Na véspera do 31 de março de 1964…
“Tento ensinar-lhe que os amantes da verdade
não temem águas tempestuosas ou turvas.
O que tememos são águas rasas.”
Quando Nietzsche Chorou — Irvin Yalom
Em 30 de março de 1964, João Goulart compareceu a uma reunião de sargentos no Automóvel Clube para famoso discurso em prol de reformas pretendidas pelo governo e para convocar o apoio das Forças Armadas. Encerrou assim:
“Esse é o dinheiro graúdo. Se os sargentos me perguntarem sobre o dinheiro mais miúdo, mas também muito poderoso, eu diria que é o dinheiro dos proprietários profissionais de apartamentos em todo o Brasil, de apartamentos que estavam sendo negados aos brasileiros, de apartamentos que não se alugavam mais em cruzeiros, de apartamentos cujo aluguel já se exigia pagamento em dólar, como se Copacabana fosse um país estrangeiro, como se os brasileiros vivessem subordinados a outros interesses. É o dinheiro, por outro lado, senhores sargentos, de comerciantes desonestos que estavam explorando e roubando o povo brasileiro e que o governo, no direito legítimo que lhe confere a lei, defendeu e deu ordem ao Ministro Jurema para que não mais permitisse a exploração e que defendesse o povo em toda a sua integridade. Enfim, trabalhadores, enfim, militares, enfim, brasileiros, é o dinheiro dos grandes laboratórios estrangeiros de medicamentos. De laboratórios que terão que cumprir a lei ou terão que ser subordinados à lei porque o Presidente da República não vacilará um instante sequer na execução de todas as leis e de todos os decretos.”
O então presidente da República não conseguiu cumprir sua promessa de não vacilar na execução de todas as leis e de todos os decretos. No dia seguinte, ocorreria o golpe (para alguns historiadores, civil-militar) que culminaria no regime militar brasileiro, prevalecente até 1985.
Leia Também
A troca de ministros ocorrida, em sua magnitude e extensão, de maneira súbita ontem encontrou na imprensa e até mesmo em experientes analistas de mercado paralelos com aquele março de 1964. Seja pela proximidade no calendário ou pelo nível de surpresa e agitação, que trouxe variadas especulações, incluindo o risco de ruptura institucional. Ricardo Kotscho, colunista do UOL, por exemplo, escreveu que a falta de apoio das Forças Armadas na sua tentativa de decretar Estado de Sítio foi a principal razão para Bolsonaro demitir sumariamente o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
Talvez haja mesmo algum esgarçamento na relação entre o Exército e o presidente da República, com, de fato, certo desgaste institucional. Ao mesmo tempo, precisamos ver a coisa com o devido afastamento. Uma das maiores habilidades de um grande investidor está em separar o que é ruído (mera perturbação aleatória) do que realmente é sinal (uma efetiva mudança de fundamentos). No momento em que o investidor deixa suas decisões serem contaminadas pela emoção, pela ideologia e pelas preferências individuais, sobrepujando a racionalidade, ele está morto.
Ontem, certamente tivemos muito barulho. Ruídos por todo lado. Tanta coisa e mudanças acontecendo ao mesmo tempo. Difícil até saber quem é quem.
Tornando curta uma longa história e focando naquilo que nos interessa como analistas de investimentos, cujos comentários políticos (após conversar e ler analistas políticos competentes) circunscrevem-se apenas ao escopo ligado às suas consequências para o mercado de capitais (por favor, entenda isso! Ninguém aqui tem político de estimação; tratamos do tema apenas por dever de ofício, porque isso impacta os investimentos), resumo a coisa da seguinte forma:
1 — A movimentação da véspera é, sim, uma vitória do Centrão. Mas há de se observar isso com cautela. O Centrão é, por definição, superlativo. Ele é grande demais. Há vários centrões dentro do Centrão. Aquele que sai vitorioso, sobretudo com a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo da Presidência da República, é aquele de Arthur Lira, que, por sua vez, tem lutado batalhas ao lado do ministro Paulo Guedes em prol das reformas e de uma postura mais fiscalista. A própria deputada Flávia Arruda também adotou postura semelhante nos últimos dois anos. A nomeação é um aceno ao Congresso, num momento em que precisamos superar aquele fatídico Orçamento inexequível, é uma vitória também do Ministério da Economia. Depois de um cartão amarelo, opta-se por uma postura menos agressiva e combativa.
2 — A troca de Ernesto Araújo por Carlos Alberto França vai no mesmo sentido. Alivia as tensões com o Senado depois do recrudescimento das relações, sobretudo no final de semana, traz um perfil menos beligerante e estridente às Relações Exteriores, facilitando inclusive a relação com outros ministérios, e permitindo uma diplomacia, ao menos na margem, menos ideológica e mais pragmática. Melhora a ambiência com a embaixada da China, que é um dos principais exportadores de imunizantes contra o coronavírus.
3 — Desavenças, algumas até importantes, e resistências dentro da ala militar, até mesmo algum esgarçamento na relação, não significa ruptura. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Não há porque pular apressadamente para conclusões. Os militares têm a devida compreensão de seu papel institucional.
Ninguém espera águas calmas e cristalinas no Brasil. Ao mesmo tempo, como Nietzsche tenta ensinar a Breuer no livro de Irvin Yalom, tememos muito as análises rasas. Elas preocupam mais do que a volatilidade.
A exemplo do personagem do livro ou da dor nas costas de George Soros, representação material da intuição capaz de identificar um desajuste em seu portfólio, também sinto dor física com certas percepções sobre ativos em Bolsa.
