A Teoria da Bolsa de Ficção: como lançamento da editora Cobogó olha para o passado das histórias [ENTREVISTA]
A editora e cineasta Isabel Diegues fala sobre sua tradução de ‘A Teoria da Bolsa de Ficção’, ensaio de Ursula K. Le Guin lançado no Brasil pela editora Cobogó que revisita a origem das narrativas e propõe novos modos de imaginar o mundo
Ensaio fundamental da autora de ficção especulativa Ursula K. Le Guin, A Teoria da Bolsa de Ficção ganha agora uma tradução para o português assinada por Isabel Diegues, cineasta e editora da Cobogó. Ao se aproximar do texto pela via da performance, ela investiga suas ambiguidades, imagens e a proposta de repensar o gesto de narrar.
O próprio título A Teoria da Bolsa de Ficção já brinca com a ambiguidade, aliás. Le Guin parte da teoria da antropóloga Elizabeth Fisher segundo a qual a primeira invenção humana teria sido – inclusive antes da lança – um recipiente, uma bolsa para armazenar aquilo que se recolhe. A partir daí, Le Guin amplia o raciocínio e propõe que as histórias funcionam como recipientes de ideias.

A autora então desloca o eixo da questão, examinando as narrativas que contamos e aquelas que poderíamos contar. É nesse movimento que a teoria assume um caráter propositivo: uma espécie de manifesto sobre os modos de narrar e de construir o mundo ao nosso redor.
O Seu Dinheiro conversa com Isabel Diegues sobre o processo de tradução e o poder que as narrativas do cinema, teatro, música e literatura têm sobre nossas vidas e nosso futuro.
Uma entrevista com Isabel Diegues
Seu Dinheiro: Você vinha de uma carreira promissora no cinema. Ganhou prêmios, trabalhou com Spike Lee... mas no final escolheu o livro. O que o trabalho com o objeto livro te deu que o cinema não dava?
Isabel Diegues: Vim parar aqui por conta de uma certa desilusão com o cinema. Já trabalhava com cinema há quinze anos, comecei muito nova. O trabalho no cinema é muito excitante, muito mobilizador, aquele monte de gente em volta de um objeto, de um acontecimento, e aquilo é a coisa mais importante do mundo.
Isso é muito instigante. Mas ao mesmo tempo consome toda a sua existência. Você só consegue fazer cinema, dedica absolutamente toda a sua energia, todo o seu tempo, toda a sua vida para isso. E eu, na verdade, tinha ido fazer cinema com desejo de pensar cinema, pensar imagem, pensar narrativa, pensar histórias. O que eu fazia era muito divertido, mas não era nada disso.
Leia Também
A gente fazia o filme e na maior parte do tempo eu estava correndo atrás de dinheiro, fazendo planilhas, marcando horários. Acordando todo dia muito cedo e trabalhando até a hora de fechar o olho e dormir.
Seu Dinheiro: Como se deu essa transição do cinema para o meio editorial e quais os hábitos de trabalho e modos de olhar do cinema que você ainda carrega em suas escolhas como editora?
Isabel Diegues: Quando eu tive meu filho, comecei a achar que a vida real era incompatível com o cinema. Eu tinha um bebê, tinha meu enteado, e queria poder ter uma vida intelectual além desse lugar de solução de problemas específicos. Aí eu resolvi estudar, fui fazer faculdade de Letras só para poder parar e ler, que era o que eu queria de verdade [risos].
Lá pelas tantas, no segundo ou terceiro ano de faculdade, alguns amigos me procuraram dizendo: "a gente quer montar uma editora, e você é a pessoa perfeita". No final, depois de muita insistência, eu aceitei. E quando eu comecei a trabalhar na Cobogó, me lembrei de como era bom estar em equipe, pensar junto, encontrar soluções e descobri que ao longo da minha vida eu sempre estava editando as mais variadas coisas. Fossem os filmes, em que fui editora de imagem e som, fossem os roteiros, que eu cortava e colava como assistente de direção…
Fiz de tudo, direção de desfile de moda, fotografia, capa de disco, cenário de show. Fiz capa de disco pra Adriana Calcanhotto e fotografei os shows dela durante muitos anos, nós éramos muito amigas. Cenário para o show do Gilberto Gil com Milton Nascimento, vários desfiles com a Luiza Masset. Fiz muitas coisas. Então, eu sempre me metia a fazer coisas muito diferentes. E, de alguma maneira, todas elas tinham um caráter de edição, no sentido das escolhas, da seleção e do diálogo. Sempre tive esse entusiasmo pela troca de ideias, de entender o que o outro pensa. Trazer, interpretar, traduzir, selecionar, enfim, editar.
