Olá, seja muito bem vindo ao nosso papo de domingo que às vezes é sobre tecnologia, às vezes sobre investimentos, mas raramente sobre algo interessante.
Há alguns meses, preparei uma aula para os alunos do MBA da Empiricus intitulada "10 maneiras como as empresas podem gerar receitas".
Na teoria, 1 real é 1 real.
Mas quando analisamos empresas e tentamos precificá-las — esse é o trabalho do analista de ações — vemos que o mesmo 1 real de lucro pode ser avaliado de maneira muito diferente pelos investidores, a depender da empresa.
Um dos exemplos que usei na aula é a comparação entre Apple e Samsung.
Mais da metade da receita anual da Apple vem da venda de iPhones; outros 30% vêm da venda de outros aparelhos como iPad, Macbook e o Apple Watch.
A estrutura de receitas da Samsung é parecida. A maior parte das suas receitas vem também dos celulares, com representatividade crescente do negócio de microchips.
As semelhanças, porém, encerram-se aqui.
Comparativamente, os investidores estão dispostos a pagar muito mais caro por 1 dólar de lucros da Apple que da Samsung.
Isso não é uma opinião minha, é um dado.
Enquanto escrevo essa coluna, a Apple tem um valor de mercado de US$ 2,2 trilhões, e deve somar lucros (consenso das estimativas dos analistas) próximos a US$ 75 bilhões em 2021.
Isso dá um múltiplo de 30x P/L (preço sobre lucros) para a Apple.
A Samsung, tão parecida, é negociada num múltiplo de 15x P/L.
Todo 1 real é igual, mas alguns são mais iguais do que outros
Por que os investidores estão dispostos a pagar o dobro por 1 dólar de lucros da Apple, do que por 1 dólar de lucros da Samsung?
Como tudo no mercado financeiro, não existe uma única resposta correta.
Alguns analistas defendem a tese da previsibilidade.
Mais de 20% das receitas da Apple são provenientes de serviços, como assinaturas. Essas receitas são muito mais previsíveis que a venda de aparelhos.
Conclusão: receita recorrente é mais valiosa que receita intermitente.
Outros analistas defendem o crescimento, o poder da marca e vários fatores impossíveis de quantificar, como o fato da Samsung ser uma empresa da Coreia do Sul, próxima à zona de influência chinesa, em teoria, geopoliticamente mais instável.
Enfim, não que eu concorde, mas são argumentos que existem.
O exemplo que eu usei é ilustrativo, mas não é perfeito. Os produtos são do mesmo segmento, porém muito diferentes.
O que acontece se eliminarmos qualquer diferença entre os produtos e a estrutura de receitas?
Por exemplo: um iPhone é diferente do Galaxy, mas qual a diferença entre um empréstimo de R$ 10.000 originado pelo Itaú, e um empréstimo de R$ 10.000 originado pelo Banco Inter?
Todo empréstimo é igual, mas alguns são mais iguais do que outros?
Nesta semana o Inter soltou números operacionais fortes, e sua ação (BIDI11) subiu mais de 9% em resposta.
O Inter vale cerca de R$ 48 bilhões na B3. Se pegarmos as estimativas dos analistas, como fizemos para a Apple, o Bidi vale 300x P/L.
E não é nem 300x o lucro de 2021, é o estimado para 2022.
Os bancos tradicionais como Itaú, Santander e Bradesco negociam entre 8x e 10x lucros.
Para um value investor tradicional, a decisão deveria ter sido fácil: comprar bancos tradicionais e vender Banco Inter.
Esse, talvez, teria sido um dos piores investimentos do mundo nos últimos três anos.
Fonte: Koyfin
Muito além dos números
Como analistas, gastamos cada vez mais tempo avaliando histórias. E se você quer investir bem o seu dinheiro, também deveria fazê-lo.
Diferente do que você escuta por aí, raramente se "descobrem" empresas de múltiplos baixos.
O múltiplo baixo está lá e todo o mercado tem conhecimento dele.
A maioria dos investidores se perguntam "qual o múltiplo?", enquanto deveriam estar se perguntando "por que esse múltiplo?".
Num mercado como o nosso, em que a informação é abundante e os números estão disponíveis e acessíveis a um clique em terminais de investimento, a parte mais importante do processo de investimento em ações acontece fora das planilhas.
Como eu disse, 1 real é um real, mas alguns "1 reais" são mais iguais do que outros.
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