Crise Argentina, feitiço do tempo
Os grandes desafios econômicos de Maurício Macri também parecem reimpressões de velhos e bem conhecidos problemas argentinos

Pode faltar bife em qualquer parte do mundo, menos em restaurante argentino, certo? Errado. Militar ou civil, o governo argentino muitas vezes limitou a venda interna de carne bovina para favorecer a exportação.
Em outras ocasiões, como em 2006, 2014 e 2018, fez o contrário: restringiu as vendas externas para derrubar o preço e frear a inflação.
Proibição de venda de carne, desemprego, aperto de cinto e problemas cambiais encheram as historietas de Mafalda, na crise de 1971, e renderam ao desenhista Quino o título de Homem do Ano da revista Panorama. Veda, palavra castelhana para proibição ou restrição, aponta uma das grandes marcas da política argentina ao longo de muitas décadas: a intervenção nos preços, no abastecimento e no comércio externo. Indica também dois desafios frequentes, os desarranjos cambiais e os surtos inflacionários.
Os quadrinhos de Mafalda só são encontrados hoje em reedições. Os grandes desafios econômicos do presidente Maurício Macri também parecem reimpressões de velhos e bem conhecidos problemas argentinos. Mas são reais, palpáveis e continuarão a assombrar o país no mandato seguinte, seja qual for o eleito. Pode haver retóricas diferentes, mas os dois candidatos e seus economistas conhecem os dados.
Reservas cambiais caíram de US$ 65,34 bilhões, em abril, para US$ 44,69 bilhões, em maio. Com o susto do mercado, o câmbio saltou para mais de 60 pesos por dólar depois da prévia eleitoral. Houve recuo, depois, mas a cotação continuou distante dos 48 pesos de junho.
A dívida externa saltou de 36,7% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2017, para 51,8%, no fim de 2018. Como o governo tem usado financiamento estrangeiro para cobrir seus gastos, a dívida pública se mistura perigosamente com a dívida externa. Principalmente por isso, o país depende do financiamento negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Romper o acordo com o Fundo pode significar insolvência.
Leia Também
Barroso anuncia aposentadoria e vai deixar cargo de ministro do STF
Se o presidente, seja quem for, romper o acordo para agradar ao eleitorado, o agravamento da crise cambial e a piora das contas públicas levarão o país a completar mais uma volta no jogo do eterno retorno. Cinéfilos podem lembrar-se do filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day), com personagens presos numa armadilha de repetições.
Cristina Kirchner, herdeira de seu marido na Casa Rosada, beneficiou-se do fim de um ciclo desse tipo, mas desperdiçou essa vantagem. Foi eleita em 2007, dois anos depois de concluída uma longa e complicada negociação com os credores, e no ano seguinte à liquidação da dívida com o FMI.
Havia condições para uma nova fase de crescimento. A oportunidade foi em parte aproveitada, mas o governo de novo relaxou a gestão das contas públicas, deu espaço à inflação e, depois de demitir o presidente do Banco Central (BC), ainda usou reservas cambiais para cobrir gastos públicos. Ainda assim, foi reeleita em 2011, manteve o estilo da política econômica e deixou a seu sucessor um país novamente em crise.
Números duvidosos
A alta dos preços era visível no dia a dia e nos cálculos de consultorias privadas, mas os números oficiais eram duvidosos, porque a presidente interferia nas estatísticas do governo. Como seu futuro crítico Jair Bolsonaro, ela se opunha à divulgação de números conflitantes com sua versão dos fatos.
Cristina Kirchner, como seu marido Néstor, praticou um peronismo mais populista que o de alguns antecessores. O marido, no entanto, conseguiu reerguer a economia argentina, renegociar a dívida, consertar a complicada relação com o FMI e o Banco Mundial, e reatar o contato com o mercado financeiro. Quanto ao comércio externo, conseguiu uma relação tranquila e vantajosa com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de um acordo automotivo até hoje em vigor e de um quase fechamento do Mercosul para os mercados mais competitivos.
Eleito em 2003, Néstor Kirchner logo se entendeu com Lula e com ele trabalhou para torpedear a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Sem o Mercosul, o governo americano logo negociou acordos comerciais com outros países da América do Sul.