Seu Dinheiro: É uma prática muito solitária, ainda mais quando a gente já trabalhou em laboratório, com outras pessoas. Esse lugar faz falta.
Isabel Diegues: O trabalho do livro é muito individual, muito solitário, né?! Mas eu sentia muita falta de ficar sozinha quando fazia cinema [risos], porque tinha sempre uma gangue de milhares de pessoas à minha volta.
Quando Márcia Fortes e Ricardo Sardenberg me chamaram para montar a editora, eu falei: "vou por seis meses, se não gostar, vou embora, não contem comigo por muito tempo". E em dois meses eu estava completamente fascinada. Eu tinha passado pela música, fotografia, cinema, cheguei a dirigir uma peça de teatro e, de repente, a Cobogó tinha todos esses elementos.
Eu tinha a possibilidade de lançar ideias no mundo, muitas cabeças incríveis, artistas incríveis. A vida vai se apresentando e de alguma maneira a gente vai construindo uma possibilidade, gosto muito de me jogar ao desconhecido.

Seu Dinheiro: Que livro da Cobogó você considera que “explicou” a editora para você mesma?
Isabel Diegues: Mais que um livro, acho que é a coleção Dramaturgia. Comecei a me aproximar de autores fenomenais, contemporâneos, que estavam escrevendo enquanto criavam os espetáculos. E ao mesmo tempo, isso foi de encontro a um desejo grande de pensar o texto em cena e pensar o texto fora de cena.
Tinha uma potência enorme no teatro que estava sendo feito, um teatro de texto, depois dos anos 1990, por exemplo, em que havia um teatro da encenação – de Gerald Thomas, Bia Lessa, Moacir Borges... Pelo final dos anos 2000 a ideia era de um teatro de texto, mas um texto construído a partir dos ensaios e das encenações. Então mergulhei numa pesquisa desse lugar do texto na performance, e do lugar da performance no texto. Naquele momento dissemos: "a gente quer pensar nessas coisas que estão desabrochando".
Seu Dinheiro: E aqui a editora adquire uma responsabilidade cultural.
Isabel Diegues: Sim. Lá por 2013, a gente já estava publicando de vinte a vinte e cinco livros por ano, até a pandemia. Focamos em pensar a cultura contemporânea e desenvolver projetos. A Cobogó é uma editora de projetos. Muito mais do que encontrar textos pré-existentes e publicar, ela busca desenvolver projetos, tanto de artes visuais, quanto de teatro e música. Trabalhamos com a fixação do texto e pela primeira vez. Então, a vocação da Cobogó é esse lugar da invenção. A gente quer fazer livros de deleite.
Seu Dinheiro: E como você chegou à ficção científica e a Ursula K. Le Guin?
Isabel Diegues: Eu tinha uma ideia completamente equivocada sobre ficção científica. Pensava que era algo que falava sobre questões de tecnologia – eu fazia um paralelo com as narrativas de fantasia, fossem filmes ou livros. Aí eu conheci a Octavia Butler durante a pandemia, quando eu só trabalhava e lia. Percebi que ficção especulativa usa o futuro e a tecnologia como artifícios para pensar outros modos de se relacionar, outros modos de existir, de estar no mundo.
Eu estava num museu em Amsterdã e vi esse livro no caixa da loja de presentes, A Teoria da Bolsa de Ficção, achei o título fenomenal. Comprei na hora e depois de ler, disse: "gente, eu preciso publicar esse livro, isso é uma pérola".
Fiquei fascinada por algo que ela diz de passagem, mas que me marcou na primeira leitura. É a ideia de que os homens começaram a viver em sociedade, não necessariamente por conta da agricultura ou dos perigos da vida pré-histórica, mas sim porque o homem não trazia só o alimento ao voltar das caçadas, trazia as narrativas. E essas narrativas em torno da fogueira faziam com que aquelas pessoas passassem a ter um imaginário comum, que é o que as unia. A Le Guin dedica dois parágrafos para isso. Depois descobri que a teoria da bolsa vem da Elizabeth Fisher.

