A ordem dos fatores altera o produto: Entenda os impactos das falas de Haddad sobre cenário fiscal
Ao final do painel com gestores, o ministro da Fazenda deu o recado que o mercado queria ouvir em discurso moderado e conciliador
Nos últimos dois dias, investidores estiveram em peso no CEO Conference, evento do BTG Pactual que reuniu os principais nomes do mercado e da política. A agenda do último dia (quarta-feira) trazia na abertura o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seguido de um trio de gestores de peso: André Jakurski (JGP), Luis Stuhlberger (Verde) e Rogério Xavier (SPX).
Já não seria uma quarta-feira normal, mas os acontecimentos que vieram a seguir tornaram o dia ainda mais especial:
Um imprevisto ocasionou uma inversão na agenda: os gestores abriram o evento e Haddad falaria a seguir. O ministro, então, esperou sua vez sentado na primeira fileira, acompanhando o debate entre Jakurski, Stuhlberger e Xavier, que juntos respondem por mais de R$ 110 bilhões em ativos sob gestão.
Foi aí que a ordem dos fatores alterou o produto final: a nova agenda provocou um “diálogo indireto” entre os três titãs e o ministro, cujo saldo final eu contarei nas próximas linhas.
O diálogo entre Haddad e os três titãs
Quando os gestores começaram a discutir a meta de inflação atual (o debate econômico mais quente do momento e que tem colocado governo e Banco Central em extremos opostos), os três foram enfáticos ao dizer que ela precisa ser revisada.
“Buscar uma meta irrealista não faz bem para o Brasil”, mas isso tem que vir junto com um arcabouço fiscal crível, disse Stuhlberger, o único dos três que não estava remotamente no debate.
Jakurski reforçou que a meta está errada e que a prioridade deveria ser colocá-la no lugar certo, e não perseguir PECs que só terão resultados práticos em 5 ou 10 anos: “a ordem dos fatores altera o produto”, disse o fundador da JGP, que também defendeu baixar os juros assim que rever a meta: “baixar para 12% agora não mudaria nada, mas já temos cada vez mais empresas quebrando”.
Xavier, como de costume, foi mais vocal: lembrou que desde 1999 (quando implantamos o sistema de metas) só tivemos um ano com inflação abaixo de 3%, criticou a reticência dos economistas em “stopar” um erro de avaliação (pois essa meta foi definida 2 ou 3 anos atrás, num outro contexto) e, sabendo que Haddad estava presente no local, mandou um recado direto ao ministro:
“A meta está errada, por que não pode mudar? As expectativas já estão desancoradas! (...) Sabe qual é a nossa projeção de inflação para esse ano? 6%. Não estou dizendo que a meta tem que caminhar para 6%, mas o custo pra levá-la pra baixo vai ser muito grande porque ela é irreal (...) Ninguém tem coragem de chegar no ministro Haddad e falar: ministro, sabe qual é o problema da meta de inflação? É porque as pessoas não têm confiança no pacote fiscal que você está propondo (...) não é a meta de inflação, é a execução fiscal".
A fala veio seguida de aplausos de todos os presentes - ou quase todos.
No Twitter, resumiram esse trecho do painel em uma frase:
A hora de Haddad
Ao final do painel com gestores, foi a vez de Haddad falar. Ele não respondeu diretamente ao Xavier, mas deu o recado que o mercado queria ouvir: com um discurso moderado e conciliador, o ministro abaixou a temperatura do ambiente e aproveitou pra antecipar de abril para março a agenda de reformas.
A novidade “fez preço” ontem na bolsa. É isso mesmo, vivi pra ver a inusitada manchete “Ibov sobe por causa do Haddad”:
- Leia também: Música para os ouvidos do mercado? Haddad fala a investidores que pretende antecipar proposta de âncora fiscal
Nós vs Eles
Não achei que tudo foram flores no discurso do ministro: a cutucada desnecessária ao definir o mercado como “uma meninada que fica apertando ‘compra’ e ‘venda’ na frente de uma tela” e novas críticas à política de juros do Roberto Campos Neto só ajudam a manter viva essa richa de “Nós vs Eles” - sendo “nós” o governo e o povo que só querem o bem comum e “eles” o mercado opressor e malvado.
Para o bom funcionamento do mercado, o Brasil precisa estar com suas contas em um nível “quitável” e com projeção de que assim se manterá. Tão simples quanto isso.
