Pacto de sangue
Apesar de ainda defender uma postura austera e focada na proteção patrimonial, hoje quero trazer uma outra ideia
Empresários e financistas cobram uma espécie de Plano Marshall, remetendo-nos à Segunda Guerra Mundial. Outros comparam a crise atual com 2008. E há ainda aqueles que encontram precedentes apenas em 1929.
Nascido 10 mil anos atrás, como a calvície pode denotar, lembro de tempos mais distantes. Penso em “1917”, o filme de Sam Mendes, uma epopeia em que o herói corre risco de vida, enfrenta a tudo e a todos sozinho, apenas para honrar seu companheiro de guerra. Qual o prêmio da virtude? A própria virtude, nada mais.
Penso também em 1911, quando Freud escreveu “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental”, em que apresentam-se os conceitos de “princípio de prazer” e “princípio de realidade”. O princípio do prazer se refere às nossas manifestações mais primárias, a busca pelo prazer imediato e espontâneo, e a fuga do desprazer, numa conotação mais crua de hedonismo. O princípio da realidade regula a busca pela satisfação, considerando as condições impostas pelo mundo externo, como se substituísse o princípio do prazer em prol da proteção e da autopreservação.
O investidor está atravessando seu próprio 1917 neste momento. É um MBA de Finanças em um mês, com consequências práticas e objetivas sobre si mesmo. E ele precisa, necessariamente, ponderar os princípios do prazer e de realidade — todos nós gostaríamos de ir para uma abordagem gananciosa e focada em multiplicação de capital já, imediatamente (assim como gostaríamos de continuar a frequentar bares, restaurantes, encontros com amigos, cinemas, teatros), mas o princípio da realidade impõe suas próprias restrições.
Quando você vê um repique como o de hoje para as Bolsas internacionais, após estas terem atingido sua menor pontuação desde 2016 na véspera, é natural perguntar-se se já não seria a hora de migrar para o risco agressivamente.
Diante de uma enorme incerteza e de uma dispersão de resultados possíveis, entendo que não. Quando há risco de ruína envolvido e quando existe chance de perda permanente significativa do capital, sem que saibamos o fundo dessa história (a verdade é que ninguém sabe onde isso pode parar por enquanto), recomenda-se prudência, foco na proteção do capital e na sobrevivência. Você, muito provavelmente, assim como eu, deve estar fazendo isso na sua própria vida pessoal. Gastos foram adiados, decisões de compra postergadas, viagens canceladas, corta aqui, pensa onde vai poder cortar caso as coisas fiquem ainda piores. Não é muito diferente nos investimentos. A teoria clássica de finanças apenas formaliza essa intuição: assumindo que os indivíduos são avessos ao risco (o que parece razoável), a maior incerteza, volatilidade e dispersão de resultados possíveis empurra para a segurança.
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No momento certo, viraremos a mão. E há duas possibilidades para isso.
Na primeira, os valuations ficam estupidamente atrativos. Ainda há muita incerteza no ar, mas os preços ficam tão reduzidos que o risco de novas quedas pronunciadas é baixo. Ganhamos uma assimetria muito interessante em termos de prejuízo e lucro potencial. A tão defendida margem de segurança de Warren Buffett é obtida por meio de um baixíssimo preço de compra.
Na segunda, o cenário fica muito mais claro, com redução das incertezas e do nível de risco, podendo ser quantificadas as mazelas da crise. Os preços podem até ser mais altos do que os atuais, porque os mercados antecipam qualquer movimento, mas o nível de risco é substancialmente menor. Como o investidor superior pondera adequadamente risco e retorno (não só retorno), ele se dispõe a entrar mesmo um pouco mais caro. Ele perde um pequeno pedaço da primeira pernada, mas entra num segundo momento, com muito menos risco e ainda surfa uma boa parte da alta.
Como tenho tentado transmitir, contrariando a intuição, 70 mil pontos pode ser caro (porque há riscos demais no horizonte) e 80 mil pontos pode ser barato (porque já eliminamos muita incerteza do processo).
Apesar de ainda defender uma postura austera e focada na proteção patrimonial, hoje quero trazer uma outra ideia. Entendo que estejamos próximos de uma das situações acima. Não sei se já posso dizer que enxergo a luz no fim do túnel, mas agora, pelo menos, já é possível enxergar o túnel.
