Felipe Miranda: Ibovespa a 200 mil pontos, é possível?
Muito se fala de uma iminente disparada do Ibovespa, mas até que ponto a bolsa brasileira pode chegar? Tudo depende das premissas
Será que nunca faremos se não confirmar a incompetência da América Católica?(…)
Será, será, que será? Que será, que será?
Caetano Veloso, em 'Podres Poderes'
Na quinta-feira passada, estivemos juntos com nossos clientes da Empiricus Wealth para uma conversa presencial, recheada de uns comes e bebes, porque ninguém é de ferro.
Falei um pouco sobre cenário macro e sistêmico, depois tratamos de duas megatrends globais (e espero que também brasileiras) para a próxima década. Vinícius Bazan nos trouxe as potencialidades da inteligência artificial e, para encerrar, Felipe Monteiro apresentou nosso novo fundo de carbono, inserido com vantagens bastante interessantes no contexto da transição energética mundial.
Em certo momento, fui perguntado por um dos participantes: “entendo a conjuntura favorável para o segundo semestre, mas será mesmo que o Brasil tem uma chance para o longo prazo? Podemos manter alguma esperança como cidadãos?”
Como tenho manifestado minha perspectiva construtiva para as ações brasileiras e o interlocutor integra nosso grupo de três leitores, a questão me pareceu vir carregada de uma interpretação de que meus comentários positivos sobre a bolsa significavam uma projeção de um Brasil grande lá na frente.
Numa linha semelhante, o bom e competente jornalista Amauri Segalla escreveu, no Estado de Minas:
“Para alguns gestores e analistas, o Ibovespa poderá chegar, até o final de 2024, perto dos 200 mil pontos.(…) Um dos entusiastas da teoria é Felipe Miranda, fundador da Empiricus, que sustenta sua estimativa analisando os movimentos anteriores do mercado financeiro após o início de ciclos de cortes de juros.”
Para deixar claro, não tenho nenhum problema com os parágrafos acima. Ao contrário, sempre me interesso por qualquer interlocução com clientes (inclusive me sinto honrado por ela) e carrego profunda admiração e respeito por jornalistas competentes, como é o caso.
Quero aqui fazer apenas um pequeno esclarecimento, dizer uma bobagenzinha ou outra para qualificar minha opinião. Sou um daqueles chatos de Millôr Fernandes, "aquele que explica tudo tim-tim por tim-tim… e depois ainda entra em detalhes.”
Bolsa e previsões: acertar ou não acertar, qual a diferença?
A verdade é que não tenho uma resposta muito embasada sobre a questão objetiva “se o Brasil tem uma chance ou não". Tudo que sei, voltando a Caetano, é que somos uns boçais. Somos todos um grande escândalo, recorrendo agora ao James Hillman.
É sempre uma arrogância intelectual enorme traçar prognósticos de longo prazo, sobretudo em ambientes de incertezas e alta complexidade. Jogamos uma moeda para cima. Metade se diz otimista, com ótimos argumentos; a outra parcela é pessimista, igualmente consubstanciada por sólidos elementos.
Depois, aleatoriamente, um dos grupos vai se mostrar certo e destilará o insuportável “eu não avisei?” em suas comunicações por aí, na típica confusão entre competência e sorte, mais comum entre os autocelebrantes da própria capacidade de defecar sapiência.
Se considerarmos ainda a conjuntura, em que provavelmente estamos diante de uma das maiores transformações da História na tecnologia e seu uso na sociedade, em que mesmo os especialistas mais dedicados se mostram incertos sobre como estaremos diante da exponencialidade da inteligência artificial em 10 anos, falar do longo prazo é quase ridículo. “Você faz planos e Deus ri”.
Ressalva feita, meu ponto é que não sou exatamente um otimista com o Brasil. Também não quer dizer que eu seja necessariamente pessimista. Esse nem é muito meu jogo.
