Felipe Miranda: A arte da negociação — ou da guerra?
Podemos decidir como as operações militares começam, mas nunca será possível antecipar como elas terminam. Vale para a questão militar estrito senso, mas também se aplica à guerra tarifária
“Quando olhamos para a década de 1920, nada é mais estranho do que a forma como cada evento importante na Europa escapou à observação da intelligentsia inglesa. A Revolução Russa, por exemplo, desaparece da consciência inglesa entre a morte de Lênin e a Grande Fome — um período de cerca de dez anos. Durante esse tempo, Rússia significa Tolstoi, Dostoiévski e condes exilados dirigindo táxis. Itália significa galerias de arte, ruínas, igrejas e museus — mas não camisas-negras. Alemanha significa filmes, nudismo e psicanálise — mas não Hitler, de quem ninguém ouvira falar até 1931”. Isso é George Orwell, no texto “Dentro da baleia”.
Quando confiamos num acordo com Putin, estaríamos repetindo a ingenuidade de Chamberlain? Ao enfraquecer a Ordem Mundial definida pós-45, voltaremos a um mundo mais parecido com aquele anterior a 1914? Se não contamos mais com os EUA como xerife do mundo, a China poderia invadir Taiwan?
No clássico “Da Guerra”, o general prussiano Carl von Clausewitz nos apresenta a expressão “a neblina da guerra”. Podemos decidir como as operações militares começam, mas nunca será possível antecipar como elas terminam. Vale para a questão militar estrito senso, mas também se aplica à guerra tarifária. A esta altura, temos muito mais dúvidas do que certezas.
- VEJA MAIS: Caos nos mercados? ‘Ninguém gosta de incerteza, mas ela abre oportunidades’, diz analista que indica estas ações para investir; confira
Tarifas e retaliação
Ao longo da história dos EUA, identificam-se seis grandes ondas de alta tarifação e consequente retaliação.
A primeira delas ocorre em 1828, conhecida como “The Tariff of Abominations”, feita para proteger as indústrias do nordeste dos EUA, com uma alíquota de 45% sobre as importações. Teve como resposta imediata a redução da importação de algodão dos EUA por Inglaterra e por toda a Europa. Entre seus desdobramentos, chegamos à “Nullification Crisis” de 1832 e 1833, quando a Carolina do Sul se rebelou contra a autoridade central norte-americana.
O segundo movimento, conhecido como "McKinley Tariff", veio em 1890, sob 50% aplicados como tarifa de importações na maior parte dos produtos. Canadá e Alemanha responderam com tarifas elevadas sobre produtos agrícolas vindos dos EUA. Países exportadores de açúcar cortaram vendas para os EUA. A inflação veio a galope.
Leia Também
Economista revela o que espera para a Selic em 2025, e ações ligadas à inteligência artificial sofrem lá fora; veja o que mais mexe com o mercado hoje
O segredo do Copom, o reinado do Itaú e o que mais movimenta o seu bolso hoje
Já no século XX, mais precisamente em 1922, conhecemos o “Fordney-McCumber Tariff”, sob uma tarifa média de 38% para as importações norte-americanas. França e Alemanha rapidamente impuseram tarifas sobre produtos manufaturados vindos dos EUA, bem como impactaram o setor agrícola norte-americano fechando seus mercados aos americanos.
Chegamos então ao famoso "Smoot-Hawley Tariff”, de 1930, o ápice das tarifas de importação, de 59%. Mais de 25 países devolveram com tarifas sobre os EUA, cujas exportações chegaram a cair 61%. Houve um colapso do comércio global.
E os últimos dois episódios envolvem Donald Trump, tal como conhecemos (o penúltimo em 2018/19 e o último na semana passada).
- LEIA TAMBÉM: Felipe Miranda: Dedo no gatilho
O custo das tarifas
A observação histórica permite algumas conclusões. Em todos os eventos, a agricultura foi bastante afetada, sendo a mais impactada na maior parte das vezes.
O segundo elemento em comum é que, tradicionalmente, quem paga a conta é o consumidor final. Também é frequente a reação de outros países, que tipicamente retaliam com altas tarifas — entramos numa espiral intervencionista, com uma série de consequências não-deliberadas e, por vezes, contrárias às intenções originais.
Uma curiosidade em particular: em 1890, enquanto a posição original pretendia pressionar o Canadá a ponto até mesmo de forçar uma anexação aos EUA, o país acabou estreitando seus laços com a Inglaterra e compondo um bloco econômico com os britânicos. Qualquer semelhança com a atualidade talvez não seja mera coincidência.
Uma quarta consequência comum aos períodos de alta tarifação é que os cidadãos punem o partido político proponente das tarifas com menos votos à frente. Para fechar, claro que outra característica comum a todos os períodos é a “narrativa do bem” de que a taxação está sendo adotada para corrigir injustiças e promover empregos, enquanto se colhe como desdobramento prático uma enorme volatilidade entre as taxas de câmbio, maior inflação e menor crescimento econômico.
