Tony Volpon: O improvável milagre do pouso suave americano
Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar.
Acho importante contextualizar o que estamos vendo hoje na economia americana pela sua quase total improbabilidade: um provável “pouso suave” depois do maior surto inflacionário desde os anos 70.
Não é bom “normalizar” esse resultado porque isso pode gerar uma atitude de conforto e descuido nas análises e decisões de investimento.
Eu confesso que eu tive um grande acerto e um grande erro olhando a conjuntura americana nesses últimos anos.
Quando os bancos centrais – inclusive o nosso Banco Central – estavam pregando que o surto inflacionário, que começou no final de 2020, era algo transitório, estava muito claro para mim que não era o caso (apesar que a extensão da inflação em 2021-2022 superou as minhas já pessimistas previsões na época).
Mas posteriormente, vendo a forte e tardia reação dos bancos centrais, eu achava que uma recessão era algo quase que garantido.
A razão principal dessa conclusão foi pelo track record histórico: pousos suaves são muito raros.
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Por que, então, este ciclo foi diferente? Acho que há três razões principais.
Primeiro, o impacto/uso da política fiscal.
A forte expansão fiscal durante a pandemia – vimos no caso americano o maior nível de gastos desde a segunda guerra mundial – foi fator agravante durante o período inflacionário, mas tem ajudado a sustentar a demanda durante o período de contração monetária, inicialmente pelo consumo via transferências de renda, e depois pelos investimentos com a aprovação pelo governo Biden do Anti-inflation Act (que na verdade tem pouco a ver com a inflação e foi um programa de investimentos voltado a transição climática); o pacote de investimentos em infraestrutura; e o pacote de investimentos na área de chips (que é justificado por razões de segurança nacional no contexto da concorrência com a China).
Importante notar que durante o período da pandemia, a política fiscal foi ajudada pela forte expansão do balanço do Fed via QE, o que efetivamente permitiu um swap de títulos longos emitido pelo Tesouro Americano por base monetária que ficou no próprio balanço do Fed como reservas bancárias rendendo fed funds.
Assim a avalanche de títulos acabou impactando pouco a curva de juros por ser efetivamente financiado por emissão monetária remunerada.
O segundo fator foi a “bolha” da inteligência artificial. Os EUA tiveram sorte que o período de restrição monetária coincidiu com o boom da AI na bolsa americana, algo que a sustentou como um todo – ajudando a manter as condições financeiras expansivas e aumentando o patrimônio das famílias– e gerou outro forte vetor de investimentos corporativos.
O último fator foi a forte onda migratória que ocorreu no início do governo Biden que ajudou a distensionar o mercado de trabalho pelo aumento da oferta, gerando forte vetor desinflacionário pela contenção de pressão salarial.
Se olharmos hoje esses três fatores, percebemos que cada um deles tem perdido força ao longo deste ano. Esta é a principal razão pela qual o Fed está com pressa para cortar a taxa de juros.
O déficit fiscal se manteve elevado (ao redor de 6% do PIB), mas o recente acordo orçamentário entre o governo e o Congresso Republicano congelou despesas discricionárias, algo que vai diminuir a sustentação da demanda agregada.
Ao mesmo tempo, o Fed não está mais “ajudando” com QE que virou QT, com seu balanço já caindo US$1.8 trilhões desde seu pico em maio de 2022.
Enquanto a onda migratória foi positiva no combate à inflação, ela foi um desastre político para o Biden, que tomou uma série de medidas para sua restrição durante o período eleitoral, e assim o nível de imigração ilegal voltou a níveis perto daquilo que havia durante o governo Trump (o que vai acontecer depois da eleição, se Harris ganhar, ninguém pode dizer). Assim, por enquanto pelo menos, a forte expansão da oferta de trabalho acabou.
E finalmente, enquanto a bolha AI não exatamente implodiu – as bolsas continuam a rodar perto de seus níveis máximos – hoje há um debate mais vigoroso sobre a tese de investimento e menos euforia com o tema, basta olhar o preço da NVIDIA.
Todos esses fatores têm levado a uma perda de dinamismo econômico, especialmente no mercado de trabalho.
É verdade que o Powell conseguiu a proeza nesta última reunião de baixar o fed funds por um maior do que esperado 0,5% sem assustar o mercado com a possibilidade de uma recessão – levando o S&P 500 a fazer novas máximas. Nos preços de hoje, com um múltiplo de 22% sobre o lucro, o valuation do S&P 500 está em um dos seus maiores patamares dos últimos 20 anos.
Mas se esse cenário benigno vai se provar duradouro vai depender da evolução da economia, que nesses preços está precificada a perfeição.
De um lado, a economia tem que continuar a crescer. Uma maneira simplista, mas a meu ver eficiente, de julgar isso, de acordo com a Morgan Stanley, é o nível de payroll mensal: qualquer coisa acima de 150 mil novos postos de trabalho seria risk on; qualquer coisa abaixo de 100 mil, risk off.
O segundo fator seria o comportamento da inflação. O Fed pode estar convencido de que a inflação está convergindo à meta, mas o núcleo de serviços do PCE ainda está rodando em 3,5%, longe dos 2%.
Apesar do Powell ter defendido que o balanço de risco hoje está simétrico, cortar os juros dessa maneira com a inflação ainda nesses níveis claramente indica que o Fed hoje está de fato mais preocupado com a segunda perna do seu mandato duplo: o emprego.
Isso dito, se a inflação sofrer algum repique – como aconteceu no início de ano – a atual precificação de cortes de juros feitas pelo mercado – que hoje está mais otimista que o Fed – não deve se concretizar.
Em resumo, Powell vendeu ao mercado um belo sonho de um pouso suave perfeito. Temos que estar cientes que é isso que os mercados hoje precificam, sem muito espaço para errar. Assim, a meu ver, não é o momento de ter exposição máxima de risco.
Independentemente de como essa história vai acabar, devemos ver em algum momento uma sequência de dados – ou eventos, como a eleição presidencial – que deve abalar essa crença no final feliz perfeito, dando oportunidades de compra em níveis mais condizentes com os riscos conjunturais subjacentes.
*Tony Volpon é economista e ex-diretor do Banco Central.
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