Posso fazê-lo como cidadão, numa mesa de bar, entre uma jurubeba e um La Tâche, mas não profissionalmente. Minha tarefa é comparar preços e valores intrínsecos, com a dificuldade usual de estimação desse tal valor intrínseco, um camarada que você não encontra na rua.
O Brasil é um caso típico de reversão à média, o “cercadinho" de Paulo Guedes, o país que flerta com o precipício e volta ou, nas palavras de Eliezer Batista, a nação que se aproxima do buraco mas não cai porque é maior do que o buraco.
E como os preços estavam muito baratos, parece razoável supor uma apreciação, apenas para convergir à média.
Ao mesmo tempo, quando o Cristo Redentor decolar na capa da Economist, o juro da NTN-B estiver em 3,50%, todos acharem que nos aproximamos da Suíça, ou, nas palavras de Luis Stuhlberger, houver três IPOs por semana, você vende.
Ibovespa a 200 mil pontos?
Essa é a ponte para falarmos do segundo ponto: não prevejo o Ibovespa a 200 mil pontos. Na real, essa não é a minha previsão porque nem tenho uma. Argumento apenas que os movimentos costumam ser muito maiores do que nossas cabeças lineares gostariam de supor.
Há uma tendência humana em sempre projetar um futuro muito semelhante ao presente, porque a alternativa seria admitir para si mesmo que tudo pode mudar radicalmente amanhã — o que seria uma hipótese bastante assustadora e de difícil aceitação para os ávidos por desejo de controle.
Ainda que, ao melhor estilo Kafka, eu também me incline a certos exageros, caminhar para um nível próximo aos 200 mil pontos não seria nada fora do comum.
Tomo emprestadas as frases escritas em Palavra do Estrategista recente:
"O Ibovespa negocia hoje a um Preço sobre Lucro de 8x, contra uma média histórica de 10,9x. Se fôssemos só voltar para a média, estaríamos falando de um potencial de valorização de 36%. Isso levaria o Ibovespa aos 165 mil pontos.
O consenso de mercado sugere um crescimento dos lucros do Ibovespa de 10% para 2024. Então, para o mesmo Preço sobre Lucro, as cotações precisariam subir mais 10%. Em sendo o caso, chegaríamos a 181 mil pontos ao final do ano que vem, só para convergirmos à média histórica.
No entanto, temos visto uma série de revisões para cima nos lucros corporativos, numa dinâmica potencialmente incompleta e resultado da maior resiliência da atividade econômica e de uma redução mais acentuada das taxas de juro.
Ou seja, talvez o consenso de mercado passe a convergir para um crescimento dos lucros entre 15% e 20% no ano que vem, o que, repetindo o exercício, nos levaria a 189 mil e 198 mil pontos para o Ibovespa ao final de 2024.
Num cenário ainda mais otimista (menos provável, mas possível), se formos tomados por um juro abaixo do neutro e melhores perspectivas de crescimento dos lucros, teríamos chance de negociar, como já observamos em outros momentos de alguma euforia, acima da média histórica de lucros, algo em torno de um desvio-padrão acima da média.
Isso levaria o índice para uma relação Preço sobre Lucro em torno de 13x, um potencial de valorização de 62,5%, ou 198 mil pontos. Mais 10% de crescimento dos lucros projetados para 2024, chegaríamos a 218 mil pontos.
Ressalva importante: esse é um cenário mais otimista e de menor probabilidade, mas transmite um pouco do tamanho do upside caso as coisas caminhem de maneira favorável.
Entre as small caps, o espaço poderia ser ainda maior. Dos atuais 9,6x de Preço sobre Lucro para a média histórica de 15,4x, teríamos uma caminhada de 60% do SMAL. Se os lucros corporativos aqui também crescerem mais 10% em 2024, falaríamos de 70% só para voltar às médias."
O que fazer agora?