Talvez ainda mais importante para o longo prazo seja o fato de que a maior tarifação exacerba nacionalismos, mexe com o balanço global de poder e planta sementes para a militarização.
Os atos de 1828 são apontados como catalisadores para o recrudescimento entre o Norte e o Sul dos EUA, vistos, entre outros fatores, como o prenúncio da guerra civil de 1861 a 1865. Já em 1930, a fragilidade do comércio internacional como resultado da Smoot-Hawley Tariff levou à formação de blocos econômicos apartados — Alemanha e Japão passam a se militarizar com maior intensidade em resposta; os EUA reduzem sua liderança e hegemonia, abrindo espaço para regimes autoritários nacionalistas.
À época, Thomas Lamont, do JP Morgan, chegou a declarar: “eu quase me ajoelhei diante de Herbert Hoover pedindo para vetar a Smoot-Hawley Tariff. Aquele ato intensificou o nacionalismo em todo o mundo.”
Entre o acordo e a escalada
Estamos diante de uma bifurcação. Não é claro se Donald Trump impôs as tarifas como um mero instrumento negocial, em linha com sua típica estratégia descrita no livro “The Art of the Deal”, para chamar os demais países para a mesa de negociação e conseguir objetivos mais alinhados aos seus interesses, mas que resultem, no final, em manutenção de bons níveis de corrente de comércio; ou se as medidas são mesmo de longo prazo, como tentativa estrutural de reindustrializar os EUA, trazer de volta os empregos “blue collar” para os norte-americanos e melhorar a arrecadação tributária.
Talvez até seja algum tipo de combinação heterodoxa entre as duas coisas.
A maior probabilidade ainda parece indicar o primeiro caminho. Como disse Nouriel Roubini, os danos são tão perversos que o mínimo de racionalidade econômica forçará um recuo de Donald Trump. Em sentido semelhante, Bill Ackman, tradicional crítico aos Democratas, propôs um adiamento das tarifas, dando tempo de negociação para sua implementação. A imprensa tradicional sobe o tom contra Trump.
Se for mesmo esse o caso, os mercados tenderiam a se acalmar nas próximas semanas e, se a história serve de guia, apresentar vigorosa recuperação à frente. Desde 1950, o declínio de 10,5% do S&P 500 em apenas dois dias encontra poucos paralelos.
Em 19/10/1987, o recuo foi de 24,6% — um ano depois, a alta era de 28%; três anos depois, a valorização marcava 55%; cinco anos depois, 119%. Em 20/10/1987, a queda foi de 16,2%, para uma apreciação posterior de 24% em um ano, 47% em três anos e 108% em cinco anos.
Em 12/3/2020, a desvalorização em dois dias montou a 13,9%, para uma alta posterior de 62% em um ano, 63% em três anos e 144% em cinco anos. Já em 20/11/2008, a queda de dois pregões foi de 12,4%, sucedida de uma valorização de 49% em um ano, 73% em três anos e 164% em cinco anos.
Em contrapartida, mesmo que de baixa probabilidade, a continuidade de uma escalada da guerra tarifária teria impactos tão pronunciados que não pode ser desconsiderada. A hipótese de estarmos apenas elucubrando sobre uma Terceira Guerra Mundial é suficientemente assustadora.
Se alguém ainda é capaz de pensar em alocação de recursos num ambiente assim, uma boa pedida seria ouro, compra de títulos no Japão e investimentos no setor de defesa na Europa. A rigor, estar no meio do Planalto Central brasileiro não é exatamente uma má ideia.