No entanto, criticamos tanto o abismo entre as ideias do governo atual e do mercado que uma “conversa indireta” como a de ontem serviu para mostrar que, havendo boa vontade, é possível chegar num meio termo.
O Brasil e o plano fiscal
Xavier e companhia deram o recado: nos dê um plano fiscal confiável e os juros poderão cair. Haddad sinalizou que concorda com isso.
E em complemento a isso, hoje o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, deu uma longa entrevista no Valor falando que no novo arcabouço fiscal as despesas crescerão menos que as receitas durante algum tempo e que uma será vinculada à outra.
Mas entre a sinalização e a ação existe um precipício de distância, como escreveu hoje Dan Kawa no seu morning call, e o chefe do ministro precisa estar de acordo para que isso se torne realidade.
Tivemos uma quarta-feira bem importante para os mercados. Vou lembrá-la como o dia que a ordem dos fatores alterou o produto.
Que esse dia seja o início de algo bom e não uma saudade daquilo que não vivemos.
Um forte abraço,
Thiago Salomão
Rodolfo Amstalden: ChatGPT resiste às tentações de uma linda narrativa?
Não somos perfeitos em tarefas de raciocínio lógico, mas tudo bem: inventamos a inteligência artificial justamente para cuidar desses problemas mais chatos, não é verdade?
Ataque do Irã poderia ter sido muito pior: não estamos diante da Terceira Guerra Mundial — mas saiba como você pode proteger seu dinheiro
Em outubro, após o ataque do Hamas, apontei para um “Kit Geopolítico” para auxiliar investidores a navegar por esse ambiente incerto
Felipe Miranda: Cinco coisas que deveriam acabar no mercado financeiro
O sócio-fundador da Empiricus lista práticas do universo dos investimentos que gostaria de ver eliminadas
O que Elon Musk, Javier Milei, Alexandre de Moraes, o halving do bitcoin e a China têm em comum?
Acredite: tudo isso movimentou o mercado financeiro esta semana; veja os destaques
Meu dependente paga pensão alimentícia; posso abatê-la no imposto de renda?
Titular da declaração de imposto de renda declara o pai como dependente, e ele paga pensão alimentícia à mãe dela. E agora?
Enquanto você se preocupa com a Oi (OIBR3), esta empresa da B3 virou a campeã de qualidade no serviço de internet – e ainda está barata na bolsa
Para se diferenciar, essa companhia construiu uma infraestrutura de qualidade, que tem proporcionado prêmios de internet fixa mais rápida do Estado de São Paulo, à frente das gigantes de telecom
Rodolfo Amstalden: Quintal da China, quintal do mundo
Se a economia chinesa sofre, nós necessariamente compartilhamos dessa desgraça?
Juro real de volta aos 6%: com bolsa na pior e dólar nas alturas, essa é uma nova oportunidade?
Uma regra prática comum para investimentos em renda fixa no Brasil sugere vender títulos quando os juros reais atingem 3% e comprá-los a 6%
Além do bitcoin (BTC): esta carteira já rendeu 447% acima da maior criptomoeda do mercado
Acredito que exista uma forma melhor de pensar sobre a ciclicidade do preço do bitcoin (BTC), que historicamente nos ajudou a gerar alfa neste mercado
Argentina entra na rota de ‘paraíso fiscal’, China encara mesma crise do Japão e inteligência artificial “sugando” o Ibovespa — veja tudo o que foi destaque na semana
A crise e os seus reflexos no país vizinho no Brasil despertaram o interesse dos leitores do Seu Dinheiro nos últimos dias
Leia Também
-
Como declarar opções de ações no imposto de renda
-
Esquenta dos mercados: Bolsas internacionais sobem com movimento de caça às barganhas; Ibovespa acompanha agenda de Haddad e Campos Neto hoje
-
O maior bilionário do planeta ficou quase R$ 30 bilhões mais rico hoje. O que fez a fortuna do dono da Dior e da Louis Vuitton disparar?
Mais lidas
-
1
Klabin (KLBN11) e Gerdau (GGBR4) vão distribuir mais de R$ 5,5 bilhões em ações; veja como vai funcionar a bonificação
-
2
Meu CRI, Minha Vida: em operação inédita, Opea capta R$ 125 milhões para financiar imóvel popular de clientes da MRV
-
3
Juros em alta? Presidente do Fed fala pela primeira vez após dado de inflação e dá sinal claro do que vai acontecer nos EUA — bolsas sentem