O sucesso argentino: o vizinho conserta a casa, enquanto o Brasil segue varrendo para debaixo do tapete
De laboratório de tragédias populistas a espelho de sucesso, Argentina demonstra que há vida política e recuperação econômica fora da armadilha populista latino-americana

A Argentina vive hoje uma confluência improvável: fundamentos econômicos em rápida recuperação e ativos ainda sendo negociados a preços descontados. É o tipo de combinação que raramente aparece no radar.
Já comentei neste espaço sobre os primeiros sinais de transformação institucional e econômica no país vizinho. Desde então, os ventos reformistas não apenas persistiram: ganharam velocidade, densidade política e agora começam a delinear um novo horizonte para a economia argentina.
A tese de investimento na Argentina está ancorada na ideia de que o país atravessa uma ruptura estrutural profunda. Depois de décadas marcadas por populismo fiscal, descrédito institucional e ciclos viciosos de hiperinflação, a eleição de Javier Milei representou um corte drástico com o passado.
Com uma retórica liberal radical e uma proposta de ajuste fiscal direto ao ponto, Milei não apenas venceu — está conseguindo implementar aquilo que prometeu, e com uma agilidade surpreendente.
- GRÁTIS: Reportagens, análises e tudo o que você precisa saber sobre esta temporada de balanços para investir melhor; cadastre-se gratuitamente para acessar
Em apenas 18 meses, a Argentina iniciou o processo de correção macroeconômica mais ambicioso das últimas oito décadas. O ajuste é visível e mensurável: o déficit primário foi revertido e deu lugar a um superávit; a essencial “Lei de Bases” foi aprovada no Congresso, garantindo sustentação institucional às reformas; e, mesmo em meio a um cenário de inflação ainda elevada, o ritmo dos reajustes de preços tem diminuído com consistência.
Isso ocorre apesar de uma maxidesvalorização de 150% do peso argentino — ou seja, o remédio é amargo, mas está funcionando.
Leia Também
Quem te viu, quem te vê, Argentina: o avanço no país vizinho e o que esperar dos mercados hoje
Luz na passarela: o destaque da C&A na bolsa este ano, e o que esperar dos mercados hoje
Os sinais de desinflação na Argentina já não são apenas encorajadores — são contundentes. E, em certa medida, até surpreendentes, mesmo para os mais otimistas. A inflação de junho desacelerou para 1,6%, levemente acima do dado de maio (1,5%), mas ainda muito abaixo das projeções. No acumulado de 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) recuou de 43,5% para 39,4%.
Para quem perdeu a perspectiva: no mesmo período do ano passado, o índice rodava em patamares de 79,8%. No acumulado de 2025, a inflação está em 15,1%. Trata-se de um feito inegável — um processo de desinflação rápido, consistente e alcançado por meio de um ajuste ortodoxo direto e sem firulas. Algo praticamente extinto na América Latina dos últimos anos, onde imperou a leniência populista, que conhecemos tão bem no Brasil.
O orçamento federal para 2025 já projeta inflação na casa dos 20% e um novo ano de contas públicas equilibradas. Isso não apenas reforça a convicção de que o país está comprometido com o reequilíbrio fiscal — como sinaliza que, desta vez, a aposta na Argentina pode ter fundamentos duradouros.
- LEIA MAIS: Cenário macro, ações, fundos imobiliários, ativos internacionais e renda fixa – onde investir? Curadoria gratuita de relatórios do BTG Pactual mostra as principais recomendações
Claro, a execução segue cercada de riscos, como em toda reestruturação agressiva. Mas o ponto central permanece: há algo estruturalmente novo acontecendo por lá — e o mercado, como de costume, talvez só perceba isso quando a maior parte da valorização já tiver acontecido.
A travessia, como era de se esperar, foi dura. Ajustes profundos sempre cobram seu preço. Mas os primeiros sinais de vida já aparecem. Em abril de 2025, a atividade econômica argentina cresceu 1,9% na comparação com março. Em relação a abril de 2024, o salto é ainda mais expressivo: alta de 7,7%.
Em maio, a economia avançou 5% em termos anuais — marcando o sétimo mês consecutivo de crescimento. É verdade que o número veio ligeiramente abaixo do esperado (+5,8%), mas o que importa é a direção. E ela é positiva.