Seu Dinheiro: É uma teoria especulativa no sentido histórico, mas também é uma teoria propositiva, um manifesto, uma proposta.
Isabel Diegues: Claro, e o maravilhoso é que é sobre narrar o mundo, sobre que mundo a gente quer narrar, com quem a gente quer compartilhar o mundo que a gente quer narrar. É sobre como a gente quer abordar este mundo que a gente quer narrar, é que mundo a gente quer construir a partir das narrativas, né?! É sobre tantas coisas e ele é deliciosamente escrito porque é um pequeno ensaio densíssimo, e ao mesmo tempo extremamente irônico…
Seu Dinheiro: E como foi o processo de tradução?
Isabel Diegues: Eu queria viver um pouco esse texto. E pensei em traduzir para compreender essas milhares de sutis ambiguidades, a multiplicidade de significados. E também para me tirar um pouco de um lugar mais reto, mais objetivo, que é como você escolhe lidar com isso.
Ela fala, por exemplo, da bandoleira ritual, que é uma expressão que a gente não usa, mas que no inglês é relativamente comum. Fiquei pensando de que maneira a gente lida com esses objetos dos nossos povos, e como trazer essa expressão para o debate, porque na verdade a gente não usa, mas ela existe.
E a ideia de traduzir também tem a ver, novamente, com o encantamento que eu tenho por essa ideia da performance. Traduzir um texto também é performá-lo.

Seu Dinheiro: Ao final do ensaio ela critica nosso paradigma narrativo, que ela chama de narrativa tecno-heroica, que, de alguma maneira, molda o nosso modo de ver o mundo. Como você vê o ensaio nesse sentido? Como lidar com os avanços da inteligência artificial, por exemplo? Vamos manter essa narrativa trágica ou encontrar uma nova forma de viver o mundo?
Isabel Diegues: Eu não sei. Ando bastante preocupada com a alegria dos humanos, a gente anda muito oprimido pelos acontecimentos.
Não me interesso por essa tecnologia. Por quê? Porque a inteligência artificial de inteligente não tem nada. Ela, na verdade, só constrói a partir do que já existe.
O grande problema da inteligência artificial não é a inteligência artificial em si, é quem está por trás dessa inteligência artificial, porque tem ali cabeças, repertórios, morais, ideias, projetos pessoais, projetos de poder. O problema da inteligência artificial é que nos convenceram de que ela é inteligente. E não é.
Acho que temos de colocar a inteligência artificial no seu próprio lugar. Ela tem um papel muito importante na aceleração de várias pesquisas, e eu acho que a gente vai ter de entender para que serve, como lidar e como não se deixar dominar, não pelas máquinas, mas por quem está por trás das máquinas.
E acho que A Teoria da Bolsa de Ficção é um livro necessário para pensarmos nisso. Ele nos faz questionar que mundo queremos narrar, que mundo queremos construir e em que mundo queremos viver.
Valor de obras roubadas da Biblioteca Municipal Mário de Andrade pode ultrapassar os R$ 200 mil; confira os valores
Embora os valores do seguro das obras de Matisse e Portinari sejam sigilosos por contrato, especialistas relatam suas projeções, e vendas em leilões dão uma ideia do quanto poderiam custar
Wagner Moura no Globo de Ouro 2026: quais as chances e quem são os concorrentes do ator brasileiro
Indicado por seu papel em ‘O Agente Secreto’, Moura teria apenas um concorrente à altura até o momento, segundo publicação especializada; saiba outros destaques e conheça os demais indicados
Spotify divulga a lista dos podcasts mais ouvidos no mundo e no Brasil em 2025; confira os destaques dos rankings
Conversas descontraídas e versáteis definem o programa vencedor global; já no pódio brasileiro, estão presentes temas como espiritualidade, curiosidades e negócios
Art Basel Miami Beach 2025: confira a programação e destaques da maior feira de arte das Américas
A mostra tem início na sexta-feira (5) e reunirá 283 galerias de 43 países e territórios, inclusive do Brasil; haverá ainda um novo setor dedicado à arte digital e mais galeristas de Miami
Mostra em homenagem a Cazuza chega a São Paulo ainda em 2025; saiba datas e detalhes
Após reunir mais de 60 mil pessoas no Rio de Janeiro, exposição em tributo ao poeta e ícone brasileiro da música desembarca na capital paulista dia 22 de dezembro
