Logo que terminei a faculdade de Economia, ingressei no curso de Contabilidade da PUC-SP e, por razões de “a PUC é uma universidade católica” tive não só um, mas dois cursos de teologia no meu primeiro ano de graduação.
O meu segundo professor, um italiano divertido e muito inteligente (confesso que não me recordo do nome, depois de tantos anos), realmente trouxe boas reflexões para a classe e, confesso, foi uma das disciplinas que mais gostei de cursar ali na rua Monte Alegre.
Uma das discussões que tive com ele foi sobre a necessidade da existência dos bancos. Segundo ele, se cada um emprestasse ao seu vizinho, o banco se fazia desnecessário e a usura, as taxas e os lucros bilionários todos seriam melhor divididos pela sociedade.
Escala, capilaridade e o risco do calote simplesmente impediam que o modelo proposto prospere, mas o professor, tão ou mais cabeça dura do que eu, não arredou o pé e se manteve resoluto. Bancos são o demônio.
Caça aos demônios
Com o avanço tecnológico e o advento dos apps, talvez meu professor não estivesse errado, apenas estava à frente de seu tempo. Tirando o fato de que os bancos, bem, não prestam apenas serviços de crédito.
Assim como hoje você consegue encontrar sua cara metade na tela do celular, aplicativos vieram para simplificar os meios de pagamento, para facilitar a concessão de crédito, baratear os produtos bancários, mudar os meios de pagamento e até mesmo revolucionar as plataformas de investimento.
Com isso, a estrutura gigante dos bancões tradicionais se viu, da noite para o dia, ameaçada. Quem tinha vida fácil e nadava sozinho se viu cercado de tubarões e está tendo que suar para se manter vivo.
Mas, por mais que as fintechs estejam ganhando espaço e complicando a vida dos bancos, ainda é seguro dizer que nem tudo vai desaparecer.
No âmbito do crédito corporativo, por exemplo, ainda me parece que as moderninhas têm pouco caixa para financiar grandes empresas e projetos estruturantes, por exemplo.
Outro ponto importante é que os bancos brasileiros sobreviveram a muitas loucuras (é preciso uma certa resiliência para sobrevier a planos Cruzado, Collor, hiperinflação, fraudes e demais particularidades do ambiente financeiro no Brasil) e acabaram aprendendo um truque ou outro no meio do caminho.
No Brasil, banco empresta dinheiro, vende seguro, faz assessoria financeira e coordena IPO, tudo isso assobiando e chupando cana – no Itaú, por exemplo, um terço das receitas são originadas com prestação de serviços, sem contar o segmento de seguros, que está longe de ser desprezível.
Claro, o grosso do resultado ainda vem do “spread” bancário, que é a diferença entre os juros recebidos e pagos pelo banco, e as fintechs estão atacando quase todas os segmentos de atuação da cadeia financeira, mas me parece que o cenário é muito mais de acomodação do que um processo de extinção em massa.
O gigante acordou
Os bancos estão respondendo em diversas frentes, seja na aquisição de concorrentes, seja na maneira de fazer negócios e de se relacionar com os clientes. O Itaú comprou a XP, o Bradesco apostou na Agora e o Santander na Pi, que nesta semana abocanhou a Toro. Quase todo dia sai notícia de que o banco XPTO comprou a corretora fulano de tal.
O Itaú está montando uma plataforma muito legal de investimentos, com diversos produtos na prateleira e muito acesso para clientes de diversos segmentos, ao mesmo tempo em que já deixou claro que está tentando mudar um pouco o foco da atuação.
O presidente do banco, Candido Bracher, deixou claro no último call de resultados: o Itaú está migrando de operações de cheque especial e rotativo do cartão de crédito e oferecendo produtos mais interessantes para o tomador, com menor taxas de juros, mas mais valor de longo prazo até mesmo para o relacionamento com os clientes.
Abre-se mão de retorno no curto prazo para tentar criar um ambiente mais harmonioso no longo prazo.
Com isso, claro, os índices de rentabilidade sofrem e o retorno sobre patrimônio líquido (ROE), que mede quanto de lucro o banco gera em relação ao capital próprio empregado pelos acionistas, deve sair da casa dos 23% para algo em torno de 15% a 18%, mais sustentável e ainda bem atrativo, quando olhamos para a Selic de 2%.
No curto prazo, os desafios pós-pandemia ainda são grandes, com um provável aumento do índice de inadimplência (mas em níveis melhores do que esperados há alguns meses). Por outro lado, o banco já fez o dever de casa e aumentou de forma significativa as provisões nos dois primeiros trimestres do ano (há uma boa margem de segurança no balanço).
Em termos regulatórios, o Banco Central, respaldado pela figura do ministro Paulo Guedes, parece estar bastante empenhado em reduzir o oligopólio dos bancos e, no começo do ano, anunciou a criação do Pix, um sistema de pagamentos instantâneos que deve roubar receitas de serviços de transferência (TED e DOC) mas, a princípio, com impactos limitados – preocupa mais a postura do regulador, que deve trazer cada vez mais inovações do tipo para a mesa.
Desconto e dividendo
Porém, quando olho para os papéis, vejo um desconto exagerado: no ano, ITUB4 cai 37%, contra 17% do Ibovespa. O mercado realmente comprou a narrativa da disrupção das fintechs e o gringo, que costuma fazer muito preço no papel, tem ficado longe de bancos de uma forma geral, o que pode nos dar uma boa oportunidade de compra.
Quando olhamos para os números previstos para 2020, as ações do Itaú estão negociando a menos de 12x P/E (relação entre o preço e o lucro do banco) e a 1,6x P/B (que mede a relação entre o preço de mercado e o valor patrimonial das ações). Ambos são bem atraentes, ainda mais se pensarmos que o lucro de 2020 (o “E” do P/E) está bem depreciado.
Num exercício simples, imaginando que o lucro esperado pelo consenso do mercado, de R$ 2,42 por ação, se materialize e que o banco distribua 50% dos resultados (conservador), o dividendo para 2021 será de R$ 1,21 por ação, ou cerca de 5,5% ao ano – muito interessante, ainda mais se pensarmos que o banco tem um histórico de distribuição mais agressivo e a Selic está em míseros 2% ao ano.
Nessa mesma pegada, se o lucro ficar em R$ 2,42, o preço atual nos dá um P/E de 9,3x, que é bem atraente, ainda que não possa ser considerado uma grande barganha.
Dito tudo isso, entendo que vale comprar ITUB4 ao redor de R$ 22, visando uma valorização de 15% a 20% nos próximos 12 meses. Os riscos não são poucos, como comentei aqui ao longo do texto – os desafios do Itaú para o longo prazo são grandes, ao mesmo tempo em que, no curto prazo, ainda vai ser preciso surfar por momentos complicados, sobretudo no que diz respeito ao mercado de crédito.
O preço das ações nos dá uma boa margem de segurança e o carrego dos dividendos, que devem pingar ao longo dos próximos três a cinco anos (o histórico de distribuição do banco é muito bom), mitiga boa parte dos riscos.