O crescimento é puxado por setores sensíveis e estruturantes — comércio, indústria, construção civil e intermediação financeira —, exatamente onde um ciclo de retomada sustentável costuma começar. Um contraste gritante com o crescimento brasileiro, apoiado em bases frágeis e claramente insustentáveis.
Outro termômetro essencial: a pobreza. As projeções para o primeiro semestre de 2025 indicam uma taxa de 31,6%, com intervalo de confiança entre 30,1% e 33,1%. Alto? Sem dúvida. Mas é impossível ignorar a trajetória: essa taxa já ultrapassou 50% não faz muito tempo.
Não é preciso lupa nem retórica vazia para entender o que isso significa. O avanço é real. É fruto direto de escolhas difíceis, impopulares, mas tecnicamente corretas. Por ora, os números falam por si. A direção é promissora.
- VEJA TAMBÉM: Quer ter acesso em primeira mão às informações mais quentes do mercado? Entre para o clube de investidores do Seu Dinheiro sem mexer no seu bolso
E apesar do arrocho econômico sem precedentes conduzido na Argentina, o presidente Javier Milei mantém níveis de popularidade surpreendentemente altos — sobretudo quando comparados aos de seus antecessores no mesmo estágio de mandato.
O índice de confiança no governo segue consistentemente acima do observado durante os governos de Cristina Kirchner, Mauricio Macri e Alberto Fernández. Ou seja, mesmo em meio a um ajuste, Milei preserva sua credibilidade junto à opinião pública — um ativo valioso, que sustenta sua capacidade de articulação e amplia seu raio de ação.
Segundo os dados mais recentes, 60% da população avalia o presidente de forma positiva ou “regular positiva”. Em outras palavras: em meio a reformas impopulares, inflação ainda elevada e deterioração do mercado de trabalho, Milei conserva uma aprovação superior à registrada pelos últimos presidentes em situações muito menos exigentes.
Trata-se de um grau raro de resiliência política — e, convenhamos, uma anomalia estatística no padrão latino-americano. Esse apoio não é apenas simbólico: ele fornece capital político para manter o ritmo das mudanças estruturais.
É nesse pano de fundo que se aproximam as eleições legislativas de 2025, marcadas para o dia 26 de outubro. Estarão em disputa 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados (mandato 2025–2029) e 24 das 72 cadeiras do Senado (mandato 2025–2031).
As pesquisas mais recentes indicam que o partido de Milei deve conquistar mais de 40% dos votos, enquanto seu principal aliado, o partido de Mauricio Macri, aparece com algo como 5%. Dependendo da distribuição final de assentos, essa coalizão pode colocar Milei próximo da maioria parlamentar — o que abriria caminho para uma nova leva de reformas estruturais, desta vez com mais profundidade.
Historicamente, a Argentina sempre serviu como um espelho do que não fazer — um laboratório de tragédias populistas que, volta e meia, nos fornecia uma espécie de prévia dos erros a evitar. Agora, ironicamente, esse espelho começa a refletir uma imagem mais promissora do que a nossa.
Por mais barulhento e histriônico que seja seu estilo, Milei vem colhendo frutos de decisões impopulares, mas necessárias. E, sobretudo, demonstra que há vida política viável fora da armadilha do populismo latino-americano — essa mesma que condenou a região a crescimento anêmico, inflação crônica e irresponsabilidade fiscal embalada em discursos de compaixão.
Os números da Argentina hoje animam. O país fez o que precisava ser feito. A pergunta que resta, incômoda e inevitável, é: e nós? Teremos coragem de seguir por esse caminho nas eleições do ano que vem?
Ou mais uma vez nos renderemos à sedução das promessas fáceis, travestidas de justiça social, mas que invariavelmente nos empurram de volta para a mediocridade fiscal e econômica? A resposta, como sempre, será dada nas urnas. Só resta saber se saberemos escolher.
Rodolfo Amstalden: O Tarcísio Trade está morto?