O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai limitou-se a acordos com mercados em desenvolvimento, na maior parte pequenos, e manteve a conversação com a União Europeia, iniciada na década anterior e só liquidada neste ano (mas dependente, ainda, da aprovação legislativa de todos os participantes).
Passo adiante
Com Néstor Kirchner, a Argentina deu um passo adiante depois de uma fase extraordinariamente confusa, marcada por desastres como a quebra do Tesouro, o congelamento de depósitos, o fim da dolarização, o calote da dívida pública (interna e externa), uma explosão de preços e enorme instabilidade política. A crise iniciada em 2001 resultou, em parte, do impacto causado pela desvalorização do real no começo de 1999 e pelo duro ajuste da economia brasileira. Mas os desarranjos maiores da Argentina eram mesmo internos.
Em anos anteriores, a dolarização implantada pelo peronista Carlos Menem, eleito em 1989, havia produzido alguma disciplina. Com paridade entre o peso e o dólar, o Banco Central só poderia emitir moeda se houvesse acumulação de reservas. Essa camisa de força freou a inflação. Os preços comportados e alguma contenção fiscal deram espaço aos negócios, permitiram uma fase de prosperidade e Menem foi reeleito.
Ao encerrar seu segundo mandato, em 1999, a economia já estava menos disciplinada, as contas públicas pareciam menos saudáveis e já se perguntava em quanto tempo a dolarização se esgotaria e seria preciso desvalorizar o peso. O balanço dos dois mandatos inclui a privatização do sistema elétrico e da companhia de petróleo. Externamente, houve a criação do Mercosul e o início das negociações da Alca e do acordo com a União Europeia.
O antecessor de Menem, Raúl Alfonsín, eleito em 1983, havia conduzido o país no começo da redemocratização. A herança econômica do período militar havia sido desastrosa. O novo presidente governou com muita dificuldade num ambiente de hiperinflação, de instabilidade social e de inquietação nos quartéis. Alfonsín acabou abandonando o posto antes do fim do mandato. Mas deixou, como parte importante do seu legado, o início da punição dos chefes da ditadura.
Repetição dos pontos
Alguns pontos marcaram todos os governos argentinos desde a redemocratização e compõem a imagem da repetição. O peronismo foi importante em todos os momentos, pela filiação dos governantes ou pelo peso da oposição. O sindicalismo peronista, representado principalmente pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) foi sempre um ator de relevo e uma referência para as definições de política.
O populismo nunca desapareceu, embora praticado com intensidades variáveis. Presidentes com o mesmo rótulo político foram capazes de valorizar padrões liberais, como Carlos Menem, ou fortemente intervencionistas, como Néstor e Cristina Kirchner. As contas públicas nunca ficaram em ordem por muito tempo, as dificuldades cambiais foram recorrentes e a inflação, contida em alguns períodos, sempre retornou com grande problema.
Nenhum governo foi esquerdista, na Argentina, embora o presidente Jair Bolsonaro possa pensar o contrário. Depois da redemocratização, figuras importantes da ditadura militar foram processadas e punidas. Nenhum governante civil defendeu a ditadura ou apontou um torturador como herói nacional.
*Com o jornal O Estado de S. Paulo.
