A obtenção do conhecimento pode causar dois efeitos bem distintos em nós: podemos subestimar o grau de dificuldade que é saber algo ou superestimar a facilidade de saber alguma coisa quando já a conhecemos.
Ou melhor, uma vez que você conheça algo ou aprenda um novo conceito, fica muito difícil pensar no mundo sem saber aquilo que você acabou de aprender. Portanto, uma vez que você sabe algo, é muito difícil imaginar como é não saber o que você sabe.
Eu até já havia sido apresentado a esse raciocínio antes, mas foi nesta semana – em um dos módulos do curso de negócios da Wharton que estou fazendo – em que tive contato com o embasamento disso por meio de um experimento.
Wimmer e Perner (1983), num trabalho intitulado "Crenças sobre crenças: representação e função restritiva de crenças erradas na compreensão do engano por crianças pequenas" apresentam o estudo feito em uma sala de aula.
Uma professora tem em suas mãos uma caixa com uma etiqueta escrito "chocolates". Uma criança pequena entra na sala, vê a professora e a cumprimenta. A professora entrega à criança esta caixa, que fica profundamente animada, achando que tem chocolate ali.
A criança abre a caixa e descobre, com grande desgosto, que havia lápis dentro, não chocolate. A professora acolhe empaticamente a decepção do pequeno e parte para a próxima etapa da experiência:
"Ok, sua amiga entrará na sala de aula daqui a pouco, o que você acha que ela pensará que está dentro desta caixa? A caixa estará fechada, então ela não será capaz de ver nada do conteúdo. O que você acha que ela vai dizer?”
E ele responde: “Lápis”.
Ou seja, ele atualizou sua compreensão do mundo com base nessa nova informação, o que poderia ser bom.
Entretanto, ele também passou a pressupor que todos no mundo, incluindo pessoas que não tiveram a experiência que ele teve, também teriam a mesma compreensão da realidade. Esse experimento abarca a Teoria da mente e tarefas de crença falsa.
Embora o estudo preveja que isso aconteça até uma certa idade na infância, observo muitas pessoas cometendo esse mesmo erro na fase adulta (incluo-me nesse grupo).
Apesar de desenvolvermos uma compreensão mais sofisticada da realidade como adultos, tendemos a cair em armadilhas e situações semelhantes, com muito mais frequência do que gostaríamos de admitir.
E o que isso tem a ver com carreira?
- Ao assumir cargos mais relevantes e seniores, lembre-se que você também já foi um iniciante naquilo
Quanto mais experiente você se torna em determinada atividade, muito provavelmente mais distante das informações e experiências do nível iniciante você fica.
Dois bons exemplos: o primeiro é a atividade de dirigir um veículo. Imagine que você já tem alguns anos acumulados de prática. Transporte-se agora para a posição de um instrutor de autoescola. Você consegue se ver como um bom professor para uma pessoa novata no volante?
Eu acho que nem saberia por onde começar explicando qual seria o primeiro comando. Afinal, o ato de conduzir um carro é algo aprendido há tantos anos no meu caso, em que o meu conhecimento já está em um nível quase subconsciente. Eu já nem penso mais objetivamente como dirigir.
E o segundo exemplo tem a ver com técnicos de atletas e times.
É muito comum - e quase natural - ver atletas ao final do ciclo no esporte migrarem para a posição de treinadores. E há casos muito bem sucedidos, como vários outros que se tornam um fiasco.
Acho que a diferença daquele que tem sucesso para os demais é justamente o nível de consciência sobre a lacuna que se cria entre a larga experiência e aqueles que estão começando.
Em outras palavras, é necessário um exercício de muita humildade por parte dos treinadores mais experientes de se colocar de forma muito empática e didática à frente daquele que está iniciando.
- A abstração pode te levar a um lugar inacessível – o que, como líder, deveria ser evitado.
Conforme as pessoas vão se consolidando como especialistas em um tema, elas passam a pensar de forma mais abstrata sobre tópicos complexos. E criam mais conexões entre ideias aparentemente díspares que outras pessoas iniciantes naquele tema não conseguem enxergar.
A partir disso, podem resultar comportamentos de isolamento, porque você passa a não conseguir dialogar com quem está no início de carreira, por exemplo.
Ou, ainda, a falta de conexão com o campo da execução das coisas, uma competência essencial para as pessoas independentemente do seu nível de maturidade e conhecimento.
Afinal, em alguma proporção é preciso traduzir ideias em planos práticos.
Uma outra consequência prática da alta especialização ou maestria em um determinado tema é a construção do campo linguístico. Quanto mais experiente, maior a tendência a adotar terminologias técnicas e jargões específicos, assumindo que outras pessoas sabem o que está sendo dito.
É por isso que, com muita frequência, quando estamos diante de um grande mestre em um tema, pensamos que ele está intencionalmente tentando nos confundir ou parecer inteligente, quando, na realidade, isso é resultado apenas da lacuna entre a linguagem de um especialista e um principiante.
Quantas vezes você entrou em uma conversa com alguém que é reconhecidamente brilhante em um assunto ou tema, mas depois de meia hora de conversa com a pessoa, você está muito mais confuso do que quando entrou no papo?
Lembre-se, portanto, de que seremos sempre duas coisas: às vezes especialistas em algo e iniciante em vários outros.
Se você estiver em uma posição de liderança, é preciso recordar que você já esteve naquela posição de novato e que provavelmente você tinha muito mais dúvidas e perguntas do que certezas.
Ser um bom líder é estar constantemente neste lugar de rememorar os passos anteriores na carreira, sendo uma oferta mais empática e inspiradora para os outros.
Este tópico da abstração nos leva ao último.
- Você supõe que outras pessoas pensam sobre as coisas da mesma maneira, mas elas não pensam.
Na dúvida, comunique e cheque se o seu entendimento sobre determinada coisa é o mesmo do seu interlocutor. O que é óbvio para mim não necessariamente é óbvio para o outro.
O que quero propor aqui é um exercício para contornar a ilusão da obviedade tão comum e presente nas relações dos times: "Poxa, mas é tão claro que ele deveria ter entendido isso".
Será?
Prefiro o excesso de comunicar à escassez de não falar por acreditar que algo já é sabido por todos.
Por fim, lembre-se que quando estamos em níveis muito especializados em um determinado conhecimento, podemos estar nos comunicando demasiadamente de forma abstrata.
E, pensando nos times de alta performance, uma das características comuns a todos é a capacidade de se comunicar com clareza, com pedidos bem clarificados e promessas entendidas por todos da equipe.
Seja concreto e específico, principalmente sobre as atividades rotineiras.
Deixe aquela postura filosófica e estratégica, tão típica dos grandes líderes, para os momentos em que o mais importante for a dimensão inspiracional do seu papel.
Na lida diária do trabalho, as pessoas no fundo querem saber o que precisa ser feito, com clareza do que é importante e pelo qual elas serão avaliadas a posteriori. Back to basics. Sempre.
Até a próxima!