Se o governador de São Paulo não for capaz de superar as provocações atuais, vindas tanto da extrema esquerda quanto da extrema direita, não será legitimado no cargo de presidente
Donald Trump: como lidar com um encrenqueiro e sua guerra comercial
Donald Trump não pensa nas consequências ao adotar suas medidas intempestivas. O importante, para ele, é estar nas manchetes dos jornais
Sem olho por olho nem tiro no pé na guerra comercial com os EUA, e o que esperar dos mercados hoje
Ibovespa fechou ontem em leve queda, e hoje deve reagir ao anúncio de uma nova investigação dos EUA contra o Brasil
Estamos há 6 dias sem resposta: o tempo da diplomacia de Trump e o que esperar dos mercados hoje
Enquanto futuros de Wall Street operam em alta, Ibovespa tenta reverter a perda dos últimos dias à espera da audiência de conciliação sobre o IOF
Do coice à diplomacia: Trump esmurra com 50% e manda negociar
Para além do impacto econômico direto, a nova investida protecionista de Trump impulsiona um intrincado jogo político com desdobramentos domésticos e eleitorais decisivos para o Brasil
Felipe Miranda: Carta pela moderação (e cinco ações para comprar agora)
Com todos cansados de um antagonismo que tem como vitoriosos apenas os populistas de plantão, a moderação não poderia emergir como resposta?
Para quem perdeu a hora, a 2ª chamada das debêntures da Petrobras, e o que mexe com os mercados hoje
Futuros de Wall Street operam em queda com guerra tarifária e à espera de dados da inflação ao consumidor (CPI) e balanços trimestrais de gigantes como JPMorgan e Citigroup
A corrida da IA levará à compra (ou quebra) de jornais e editoras?
A chegada da IA coloca em xeque o modelo de buscas na internet, dominado pelo Google, e, por tabela, a dinâmica de distribuição de conteúdo online
Anatomia de um tiro no pé: Ibovespa busca reação após tarifas de Trump
Em dia de agenda fraca, investidores monitoram reação do Brasil e de outros países ao tarifaço norte-americano
O tarifaço contra o Brasil não impediu essas duas ações de subir, e deixa claro a importância da diversificação
Enquanto muitas ações do Ibovespa derretiam com as ameaças de Donald Trump, um setor andou na direção oposta
Trump na sala de aula: Ibovespa reage a tarifas de 50% impostas pelos EUA ao Brasil
Tarifas de Trump como o Brasil vieram muito mais altas do que se esperava, pressionando ações, dólar e juros
Rodolfo Amstalden: Nem cinco minutos guardados
Se um corte justificado da Selic alimentar as chances de Lula ser reeleito, qual será o rumo da Bolsa brasileira?
Quando a esmola é demais: Ibovespa busca recuperação em meio a feriado e ameaças de Trump
Investidores também monitoram negociações sobre IOF e audiência com Galípolo na Câmara
Sem avalanche: Ibovespa repercute varejo e Galípolo depois de ceder à verborragia de Trump
Investidores seguem atentos a Donald Trump em meio às incertezas relacionadas à guerra comercial
Comércio global no escuro: o novo capítulo da novela tarifária de Trump
Estamos novamente às portas de mais um capítulo imprevisível da diplomacia de Trump, marcada por ameaças de última hora e recuos
Felipe Miranda: Troco um Van Gogh por uma small cap
Seria capaz de apostar que seu assessor de investimentos não ligou para oferecer uma carteira de small caps brasileiras neste momento. Há algo mais fora de moda do que elas agora? Olho para algumas dessas ações e tenho a impressão de estar diante de “Pomar com ciprestes”, em 1888.
Ontem, hoje, amanhã: Tensão com fim da trégua comercial dificulta busca por novos recordes no Ibovespa
Apetite por risco é desafiado pela aproximação do fim da trégua de Donald Trump em sua guerra comercial contra o mundo
Talvez fique repetitivo: Ibovespa mira novos recordes, mas feriado nos EUA drena liquidez dos mercados
O Ibovespa superou ontem, pela primeira vez na história, a marca dos 141 pontos; dólar está no nível mais baixo em pouco mais de um ano
A história não se repete, mas rima: a estratégia que deu certo no passado e tem grandes chances de trazer bons retornos — de novo
Mesmo com um endividamento controlado, a empresa em questão voltou a “passar o chapéu”, o que para nós é um sinal claro de que ela está de olho em novas aquisições. E a julgar pelo seu histórico, podemos dizer que isso tende a ser bastante positivo para os acionistas.
Ditados, superstições e preceitos da Rua
Aqueles que têm um modus operandi e se atêm a ele são vitoriosos. Por sua vez, os indecisos que ora obedecem a um critério, ora a outro, costumam ser alijados do mercado.