‘A Fraude’: romance histórico de Zadie Smith volta ao passado para iluminar o presente
Ao reler a Inglaterra vitoriana com o olhar de uma romancista contemporânea, Zadie Smith transforma a história em espelho do presente em ‘A Fraude’
Rock in Rio anuncia Elton John e Gilberto Gil para edição 2026
Músico britânico e lenda brasileira foram os primeiros nomes revelados da edição que vai de 4 a 12 de setembro do próximo ano; Elton John já teve passagem polêmica pelo Rock in Rio
‘Mercadores da Dúvida’: livro acena à COP30 e expõe como estratégia do tabaco foi adotada por negacionismo climático
Edição brasileira de livro de 2010 revela os detalhes da chamada Estratégia do Tabaco com direito a paralelos com a manipulação do debate ambiental
Cambistas na mira: governo do Reino Unido planeja proibir a revenda de ingressos por valores acima do preço original
Nesta quarta-feira (19), foi anunciado o compromisso público de apresentar e implementar uma nova legislação; entre as medidas futuras também está a imposição de limite para as taxas de serviço cobradas pelas plataformas
Na fila A: conferimos um espetáculo no novíssimo BTG Pactual Hall de perto e contamos como foi a experiência
Como é conferir um clássico do teatro musical com vista privilegiada e em um teatro renovado? O que mudou no espaço do antigo Teatro Alfa? Assistimos ‘Hair’, que marcou a estreia do BTG Pactual Hall, e relatamos os detalhes
Grammy Latino 2025: Liniker é o grande destaque brasileiro na premiação; veja os outros vencedores do Brasil
Hamilton de Holanda Trio, Sorriso Maroto e Chitãozinho & Xororó também receberam prêmios
Obra de Frida Kahlo pode bater o recorde de obra mais cara já vendida, feita por uma mulher ou qualquer artista latino-americano
A pintura é a estrela de um leilão com mais de 100 obras surrealistas que será realizado pela Sotheby’s no dia 20 de novembro
Morre aos 73 anos o cantor, compositor e guitarrista brasileiro Lô Borges; relembre a relevância da sua obra para a MPB
Músico estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), desde o dia 17 de outubro; sua passagem encerra uma trajetória de mais de cinco décadas nas quais contribuiu para a revolução da música popular brasileira
O Engraxate que Escalou o Everest, Rosier Alexandre fala de documentário: “Minha história é sobre não desistir”
Documentário “O Engraxate que Escalou o Everest”, que venceu recentemente o prêmio de Melhor Filme no Rio Mountain Festival, resgata a jornada inspiradora de um cearense que superou a pobreza para chegar ao topo do planeta
Nada Maquiavélico: nova edição d’O Príncipe revela o homem por trás do mito
Manual clássico de liderança ganha nova edição acompanhada da correspondência que revela um autor humanizando, a construção do pensamento e até um Maquiavel com “papo de boteco”
Neurocientista Miguel Nicolelis publica sátira iniciada há meio século: “o Brasil era, e continua sendo, um país totalmente surreal”
Com Ré volução no País do Carnaval, livro iniciado na juventude, o neurocientista que colocou a ciência em campo na Copa de 2014 retoma as ironias de um Brasil surrealista
BTG Pactual Hall inaugura dedicado à cultura brasileira: “teatro icônico, renovado e de altíssima qualidade”
Espaço que abrigava antigo Teatro Alfa reabre com os musicais Hair e Vozes Negras na programação: “é nossa oportunidade de ajudar a economia criativa com mais um ponto de contato com a sociedade”, diz André Kliousoff, CMO do BTG Pactual
Nobel, Jabuti e Camões: entenda os ganhadores e indicados da temporada de prêmios literários 2025
Os consensos e dissensos de três premiações e o que elas indicam sobre limites e fronteiras entre mercado editorial e literatura em 2025
Marisa Monte: entrevistamos o maestro André Bachur, que acompanha a cantora em nova turnê
Após apresentar-se com cantora em 2024, Bachur segue turnê na regência de orquestra em ‘Phonica – Marisa Monte e Orquestra Ao Vivo’, que começa este fim de semana em Belo Horizonte
Frieze London abre seção que explora a relação cultural histórica entre o Brasil e a África
Chamado ‘Echoes in the Present’, espaço reúne oito galerias com dez artistas brasileiros e africanos