Petrobras (PETR4) pode surpreender com até R$ 10 bilhões em dividendos, Vale divulgou resultados, e o que mais mexe com seu bolso hoje
A petroleira divulgou bons números de produção do 3° trimestre, e há espaço para dividendos bilionários; a Vale também divulgou lucro acima do projetado, e mercado ainda digere encontro de Trump e Xi
Dividendos na casa de R$ 10 bilhões? Mesmo depois de uma ótima prévia, a Petrobras (PETR4) pode surpreender o mercado
A visão positiva não vem apenas da prévia do terceiro trimestre — na verdade, o mercado pode estar subestimando o potencial de produção da companhia nos próximos anos, e olha que eu nem estou considerando a Margem Equatorial
Vale puxa ferro, Trump se reúne com Xi, e bolsa bateu recordes: veja o que esperar do mercado hoje
A mineradora divulga seus resultados hoje depois do fechamento do mercado; analistas também digerem encontro entre os presidentes dos EUA e da China, fala do presidente do Fed sobre juros e recordes na bolsa brasileira
Rodolfo Amstalden: O silêncio entre as notas
Vácuos acumulados funcionaram de maneira exemplar para apaziguar o ambiente doméstico, reforçando o contexto para um ciclo confiável de queda de juros a partir de 2026
A corrida para investir em ouro, o resultado surpreendente do Santander, e o que mais mexe com os mercados hoje
Especialistas avaliam os investimentos em ouro depois do apetite dos bancos centrais por aumentar suas reservas no metal, e resultado do Santander Brasil veio acima das expectativas; veja o que mais vai afetar a bolsa hoje
O que a motosserra de Milei significa para a América Latina, e o que mais mexe com seu bolso hoje
A Argentina surpreendeu nesta semana ao dar vitória ao partido do presidente Milei nas eleições legislativas; resultado pode ser sinal de uma mudança política em rumo na América Latina, mais liberal e pró-mercado
A maré liberal avança: Milei consolida poder e reacende o espírito pró-mercado na América do Sul
Mais do que um evento isolado, o avanço de Milei se insere em um movimento mais amplo de realinhamento político na região
Os balanços dos bancos vêm aí, e mercado quer saber se BB pode cair mais; veja o que mais mexe com a bolsa hoje
Santander e Bradesco divulgam resultados nesta semana, e mercado aguarda números do BB para saber se há um alçapão no fundo do poço
Só um susto: as ações desta small cap foram do céu ao inferno e voltaram em 3 dias, mas este analista vê motivos para otimismo
Entenda o que aconteceu com os papéis da Desktop (DESK3) e por que eles ainda podem subir mais; veja ainda o que mexe com os mercados hoje
Por que o tombo de Desktop (DESK3) foi exagerado — e ainda vejo boas chances de o negócio com a Claro sair do papel
Nesta semana os acionistas tomaram um baita susto: as ações DESK3 desabaram 26% após a divulgação de um estudo da Anatel, sugerindo que a compra da Desktop pela Claro levaria a concentração de mercado para níveis “moderadamente elevados”. Eu discordo dessa interpretação, e mostro o motivo.
Títulos de Ambipar, Braskem e Raízen “foram de Americanas”? Como crises abalam mercado de crédito, e o que mais movimenta a bolsa hoje
Com crises das companhias, investir em títulos de dívidas de empresas ficou mais complexo; veja o que pode acontecer com quem mantém o título até o vencimento
Rodolfo Amstalden: As ações da Ambipar (AMBP3) e as ambivalências de uma participação cruzada
A ambição não funciona bem quando o assunto é ação, e o caso da Ambipar ensina muito sobre o momento de comprar e o de vender um ativo na bolsa
Caça ao Tesouro amaldiçoado? Saiba se Tesouro IPCA+ com taxa de 8% vale a pena e o que mais mexe com seu bolso hoje
Entenda os riscos de investir no título público cuja remuneração está nas máximas históricas e saiba quando rendem R$ 10 mil aplicados nesses papéis e levados ao vencimento
Crônica de uma tragédia anunciada: a recuperação judicial da Ambipar, a briga dos bancos pelo seu dinheiro e o que mexe com o mercado hoje
Empresa de gestão ambiental finalmente entra com pedido de reestruturação. Na reportagem especial de hoje, a estratégia dos bancões para atrair os clientes de alta renda
Entre o populismo e o colapso fiscal: Brasília segue improvisando com o dinheiro que não tem
O governo avança na implementação de programas com apelo eleitoral, reforçando a percepção de que o foco da política econômica começa a se deslocar para o calendário de 2026
Felipe Miranda: Um portfólio para qualquer clima ideológico
Em tempos de guerra, os generais não apenas são os últimos a morrer, mas saem condecorados e com mais estrelas estampadas no peito. A boa notícia é que a correção de outubro nos permite comprar alguns deles a preços bastante convidativos.
A temporada de balanços já começa quente: confira o calendário completo e tudo que mexe com os mercados hoje
Liberamos o cronograma completo dos balanços do terceiro trimestre, que começam a ser divulgados nesta semana
CNH sem autoescola, CDBs do Banco Master e loteria +Milionária: confira as mais lidas do Seu Dinheiro na semana
Matérias sobre o fechamento de capital da Gol e a opinião do ex-BC Arminio Fraga sobre os investimentos isentos de IR também integram a lista das mais lidas
Como nasceu a ideia de R$ 60 milhões que mudou a história do Seu Dinheiro — e quais as próximas apostas
Em 2016, quando o Seu Dinheiro ainda nem existia, vi um gráfico em uma palestra que mudou minha carreira e a história do SD
A Eletrobras se livrou de uma… os benefícios da venda da Eletronuclear, os temores de crise de crédito nos EUA e mais
O colunista Ruy Hungria está otimista com Eletrobras; mercados internacionais operam no vermelho após fraudes reveladas por bancos regionais dos EUA. Veja o que mexe com seu bolso hoje