Uma mudança no entendimento da Receita Federal promete tirar o sono de contribuintes que aderiram à repatriação de ativos no exterior. O programa, que também está na mira do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, regularizou quase R$ 175 bilhões de brasileiros que mantinham dinheiro fora do país sem declarar ao Leão.
Na sexta-feira da semana passada, a Receita divulgou um documento com uma “atualização” no seu entendimento sobre o programa.
A mudança é sutil, mas pode afetar diretamente aqueles que declararam os recursos no exterior, mas não têm como comprovar a origem à Receita.
Isso porque, na época do programa, que teve em duas etapas em 2016 e 2017, o Leão informou que não havia a obrigatoriedade de comprovação da origem dos recursos mantidos de forma irregular lá fora.
Ou seja, o contribuinte não precisava ter documentos que mostrassem de onde saiu o dinheiro. E o ônus da prova de demonstrar que as informações eram falsas cabia à própria Receita.
Mas na semana passada, dois anos após a conclusão do primeiro programa, o órgão informou que essa regra só era válida para o momento da transmissão da declaração. E que agora poderá exigir a comprovação de onde vieram os recursos que foram repatriados, de forma semelhante como faz, por exemplo, na declaração do Imposto de Renda. Procurada, a Receita não respondeu ao pedido de entrevista.
Moro de olho
O chamado Ato Declaratório Interpretativo da Receita foi anunciado depois da notícia de que Sergio Moro pretende investigar os recursos no exterior que foram regularizados perante a Receita.
O futuro ministro pediu e ganhou do presidente eleito Jair Bolsonaro a responsabilidade sobre o Coaf, que hoje está sob a estrutura do Ministério da Fazenda. Quem vai comandar o Coaf no novo governo é o auditor fiscal Roberto Leonel Lima, chefe da área de investigação da Receita em Curitiba.
As pessoas e empresas que aderiram à repatriação receberam anistia do crime de evasão de divisas e sonegação. Em troca, pagaram 15% de imposto de renda e outros 15% de multa, o que rendeu mais de R$ 50 bilhões aos cofres públicos.
A condição para a adesão ao programa era que a origem dos recursos mantidos fora do país fosse lícita. Isso quer dizer que a repatriação não anistiou quem obteve o dinheiro de forma criminosa, como o tráfico de drogas e colarinho branco.
Embora a lei que criou o programa não tenha livrado o declarante desses crimes, ela diz também que qualquer investigação contra quem aderiu à repatriação não pode ter apenas a declaração como indício do eventual crime.
Na Justiça
A grande dúvida é como a Receita vai tratar a partir de agora aqueles contribuintes que alegam ter conseguido o dinheiro legalmente, mas não têm documentos para comprovar.
Para o advogado Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho, o novo entendimento representa uma mudança nas regras dois anos depois do fim da adesão da primeira fase do programa.
"Isso não estava combinado e cria uma instabilidade jurídica sobre a repatriação", diz.
Para ele, se houver autuações ou a exclusão de contribuintes do programa, as questões deverão parar no Judiciário.
Foto ou filme
A Receita aproveitou a mudança para esclarecer uma velha questão envolvendo a repatriação. Havia uma dúvida se a base de cálculo para o pagamento do imposto e da multa deveria se referir ao saldo que o contribuinte mantinha fora do país no dia 31 de dezembro de 2014 ou se deveria incluir o dinheiro que ele gastou ao longo dos anos anteriores.
Essa polêmica ficou conhecida na época como "foto" ou "filme". Agora, a Receita deixou claro que o imposto deveria incidir sobre o filme, ou seja, sobre todo o dinheiro movimentado e não declarado no exterior.
Isso quer dizer que quem decidiu se arriscar e usar o critério da "foto" na hora de declarar os recursos poderá receber uma visita do Leão.