Em termos de valuation, estamos perto de uma zona que considero já contemplar bastante do cenário negativo. A despeito da provável alta vigorosa de hoje para as ações brasileiras, se voltarmos a cair nos próximos dias, chegaremos nos tão falados 60 mil pontos. Isso representa uma queda próxima a 50% do pico, coloca-nos próximos dos fatídicos 10 mil pontos em dólar e enseja uma assimetria muito boa. Algo como 20% para cair contra 70% para subir.
Ao mesmo tempo, talvez os próximos dias possam nos trazer maior clareza sobre os impactos do coronavírus na economia. Hoje, as estatísticas anunciadas pela Itália mostram números bem mais favoráveis (se é que podemos falar assim). E começa a ser debatida com mais intensidade a hipótese de relaxamento do lockdown, sobretudo nos EUA, em duas semanas, o que poderia afastar o cenário mais apocalíptico de uma depressão semelhante àquela de 1929. Ao mesmo tempo, a reação de política econômica tem sido brutal e poderemos ver como isso flui pelos agentes econômicos — seja como for, US$ 2,5 trilhões é dinheiro em qualquer lugar do Sistema Solar.
Seja pelo parágrafo imediatamente acima ou pelo anterior a ele, podemos estar próximos da virada de mão, no sentido de dar aos portfólios posições de risco muito mais pesadas, atrás de comprar excelentes ativos a preços excessivamente descontados.
Entendo que os três leitores já precisam estar preparados para esse dia.
Dito isso, para que as coisas possam caminhar bem pelas próximas semanas, como antecipação ao que pode estar por vir, quero hoje propor uma espécie de pacto de sangue.
Se você não perfizer as três condições abaixo — necessariamente as três —, por favor, não siga as potenciais orientações que podem vir nas próximas semanas. Não quer dizer que você seja melhor ou pior do que alguém. É apenas uma questão de perfil. E tudo bem.
Para poder dar ouvidos às orientações, por favor, pergunta a si mesmo, desde já, se:
1. Você tolera a volatilidade? Você precisa saber que mosco não opera em Bolsa. Ou até opera, mas apenas em seus dias de extrema sorte, que nada tem a ver com competência. Ninguém vai acertar a bunda da mosca, o ponto exato da virada. Se, metaforicamente, comprarmos, por exemplo, Ibovespa a 60 mil pontos, é muito provável que ele venha a cair mais antes de subir. Se você não topa comprar a 60 mil e ver a coisa indo para 45 mil, por favor, não faça isso consigo mesmo. Em 2015, quando saímos da abordagem pessimista do Fim do Brasil para a otimista primeira Virada de Mão, recomendamos a compra de ações a 44 mil pontos. O índice veio a 39 mil pontos antes de começar a subir e entrar em bull market. Nós, necessariamente, vamos errar o timing da entrada. Porque é simplesmente impossível acertar o timing. Nossa única diferença frente a outros analistas por aí é que nós sabemos disso — e é uma grande vantagem.
2. Você não vai, sob hipótese alguma, precisar desse dinheiro nos próximos 18 meses? Bolsa não pode ser destino de seu dinheiro de curto prazo. Se sabemos que pode cair antes de começar a subir, precisamos dilatar nosso horizonte temporal. Os preços convergem para seus valores intrínsecos, mas eles não têm nenhum compromisso temporal para fazer isso. Se você vai precisar do dinheiro pelos próximos 18 meses, não compre mais ações. Aliás, você não deveria ter nenhum dinheiro em ações.
3. Você sabe que a diferença entre falar e sentir é absolutamente brutal? Você pode ter respondido “sim" às duas perguntas anteriores. Mas, quando viver na pele o negócio, quando sentir o gosto amargo de ter comprado algo por 60 e estar na tela a 45, vai continuar frio e sereno, carregando as posições por, pelo menos, 18 meses?
Se você respondeu “não” a alguma das três questões acima, por favor, não me dê ouvidos pelas próximas semanas. Isso é sério. Esteja ciente desde já sobre seu perfil como investidor, pelo seu próprio bem.
Agora, se você deu “sim" para as três e com convicção, seja muito bem-vindo. Estaremos atrás de grandes oportunidades de multiplicação de capital. Em meio a esse cenário de guerra, essa é a proposta de nosso pacto de sangue. Vamos encerrar com Dire Straits e sua “Brothers in Arms”: In the fear and alarm/ You did not desert me/ My brothers in arms (Em meio ao medo e ao pânico, vocês não me desertaram, meus companheiros de batalha).
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