Imposto de renda sobre CDB, Tesouro Direto, JCP e fundos ficará em 18% após avaliação por comissão do Congresso Nacional
Medida provisória 1.303/25 é aprovada por comissão mista do Congresso e agora segue para ser votada nos plenários da Câmara e do Senado
Lula e Trump finalmente se falam: troca de afagos, pedidos e a promessa de um encontro; entenda o que está em jogo
Telefonema de 30 minutos nesta segunda-feira (6) é o primeiro contato direto entre os líderes depois do tarifaço e aumenta expectativa sobre negociações
Lula e Trump: a “química excelente” que pode mudar a relação entre o Brasil e os EUA
Alexandre Pires, professor de relações internacionais e economia do Ibmec, analisa os efeitos políticos e econômicos de um possível encontro entre os dois presidentes
Com Tarcísio de Freitas cotado para a corrida presidencial, uma outra figura surge na disputa pelo governo de SP
Cenário nacional dificulta a nomeação de candidatos para as eleições de 2026, com impasse de Bolsonaro ainda no radar
Comissão do Senado se antecipa e aprova projeto de isenção de IR até R$ 5 mil; texto agora depende dos deputados
Proposta de isenção de IR aprovada não é a do governo Lula, mas também cria imposto mínimo para altas rendas, programa de renegociação de dívidas e prevê compensação a estados e municípios
Senado vota regulamentação dos novos impostos sobre consumo, IBS e CBS, nesta quarta-feira (24)
Proposta define regras para o novo comitê gestor do IBS e da CBS, tributos que vão substituir impostos atuais a partir de 2027
O que Lula vai dizer na ONU? Soberania e um recado sutil a Trump estão no radar
A expectativa é que o discurso seja calibrado para o público global, evitando foco excessivo em disputas políticas internas
Câncer de Bolsonaro: o que é o carcinoma de pele encontrado em duas lesões removidas
Ex-presidente recebeu alta após internação por queda de pressão, vômitos e tontura; quadro exige acompanhamento médico periódico
LCI e LCA correm o risco de terem rendimentos tributados, mas debêntures incentivadas sairão ilesas após negociações no Congresso
Relator da MP que muda a tributação dos investimentos diz que ainda está em fase de negociação com líderes partidários
“Careca do INSS”: quem é o empresário preso pela PF por esquema que desviou bilhões
Empresário é apontado como “epicentro” de fraudes que desviaram bilhões de aposentadorias
STF condena Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão; saiba quais opções restam ao ex-presidente
Placar final foi 4 a 1 para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão em regime fechado
Aprovação de Lula sobe para 33% e chega ao maior nível desde dezembro de 2024, diz Datafolha
O índice de reprovação do petista ainda é um dos maiores entre presidentes desde a redemocratização a esta altura do mandato, mas, na comparação direta, Bolsonaro sai perdendo
Debêntures incentivadas devem continuar isentas de IR, mas LCI e LCA seguem na mira da MP que muda a tributação dos investimentos, diz jornal
Texto deve manter mudanças na alíquota única de IR para ativos tributáveis e na compensação de créditos tributários, pontos que despertam preocupação no mercado
Governo Trump sobe o tom contra o Brasil, e Itamaraty condena ameaças dos EUA de usar “poder militar”
O documento do Itamaraty foi publicado após a porta-voz da Casa Branca ser questionada sobre a possibilidade de novas sanções ao Brasil por conta do julgamento de Jair Bolsonaro
Bolsonaro era líder de organização criminosa que tentou golpe de Estado, diz Moraes — Dino acompanha o relator e vota por condenação
Ministros destacaram provas de uma trama articulada desde 2021 e pediram condenação dos sete réus. Dino, entretanto, vê diferentes níveis de culpa
O julgamento de Bolsonaro e o xadrez eleitoral com Lula e Tarcísio: qual é o futuro do Brasil?
O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, analisa o impacto da condenação de Jair Bolsonaro, a estratégia de Tarcísio de Freitas e as dificuldades de Lula em chegar com força para as eleições de 2026
Pedimos para a inteligência artificial da Meta produzir imagens de Lula, Trump, Bolsonaro, Alexandre de Moraes e outros — e o resultado vai te surpreender (ou não)
A inteligência artificial da Meta entregou resultados corretos em apenas duas das seis consultas feitas pela redação do Seu Dinheiro
STF encerra primeira semana do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados; confira os principais pontos do segundo dia
A sessão será retomada na próxima terça-feira (9), às 9 horas, com o voto do relator e ministro do STF, Alexandre de Moraes
A suspeita de rombo nos cofres que levou ao afastamento do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, pelo STJ
Investigado na Operação Fames-19, Barbosa é suspeito de participar de um esquema de R$ 73 milhões em contratos emergenciais durante a pandemia
Filho de ourives e clientes como Neymar, Vini Jr e Ludmilla: quem é TH Joias, deputado preso por suspeita de negociar armas com o Comando Vermelho
Investigado por suposta ligação com o Comando Vermelho, o parlamentar conhecido como TH Joias já havia sido preso em 2017 por acusações semelhantes