Governar a Alemanha será como dançar sobre um campo minado
O primeiro grande obstáculo do novo governo vem de fora: as tarifas comerciais de Trump, mas o verdadeiro teste de fogo será, sem dúvida, o dilema fiscal

O grande destaque do final de semana foi, sem dúvida, o resultado das eleições na Alemanha.
Friedrich Merz, líder do bloco conservador CDU/CSU, está prestes a assumir o cargo de chanceler após seu partido conquistar 28,5% dos votos — percentual que deve se traduzir em uma fatia ainda maior no parlamento, já que alguns partidos não atingiram a cláusula de barreira.
Agora, o caminho natural aponta para a formação de uma ampla coalizão com o SPD, que amargou 16,4% dos votos e se despede do poder após três anos sob a liderança apagada de Olaf Scholz.
A eleição não só registrou o maior comparecimento do século entre os eleitores alemães, como também marcou um avanço histórico: a ascensão meteórica do partido de extrema-direita AfD, que cravou 20% dos votos e garantiu a segunda colocação.
No entanto, o isolamento político do partido segue intacto, já que nenhuma outra sigla ousa sequer cogitar uma coalizão com eles. Resultado? A AfD permanece confinada ao papel de oposição oficial, latindo alto, mas sem a menor chance de morder.
O que está evidente é que Merz terá de equilibrar com habilidade as exigências internas de seu partido com as concessões necessárias para atrair e manter aliados.
Leia Também
Afinal, quem acompanha a política alemã sabe bem: formar uma coalizão é uma coisa; fazê-la funcionar de maneira coesa e duradoura é um desafio completamente diferente.
Fonte: ZDF/Forschungsgruppe Wahlen
Um pesadelo político?
Entre os cenários possíveis, o mercado não recebeu o desfecho ideal — aquele que viria com uma vitória mais expressiva do que a esperado do bloco conservador CDU/CSU —, mas também está longe de encarar um pesadelo político.
Na prática, a bancada de Friedrich Merz deve garantir uma fatia ainda maior das cadeiras no parlamento, já que algumas legendas, como o FDP (liberais pró-mercado) e o BSW (extrema esquerda), não atingiram o patamar mínimo de 5% exigido para representação. Ou seja, menos vozes para atrapalhar o processo legislativo.
Do ponto de vista econômico, a expectativa é de que um governo liderado por Merz rompa, pelo menos em parte, com a rigidez fiscal que definiu a política alemã nas últimas décadas. Afinal, o país tem espaço fiscal para isso — o famoso "luxo da austeridade".
A promessa de estímulos orçamentários não é apenas um capricho político, mas uma necessidade prática para revitalizar uma economia que já foi o motor de crescimento da Europa, mas que hoje range como uma engrenagem enferrujada.
A base industrial alemã enfrenta um processo contínuo de deterioração, sufocada por uma tempestade perfeita: custos energéticos nas alturas, despesas trabalhistas em ascensão e o peso de juros elevados. Essa combinação tem corroído a competitividade do setor manufatureiro, historicamente a espinha dorsal da economia alemã.
Enquanto o governo Scholz se perdeu em disputas internas e falta de direcionamento, a indústria foi deixada à própria sorte — e os números falam por si. Foi um desastre…
Diante desse cenário, a vitória de Merz não é exatamente um passaporte para a prosperidade, mas um lembrete de que o país precisará encarar desafios complexos e interligados.
Soluções pragmáticas serão essenciais, mas a pergunta que paira no ar é: até que ponto a retórica conservadora do CDU/CSU permitirá as concessões necessárias para destravar a economia sem romper a promessa de disciplina fiscal?
Como sempre, entre a teoria política e a realidade econômica, há um abismo que nenhum discurso eleitoreiro consegue preencher.
- LEIA MAIS: É hoje: CEO Conference 2025 vai reunir grandes nomes da economia, política e tecnologia; veja como participar
O teste de fogo na Alemanha de hoje
O primeiro grande obstáculo no caminho de Friedrich Merz pode vir, ironicamente, de fora: as tarifas comerciais propostas por Donald Trump.
O presidente norte-americano já deixou claro que pretende impor uma taxa de 25% sobre veículos, semicondutores e produtos farmacêuticos importados, atingindo em cheio a espinha dorsal da economia alemã — a poderosa indústria automotiva — e comprometendo as exportações de tecnologia avançada.
Considerando a dependência estrutural da Alemanha do comércio exterior, essa ameaça é particularmente sensível, exigindo de Merz não apenas habilidade diplomática, mas um talento quase acrobático para equilibrar interesses comerciais e políticos sem comprometer a competitividade do país.
Enquanto tenta se esquivar das investidas tarifárias de Washington, Merz enfrentará outro desafio interno igualmente espinhoso: a crise energética.
Desde a interrupção do fornecimento de gás russo — até então o alicerce do sistema energético alemão —, o país tem acelerado sua transição para fontes renováveis. No entanto, como de costume, a ambição verde tropeça na realidade prática.
A infraestrutura ainda é insuficiente para integrar de forma eficiente a energia gerada por parques eólicos e solares à rede nacional. O resultado? Um mercado energético fragmentado, caro e instável, que continua a sufocar a indústria e desviar investimentos.