Como Bertha Pappenheim, permito-me aqui o método de “limpeza de chaminé”, como se pudesse espiar o próprio desespero a partir da escrita:
— Atenção especial para o IPO da Raízen e o que isso pode representar para Cosan. Segundo a imprensa, bancos já estariam contratados para a operação. Nenhuma surpresa, claro, é a turma de sempre — aliás, uma elucubração aqui: por que o BTG não troca a BW pelo Rubens na Eneva? Seria uma boa, hein? Bom, voltando do devaneio… nem vamos supor que Raízen saia aos 15 vezes Ebitda de Neste, a referência europeia de renováveis, ou algo como R$ 100 bilhões. Vamos tentar algo como 10 vezes Ebitda, que já seria formidável. O Grupo todo poderia negociar a 10 vezes. Temos algo como R$ 10 bilhões de Ebitda. Ou seja, EV de R$ 100 bilhões. Para a dívida de R$ 26 bilhões, valor justo do equity de R$ 74 bilhões, upside de 75%.
— Lojas Americanas é a ação mais mal-apreçada aos níveis atuais. Ignora por completo o deal que vem pela frente, sendo que não demora muito para sabermos a relação de troca com B2W. Seja qual for, a operação traz muita sinergia, mais liquidez, simplificação da estrutura societária, melhora de governança. Tese secular de e-commerce e pega abertura na veia com o varejo físico também. Combinação muito boa para transitar num mundo que cada vez mais vai cobrar o omnichannel. Outro devaneio: e se Lame fizesse um tender offer de Pão de Açúcar? Toma isso a cerca de 30-40% pra cima, limpa o francês, que todo mundo sabe que é um controlador complicado, faz um deal accretive e já posiciona a empresa em outro patamar no ramo de alimentos.
— Poucas vezes vi incorporadoras em situação tão boas e tão baratas. Acho que nunca vi para falar a verdade, porque esse nível de controle de orçamento e dos parceiros de obra não existia no último ciclo. Era um risco enorme de execução que diminuiu muito com a tecnologia. Hoje, você monitora todo o avanço de obra e o custo num app (ao menos, quem faz direito, claro). É muito mais difícil ter grande estouro de orçamento agora, é tudo SAP monitorado num dashboard do Tableau. Então, você tem home builders com caixa e pouco estoque negociando abaixo do valor do ativo líquido e do valor de liquidação, com muito menos risco de execução. Quando a curva de juro se acalmar minimamente, e ela precisa se acalmar, porque do contrário o Brasil quebra, o setor vai andar 30-40% em um mês. Minhas preferidas são Mitre e Direcional, mas a verdade é que poderíamos raspar um basket aqui.
Crônica de uma tragédia anunciada: a recuperação judicial da Ambipar, a briga dos bancos pelo seu dinheiro e o que mexe com o mercado hoje
Empresa de gestão ambiental finalmente entra com pedido de reestruturação. Na reportagem especial de hoje, a estratégia dos bancões para atrair os clientes de alta renda
Entre o populismo e o colapso fiscal: Brasília segue improvisando com o dinheiro que não tem
O governo avança na implementação de programas com apelo eleitoral, reforçando a percepção de que o foco da política econômica começa a se deslocar para o calendário de 2026
Felipe Miranda: Um portfólio para qualquer clima ideológico
Em tempos de guerra, os generais não apenas são os últimos a morrer, mas saem condecorados e com mais estrelas estampadas no peito. A boa notícia é que a correção de outubro nos permite comprar alguns deles a preços bastante convidativos.
A temporada de balanços já começa quente: confira o calendário completo e tudo que mexe com os mercados hoje
Liberamos o cronograma completo dos balanços do terceiro trimestre, que começam a ser divulgados nesta semana
CNH sem autoescola, CDBs do Banco Master e loteria +Milionária: confira as mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matérias sobre o fechamento de capital da Gol e a opinião do ex-BC Arminio Fraga sobre os investimentos isentos de IR também integram a lista das mais lidas
Como nasceu a ideia de R$ 60 milhões que mudou a história do Seu Dinheiro — e quais as próximas apostas
Em 2016, quando o Seu Dinheiro ainda nem existia, vi um gráfico em uma palestra que mudou minha carreira e a história do SD
A Eletrobras se livrou de uma… os benefícios da venda da Eletronuclear, os temores de crise de crédito nos EUA e mais
O colunista Ruy Hungria está otimista com Eletrobras; mercados internacionais operam no vermelho após fraudes reveladas por bancos regionais dos EUA. Veja o que mexe com seu bolso hoje
Venda da Eletronuclear é motivo de alegria — e mais dividendos — para os acionistas da Eletrobras (ELET6)
Em um único movimento a companhia liberou bilhões para investir em outros segmentos que têm se mostrado bem mais rentáveis e menos problemáticos, além de melhorar o potencial de pagamento de dividendos neste e nos próximos anos
Projeto aprovado na Câmara permite divórcio após a morte de um dos cônjuges, com mudança na divisão da herança
Processos iniciados antes do falecimento poderão ter prosseguimento a pedido dos herdeiros, deixando cônjuge sobrevivente de fora da herança
A solidez de um tiozão de Olympikus: a estratégia vencedora da Vulcabras (VULC3) e o que mexe com os mercados hoje
Conversamos com o CFO da Vulcabras, dona das marcas Olympikus e Mizuno, que se tornou uma queridinha entre analistas e gestores e paga dividendos mensais
Rodolfo Amstalden: O que o Nobel nos ensina sobre decisões de capex?
Bebendo do alicerce teórico de Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt se destacaram por estudar o papel das inovações tecnológicas nas economias modernas
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell