Felipe Miranda: O mal é bom e o bem, cruel
Ao forçar a queda de juro com discursos inflamados, antecipar a regra fiscal para antes do Copom e cobrar politicamente um gesto público de Roberto Campos Neto, o governo Lula colhe mais juro, mais dólar e mais expectativa de inflação.

"Ela me conta, sem certeza
Tudo que viveu
Que gostava de política
Em mil novecentos e sessenta e seis
E hoje dança no Frenetic Dancing Days”
Tigresa - Caetano Veloso
“Não fosse pela grande variabilidade entre os indivíduos, a medicina seria apenas uma ciência e não uma arte, ao mesmo tempo.” William Osler pensava, claro, em seu tratado de clínica médica e na criação da Universidade John Hopkins, no contexto da frase, mas bem que poderia falar sobre a Economia, mais precisamente sobre a política econômica.
Acaba de ser lançado o livro “A arte da Política Econômica”, de organização de José Augusto Fernandes, um compilado de relatos pessoais de formuladores da política econômica brasileira recente.
O título da obra me parece especialmente feliz. Com o perdão do aparente paradoxo, uma ciência aplicada só pode ser exercida em plenitude se combinada à arte.
A atividade jamais poderá se dar a partir da mera aplicação direta e imediata de conhecimentos científicos em problemas práticos, sem o apoio da empatia, de intuições, de conhecimento tácito em prol de reconhecimento de padrões, de sensibilidade política, de interesse pela condição humana.
Somente a partir da união do respeito à fronteira do conhecimento e à ciência com a sensibilidade prática poderemos avançar. A arte em sintonia com a ciência.
Leia Também
Para o caso da Economia, o exercício precisa ainda ser feito com muita humildade intelectual, porque a impermeabilidade do futuro e a idiossincrasia das interações dos agentes econômicos nos remetem a um ambiente de incertezas, probabilidades, eventos raros, surpresas, particularidades e cenários inesperados.
De um lado, há, por vezes, a frieza do pesquisador platônico, incapaz de admitir as fragilidades de suas descobertas. De outro, ocorre a apropriação do monopólio da virtude, normalmente pela esquerda, que atribui falta de empatia e de consideração pelas mazelas da população mais desfavorecida aos técnicos.
Vivemos o problema agora no Brasil.
- Leia também: Penitências marcadas a mercado
Inflação e juro alto: a difícil missão da política monetária
Temos uma questão de difícil resolução para a política monetária. Mesmo as respostas mais técnicas e elaboradas da Academia encontram suas restrições.
O PIB desacelera em ritmo superior ao previamente contemplado e existe uma crise de crédito já em curso e com chances reais de degringolar, levando a um potencial processo de ruptura e histerese.
Ao mesmo tempo, a inflação e suas expectativas mostram sinal de resistência. Em paralelo, carregamos um importante problema fiscal. Tanto o nível (cerca de 15 pontos percentuais acima de países pares) quanto a dinâmica da dívida/PIB preocupam, sem sermos capazes de enxergar uma trajetória crível à frente. Cresce a desconfiança sobre a moeda, as expectativas desancoram.
E, se antes tínhamos no formalismo do Copom o sistema de metas de inflação basicamente com o compromisso quase único de garantir a variação para o IPCA predeterminada pelo CMN, agora também existe o objetivo explícito, ainda que secundário, de zelar pelo pleno emprego, numa maior aproximação ao arcabouço da regra de Taylor.
Manter os juros tão altos por muito tempo pode ensejar uma grande quebradeira e uma crise financeira sistêmica. Você nunca sabe exatamente qual vareta pode ser retirada sem que o edifício todo desabe.
Cortar os juros antecipadamente, em contrapartida, implicaria inflação e expectativas piores, com provável aumento da inclinação da curva de juros (disparada dos juros futuros mais longos, prejudicando investimentos ainda mais). Perderíamos a também âncora monetária, sendo que já estamos sem âncora fiscal. Nau à deriva.
- O SEGREDO DOS MILIONÁRIOS: as pessoas mais ricas do Brasil não hesitam em comprar ações boas pagadoras de dividendos. Veja como fazer o mesmo neste treinamento exclusivo que o Seu Dinheiro está liberando para todos os leitores.
Arcabouço fiscal é o caminho?
Só haveria um caminho, imposto pela inexorável força da realidade: criar um arcabouço fiscal crível e reconhecer, na retórica e na prática, a formação de expectativas de juro, câmbio e inflação por meio de um processo técnico.
Com a credibilidade das políticas fiscal e monetária restabelecida e com harmonia entre elas, o CMN poderia, tecnicamente, rever as metas de inflação à frente, com uma convergência a níveis mais baixos de inflação acontecendo de maneira mais lenta e suave, sem impor sobressaltos relevantes e aliviando as condições financeiras, o que inibiria a crise de crédito em curso.
Teria sido criado o espaço para a tal empatia entrar em cena. Os juros cairiam e entraríamos em ciclo virtuoso. Lula tem todas as condições para criar esse ambiente. Goza da simpatia da comunidade financeira internacional, é um líder capaz de mobilizar massas e acordos políticos, foi eleito por uma Frente Ampla, já governou com uma política econômica ortodoxa.
Infelizmente, porém, parece insistir em apropriar-se do monopólio da virtude, como se os juros altos fossem resultado de uma canetada do cidadão bolsonarista infiltrado em seu governo.
O bonzinho preocupado com os mais carentes contra os maldosos rentistas, um discurso cansativo e mentiroso, datado de 1966, quando os manuais da Cepal ou, pior, os livros vermelhos (que não são o de Carl Jung) ainda encontravam alguma ressonância na Academia.
Inflação e juro: as escolhas de Lula
Ao forçar a queda de juro com discursos inflamados, antecipar a regra fiscal para antes do Copom e cobrar politicamente um gesto público de Roberto Campos Neto, o governo Lula colhe mais juro, mais dólar e mais expectativa de inflação.
Se o governo realmente quer juros mais baixos, precisa parar de falar a respeito, porque soa interferência e perda de credibilidade.
Lula erra ao dizer que foi eleito com votos e, portanto, pode fazer sua política monetária. De fato, ele pode – mas deve?
Como gosta de resumir Pondé, quem se acha muito do bem é certamente do mal. O juro não vai cair por voluntarismo ou vontade política.
Caetano estava certo: o mal é bom e o bem, cruel. Por ora, o juro alto é um mal necessário para domar a inflação. Arrumem o fiscal, parem de falar bobagem. Antes disso, nada feito. Deixem o "cidadão" trabalhar.
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA
O declínio do império americano — e do dólar — vem aí? Saiba também o que mexe com os mercados hoje
No cenário nacional, investidores repercutem ligação entre Lula e Trump; no exterior, mudanças políticas na França e no Japão, além de discursos de dirigentes do Fed
O dólar já não reina sozinho: Trump abala o status da moeda como porto seguro global — e o Brasil pode ganhar com isso
Trump sempre deixou clara sua preferência por um dólar mais fraco. Porém, na prática, o atual enfraquecimento não decorre de uma estratégia deliberada, mas sim de efeitos colaterais das decisões que abalaram a confiança global na moeda
Felipe Miranda: Lições de uma semana em Harvard
O foco do curso foi a revolução provocada pela IA generativa. E não se engane: isso é mesmo uma revolução
Tudo para ontem — ou melhor, amanhã, no caso do e-commerce — e o que mexe com os mercados nesta segunda-feira (6)
No cenário local, investidores aguardam a balança comercial de setembro; no exterior, mudanças de premiê na França e no Japão agitam as bolsas
Shopping centers: é melhor investir via fundos imobiliários ou ações?
Na última semana, foi divulgada alteração na MP que trata da tributação de investimentos antes isentos. Com o tema mais sensível retirado da pauta, os FIIs voltam ao radar dos investidores
A volta do campeão na ação do mês, o esperado caso da Ambipar e o que move os mercados nesta sexta-feira (3)
Por aqui, investidores ainda avaliam aprovação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil; no exterior, todos de olho no shutdown nos EUA, que suspendeu a divulgação de dados econômicos
Tragédia anunciada: o que a derrocada da Ambipar (AMBP3) ensina sobre a relação entre preço e fundamento
Se o fundamento não converge para o preço, fatalmente é o preço que convergirá para o fundamento, como no caso da Ambipar
As críticas a uma Petrobras ‘do poço ao posto’ e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (2)
No Brasil, investidores repercutem a aprovação do projeto de isenção do IR e o IPC-Fipe de setembro; no exterior, shutdown nos EUA e dados do emprego na zona do euro
Rodolfo Amstalden: Bolhas de pus, bolhas de sabão e outras hipóteses
Ainda que uma bolha de preços no setor de inteligência artificial pareça improvável, uma bolha de lucros continua sendo possível
Um ano de corrida eleitoral e como isso afeta a bolsa brasileira, e o que move os mercados nesta quarta-feira (1)
Primeiro dia de outubro tem shutdown nos EUA, feriadão na China e reunião da Opep
Tão longe, tão perto: as eleições de 2026 e o caos fiscal logo ali, e o que mexe com os mercados nesta terça-feira (30)
Por aqui, mercado aguarda balança orçamentária e desemprego do IBGE; nos EUA, todos de olho nos riscos de uma paralisação do governo e no relatório Jolts
Eleições de 2026 e o nó fiscal: sem oposição organizada, Brasil enfrenta o risco de um orçamento engessado
A frente fiscal permanece como vetor central de risco, mas, no final, 2026 estará dominado pela lógica das urnas, deixando qualquer ajuste estrutural para 2027
Tony Volpon: O Fed e as duas economias americanas
Um ressurgimento de pressões inflacionárias ou uma fraqueza inesperada no mercado de trabalho dos EUA podem levar a autarquia norte-americana a abortar ou acelerar o ciclo de queda de juros
B3 deitada em berço esplêndido — mas não eternamente — e o que mexe com os mercados neste segunda-feira (29)
Por aqui, investidores aguardam IGP-M e Caged de agosto; nos EUA, Donald Trump negocia para evitar paralisação do governo
Pequenas notáveis, saudade do que não vivemos e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (26)
EUA aguardam divulgação do índice de inflação preferido do Fed, enquanto Trump volta a anunciar mais tarifas