Ao reler esse texto, espontaneamente me lembrei de uma conferência no Credit Suisse, acho que foi em 2015, em que, à época, em mais um de seus acertos, Rogério Xavier falou algo mais ou menos assim (as palavras devem ter sido outras, porque a memória já não é mais a mesma, mas o espírito está preservado):
“eu não sei se o dólar vai a R$ 3, R$ 4… sei lá… mas isso não importa. Está tão fora do lugar que você precisa comprar.”
Eu também não sei se o Ibovespa vai a 200 mil pontos. Ninguém sabe. Mas, nesses níveis, parece que é pra comprar. Na época do Fim do Brasil, o dólar foi a R$ 4 mesmo.
LCIs e LCAs ‘obrigam’ investidores a buscar outros papéis na renda fixa, enquanto a bolsa tem que ‘derrotar vilões’ para voltar a subir em 2024
Vale divulga balanço do 1T24 e elétricas sofrem com performance negativa; veja os destaques da semana na ‘De repente no mercado’
Comprei um carro com meu namorado, mas terminamos e ele não me pagou a parte dele; o que fazer para não tomar calote?
Ex-namorado da leitora não pagou a parte dele nem se movimenta para vender o carro; e agora?
Imposto de 25% para o aço importado: só acreditou quem não leu as letras miúdas
Antes que você entenda errado, não sou favorável a uma maior taxação apenas porque isso beneficia as ações das siderúrgicas brasileiras – só que elas estão em uma briga totalmente desigual contra as chinesas
O Enduro da bolsa: mercado acelera com início da temporada de balanços do 1T24, mas na neblina à espera do PCE
Na corrida dos mercados, Usiminas dá a largada na divulgação de resultados. Lá fora, investidores reagem ao balanço da Tesla
Decisão do Copom em xeque: o que muda para a Selic depois dos últimos acontecimentos?
O Banco Central do Brasil enfrentará um grande dilema nas próximas semanas
Felipe Miranda: A pobreza das ações
Em uma conversa regada a vinho, dois sujeitos se envolvem em um embate atípico, mas quem está com a razão?
Enquanto o dólar não para de subir… Brasil sobe em ranking internacional e este bilionário indonésio fica 10x mais rico em um ano
Veja os destaques da semana na ‘De repente no mercado’
Dividendos de Klabin (KLBN11), Gerdau (GGBR4) e Petrobras (PETR4), halving do bitcoin e Campos Neto dá pistas sobre o futuro da Selic — veja tudo o que foi destaque na semana
A ‘copa do mundo’ das criptomoedas aconteceu de novo. A recompensa dos mineradores por bloco de bitcoin caiu pela metade
Meu pai me ajudou a comprar um imóvel; agora ele faleceu, e meu irmão quer uma parte do valor; foi adiantamento de herança?
O irmão desta leitora está questionando a partilha da herança do pai falecido; ele tem razão?
A ação que dá show em abril e mostra a importância de evitar histórias com altas expectativas na bolsa
Ações que embutiam em seus múltiplos elevadas expectativas de melhora macroeconômica e crescimento de lucros decepcionaram e desabaram nos últimos dias, mas há aquela que brilha mesmo em um cenário adverso
Leia Também
-
Bolsa hoje: Ibovespa sobe quase 1% com 'reação tardia' a elevação de perspectiva de rating e a juros nos EUA; dólar cai a R$ 5,11
-
IFIX: Dez fundos imobiliários que devem entrar e três que podem sair da carteira do principal índice de FIIs da B3
-
Bradesco (BBDC4): CEO diz que inadimplência deve seguir em queda — mas outro indicador pesa sobre as ações na B3
Mais lidas
-
1
O dólar já era? Campos Neto diz quem vence a disputa como moeda da vez no mundo — e não é quem você pensa
-
2
Bradesco (BBDC4) tem nova queda no lucro no 1T24, mas supera previsões; veja os destaques do balanço
-
3
Subsidiária da Oi (OIBR3) anuncia emissão de 14,9 bilhões de ações a um preço total de R$ 4; operação renderá economia de R$ 1,78 bi à tele