Mas o verdadeiro teste de fogo será, sem dúvida, o dilema fiscal.
A Alemanha opera sob o rigoroso "freio da dívida" (Schuldenbremse), um dispositivo constitucional que limita o endividamento público — símbolo máximo da obsessão alemã pela austeridade. Foi justamente a disputa em torno do orçamento e dos gastos que levou ao colapso da coalizão governante no ano passado.
As propostas das principais legendas implicam um déficit adicional de 23 bilhões de euros (0,5% do PIB), ultrapassando o atual limite de 0,35%. E aí vem o nó: para flexibilizar essa regra, seria necessário um apoio de dois terços do parlamento, o que dá à oposição o poder de bloquear qualquer tentativa de reforma com apenas um terço das cadeiras.
- E MAIS: Calendário de resultados desta semana inclui Petrobras, Ambev, Weg e outras empresas; acompanhe a cobertura completa de balanços
Em um ambiente polarizado, esperar consenso político não é trivial.
Em resumo, Merz terá que navegar por um campo minado econômico e político, onde cada passo em falso pode custar caro.
Suas primeiras decisões serão cruciais não apenas para determinar o rumo da economia alemã, mas também para testar sua capacidade de consolidar uma liderança estável em meio a um cenário interno e externo volátil.
E, considerando a fragmentação parlamentar e a necessidade de costurar uma coalizão funcional, ninguém deveria se surpreender se as negociações se arrastarem por semanas — ou até meses (talvez até o final de abril tenhamos algo).
Por ora, o mercado reage com um otimismo: o euro subiu e as ações alemãs avançaram, embaladas pela esperança de um governo mais inclinado à flexibilização fiscal e ao crescimento. Resta saber se esse entusiasmo resistirá ao inevitável choque com a realidade das negociações nas próximas semanas. Afinal, como sempre na política europeia, entre a promessa e a entrega, o caminho é longo.
Como nasceu a ideia de R$ 60 milhões que mudou a história do Seu Dinheiro — e quais as próximas apostas
Em 2016, quando o Seu Dinheiro ainda nem existia, vi um gráfico em uma palestra que mudou minha carreira e a história do SD
A Eletrobras se livrou de uma… os benefícios da venda da Eletronuclear, os temores de crise de crédito nos EUA e mais
O colunista Ruy Hungria está otimista com Eletrobras; mercados internacionais operam no vermelho após fraudes reveladas por bancos regionais dos EUA. Veja o que mexe com seu bolso hoje
Venda da Eletronuclear é motivo de alegria — e mais dividendos — para os acionistas da Eletrobras (ELET6)
Em um único movimento a companhia liberou bilhões para investir em outros segmentos que têm se mostrado bem mais rentáveis e menos problemáticos, além de melhorar o potencial de pagamento de dividendos neste e nos próximos anos
Projeto aprovado na Câmara permite divórcio após a morte de um dos cônjuges, com mudança na divisão da herança
Processos iniciados antes do falecimento poderão ter prosseguimento a pedido dos herdeiros, deixando cônjuge sobrevivente de fora da herança
A solidez de um tiozão de Olympikus: a estratégia vencedora da Vulcabras (VULC3) e o que mexe com os mercados hoje
Conversamos com o CFO da Vulcabras, dona das marcas Olympikus e Mizuno, que se tornou uma queridinha entre analistas e gestores e paga dividendos mensais
Rodolfo Amstalden: O que o Nobel nos ensina sobre decisões de capex?
Bebendo do alicerce teórico de Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt se destacaram por estudar o papel das inovações tecnológicas nas economias modernas
A fome de aquisições de um FII que superou a crise da Americanas e tudo que mexe com o seu bolso nesta quarta (15)
A história e a estratégia de expansão do GGRC11, prestes a se tornar um dos cinco maiores FIIs da bolsa, são os destaques do dia; nos mercados, atenção para a guerra comercial, o Livro Bege e balanços nos EUA
Um atalho para a bolsa: os riscos dos IPOs reversos, da imprevisibilidade de Trump e do que mexe com o seu bolso hoje
Reportagem especial explora o caminho encontrado por algumas empresas para chegarem à bolsa com a janela de IPOs fechada; colunista Matheus Spiess explora o que está em jogo com a nova tarifa à China anunciada por Trump
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA
O declínio do império americano — e do dólar — vem aí? Saiba também o que mexe com os mercados hoje
No cenário nacional, investidores repercutem ligação entre Lula e Trump; no exterior, mudanças políticas na França e no Japão, além de discursos de dirigentes do Fed
O dólar já não reina sozinho: Trump abala o status da moeda como porto seguro global — e o Brasil pode ganhar com isso
Trump sempre deixou clara sua preferência por um dólar mais fraco. Porém, na prática, o atual enfraquecimento não decorre de uma estratégia deliberada, mas sim de efeitos colaterais das decisões que abalaram a confiança global na moeda
Felipe Miranda: Lições de uma semana em Harvard
O foco do curso foi a revolução provocada pela IA generativa. E não se engane: isso é mesmo uma revolução