A esperança de que as vacinas contra o coronavírus trouxessem de volta o “velho normal”, com a reabertura econômica e o retorno da vida pré-pandemia, dominou as bolsas globais no primeiro semestre, mas seis meses depois, o processo ainda não se encerrou.
Enquanto o hemisfério norte via o início do processo de vacinação e vislumbrava um verão agitado e “normal”, o Brasil demorou a autorizar o início da imunização. O atraso não impediu que o mercado local também vislumbrasse uma luz no fim do túnel e a retomada das ações ligadas à economia doméstica.
A decisão do governo do Estado de São Paulo de acelerar o processo deu gás extra para a bolsa e eu cheguei a ouvir analistas e economistas para entender como a reabertura da economia poderia mexer com o seu bolso. As projeções, no entanto, não se confirmaram e as ações do setor de varejo, shoppings e turismo amargam perdas significativas no ano.
Até mesmo empresas que dependiam menos do processo de reabertura, como o Magazine Luiza (MGLU3), naufragaram no segundo semestre de 2021.
Na época da matéria, o maior risco para a tese era o de um entrave maior que não permitisse a chegada de doses suficientes ou o fiasco da campanha de vacinação, o que não se confirmou. As vacinas chegaram e em poucos meses uma parcela relevante da população adulta estava imunizada. Então, o que deu errado?
Por incrível que pareça, a resposta está naquele primeiro texto cheio de otimismo, quando um analista afirmou que “a recuperação econômica depende da confiança e você só se sente confiante quando enxerga um cenário melhor".
A vacina chegou... e a bolsa caiu
Pois é, a vacina chegou, mas a reabertura efetiva da economia coincidiu com uma pitada de caos. De um lado, o desemprego em alta e a inflação corroíam a renda das famílias. Do outro, o Banco Central iniciou uma rígida elevação dos juros e Brasília passou meses em pé de guerra.
O resultado foi um ambiente macroeconômico sufocante que fez com que a bolsa brasileira não só saísse das máximas, como também nadasse na direção contrária dos demais índices globais.
O consenso do mercado não foi atingido, mas Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, não acha correto jogar a culpa nas costas apenas nas teses de reabertura.
“Não é que a tese de reabertura deu errado, a renda variável no Brasil deu errado. Tudo foi muito mal na bolsa.”
Enquanto os principais índices das bolsas norte-americanas acumulam altas e recordes sucessivos, apenas cinco setores caminham para fechar dezembro no azul aqui na B3, de acordo com levantamento da Nova Futura:
- petroquímica, ajudada pelo bom desempenho da Braskem
- frigoríficos, com alta exposição ao mercado internacional e dólar
- óleo e gás
- celulose e papel
- telecomunicações (tradicionalmente um setor defensivo e descorrelacionado da bolsa).
Nomeando os bois
Para um gestor ouvido pelo Seu Dinheiro, o mercado financeiro superestimou o destino da poupança recorde registrada durante a quarentena e o potencial que a demanda reprimida dos piores meses da pandemia teriam na economia.
Já Borsoi aponta outros culpados para o desempenho pífio do varejo e consumo. O principal foi o timing. Como o grande ganho de reabertura foi no primeiro semestre, quando o Brasil ainda enfrentava a segunda onda do coronavírus e novas medidas restritivas, não foi possível colher todos os frutos deixados pelo exterior positivo.
Quando a reabertura de fato começou por aqui, já era tarde, e os olhos dos investidores já estavam voltados para a elevação dos juros, inflação e as novas cepas que começavam a assombrar a Europa.
“O grande ponto é que se a gente tivesse antecipado o processo de inoculação da população, provavelmente teríamos um baita primeiro semestre. Nosso problema nunca foi a capacidade de vacinar e sim a falta de imunizantes. Se não fosse isso, teríamos tido uma primeira metade de ano extraordinária e surpreendente”.
O economista também cita um elemento típico do setor varejista para explicar o desempenho ruim das empresas na bolsa, o que inclui as empresas de comércio eletrônico como Magazine Luiza (MGLU3), Via (VIIA3) e Americanas (AMER3).
Com múltiplos esticados e os investidores precificando as empresas quase que à perfeição, as companhias desabaram ao frustrar expectativas, mesmo que tenham continuado a crescer no terceiro trimestre.
No setor aéreo, a inflação figura como a principal vilã. A única projeção que parece ter se confirmado é a da volta dos brasileiros aos shoppings centers. A maior circulação de pessoas, no entanto, não necessariamente se torna receita, já que a renda corroída das famílias limita os gastos com o varejo discricionário.
Comprar ou vender bolsa?
Para Daniel de Paula, fundador da Nexgen Capital, o atual desconto de algumas empresas de varejo, tecnologia e construção não se justifica e as ações devem voltar aos seus preços justos.
“Temos muita oportunidade. Quem ainda não tem posição nessas companhias e está pensando em entrar agora, eu sugiro o início da montagem de posições, mas aos poucos. O cenário ainda é desafiador e é provável que tenhamos uma piora antes de uma melhora mais consistente.”
A recuperação não deve acontecer de uma hora para outra. Por isso a recomendação só é válida para quem enxerga a bolsa como um investimento de longo prazo.
Já para aqueles que possuem posição nesses papéis e não precisam de liquidez no momento, de Paula recomenda paciência. “Não é porque o meu vizinho vendeu a casa dele 30% abaixo do valor que ela vale que eu também farei o mesmo. Empresas de qualidade vão sair dessa crise ainda mais fortes assim que sairmos do ambiente macro hostil.”
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