Em exatamente 8 dias, a Americanas (AMER3) foi da descoberta de um rombo contábil de R$ 20 bilhões para um pedido de recuperação judicial, numa trajetória de destruição de valor que se alastrou como fogo no mato seco.
Além da apreensão que os trabalhadores da companhia devem ter sentido ao longo desses últimos dias, os acionistas que estavam comprados na varejista viram o valor cair a quase zero.
Os papéis, que já vinham em linha descendente desde o pico atingido no primeiro ano da pandemia, oscilavam num patamar entre R$ 8 e R$ 10 nos últimos meses. Após a descoberta do rombo, a ação caiu de um precipício.
Como tudo começou
A revelação do rombo contábil da Americanas (AMER3) aconteceu há pouco mais de uma semana. Começando do início, na quarta-feira da semana passada (11), depois do fechamento do mercado, a Americanas publicou um fato relevante na CVM informando sobre uma "inconsistência contábil" da ordem de R$ 20 bilhões.
O documento informava, ainda, que os recém-empossados CEO, Sergio Rial, e o diretor financeiro, André Covre, haviam renunciado aos cargos com apenas 10 dias de casa.
Na manhã seguinte, em uma teleconferência restrita promovida pelo banco BTG Pactual, Rial detalhou os problemas encontrados nas operações de risco sacado.
O risco sacado é uma modalidade de crédito feita entre empresas, instituições financeiras e fornecedores e funciona como uma antecipação de recebíveis. O problema é que ela tem um jeito de ser lançada nas demonstrações financeiras que não foi seguido pela Americanas durante anos, gerando uma distorção bilionária da saúde financeira da varejista.
A varejista montou um comitê independente para investigar o buraco. E enquanto ainda se digeria o que estava acontecendo, a ação da Americanas ficou em leilão durante a maior parte do pregão. Quando, finalmente, começou a ser negociada, já de tarde, abriu em queda de 76%.
Ao final daquela quinta-feira (12), a ação havia caído de R$ 12 para R$ 2,72, ou seja, um destruição de 77,3%.
Não parou por aí
E se a história já estava ruim, conseguiu ficar pior. Os sócios bilionários da Americanas Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira se dispuseram a fazer uma injeção de capital de R$ 6 bilhões para mitigar os efeitos da inconsistência contábil.
A proposta foi apresentada durante negociações que aconteceram na sexta-feira (13) com o ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, e alguns dos maiores bancos do Brasil. Mas os bancos julgaram o montante insuficiente e pressionaram os acionistas de referência.
O imbróglio ganhou contornos de disputa judicial ainda naquela sexta-feira, quando a Americanas obteve uma decisão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que suspendia qualquer vencimento antecipado de dívidas e bloqueio de bens da companhia.
No seu pedido à Justiça, a Americanas disse que alguns credores já a estavam notificando para declarar o vencimento antecipado das obrigações, citando especificamente uma dívida junto ao BTG Pactual no valor de R$ 1,2 bilhão. O documento trouxe, ainda, uma explicação na qual a dívida total da varejista chegada a R$ 40 bilhões.
Naquele dia, os papéis chegaram a mostrar uma recuperação de 15,81% e subiram para R$ 3,15. Porém, o desenrolar de uma disputa judicial com o BTG Pactual no fim de semana voltou a penalizar as ações.
BTG não deixou barato
O BTG entrou com recurso no plantão da Justiça fluminense contra a tutela cautelar da Americanas.
Numa argumentação recheada de palavras de efeito e acusações de fraude, o banco disse que, tão logo foi divulgado o fato relevante de 11 de janeiro, o vencimento de todas as operações de crédito entre as Americanas e o BTG foi acelerado, com compensação do saldo devedor em aberto com recursos mantidos pela empresa junto à instituição financeira.
Mas o juiz de plantão não considerou que o caso era urgente para ser julgado no domingo. Na segunda, o BTG fez nova tentativa e incluiu um pedido de transferência da arbitragem para São Paulo, mas o recurso foi negado.
Foi aí que o BTG decidiu entrar com mandado de segurança com pedido de liminar na terça-feira (17). A liminar foi concedida ontem (18) e, depois dela, outros bancos resolveram entrar na Justiça contra a tutela cautelar da Americanas.
Na manhã desta quinta-feira (19), a Americanas comunicou o mercado de que o caixa disponível da companhia chegou a apenas R$ 800 milhões e que o pedido de recuperação judicial era iminente. Algumas horas depois, a varejista protocolou o pedido e as ações despencaram mais de 20%.