera para hoje
Sete FIIs disputam a liderança no mês de dezembro; veja o que mais você precisa saber hoje antes de investir
Copel (CPLE3) é a ação do mês, Ibovespa bate novo recorde, e o que mais movimenta os mercados hoje
Empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a Copel é a favorita para investir em dezembro. Veja o que mais você precisa saber sobre os mercados hoje
Mais empresas no nó do Master e Vorcaro, a escolha do Fed e o que move as bolsas hoje
Titan Capital surge como peça-chave no emaranhado de negócios de Daniel Vorcaro, envolvendo mais de 30 empresas; qual o risco da perda da independência do Fed, e o que mais o investidor precisa saber hoje
A sucessão no Fed: o risco silencioso por trás da queda dos juros
A simples possibilidade de mudança no comando do BC dos EUA já começou a mexer na curva de juros, refletindo a percepção de que o “jogo” da política monetária em 2026 será bem diferente do atual
Tony Volpon: Bolhas não acabam assim
Wall Street vivencia hoje uma bolha especulativa no mercado de ações? Entenda o que está acontecendo nas bolsas norte-americanas, e o que a inteligência artificial tem a ver com isso
As lições da Black Friday para o universo dos fundos imobiliários e uma indicação de FII que realmente vale a pena agora
Descontos na bolsa, retorno com dividendos elevados, movimentos de consolidação: que tipo de investimento realmente compensa na Black Friday dos FIIs?
Os futuros dividendos da Estapar (ALPK3), o plano da Petrobras (PETR3), as falas de Galípolo e o que mais move o mercado
Com mudanças contábeis, Estapar antecipa pagamentos de dividendos. Petrobras divulga seu plano estratégico, e presidente do BC se mantém duro em sua política de juros
Jogada de mestre: proposta da Estapar (ALPK3) reduz a espera por dividendos em até 8 anos, ações disparam e esse pode ser só o começo
A companhia possui um prejuízo acumulado bilionário e precisaria de mais 8 anos para conseguir zerar esse saldo para distribuir dividendos. Essa espera, porém, pode cair drasticamente se duas propostas forem aprovadas na AGE de dezembro.
A decisão de Natal do Fed, os títulos incentivados e o que mais move o mercado hoje
Veja qual o impacto da decisão de dezembro do banco central dos EUA para os mercados brasileiros e o que deve acontecer com as debêntures incentivadas, isentas de IR
Corte de juros em dezembro? O Fed diz talvez, o mercado jura que sim
Embora a maioria do mercado espere um corte de 25 pontos-base, as declarações do Fed revelam divisão interna: há quem considere a inflação o maior risco e há quem veja a fragilidade do mercado de trabalho como a principal preocupação
Rodolfo Amstalden: O mercado realmente subestima a Selic?
Dentro do arcabouço de metas de inflação, nosso Bacen dá mais cavalos de pau do que a média global. E o custo de se voltar atrás para um formulador de política monetária é quase que proibitivo. Logo, faz sentido para o mercado cobrar um seguro diante de viradas possíveis.
As projeções para a economia em 2026, inflação no Brasil e o que mais move os mercados hoje
Seu Dinheiro mostra as projeções do Itaú para os juros, inflação e dólar para 2026; veja o que você precisa saber sobre a bolsa hoje
Os planos e dividendos da Petrobras (PETR3), a guerra entre Rússia e Ucrânia, acordo entre Mercosul e UE e o que mais move o mercado
Seu Dinheiro conversou com analistas para entender o que esperar do novo plano de investimentos da Petrobras; a bolsa brasileira também reflete notícias do cenário econômico internacional