Felipe Miranda: Penitências marcadas a mercado
Estamos há anos debatendo a questão fiscal, uma preocupação insuperável. Talvez seja o caso de vasculharmos cases capazes de andar bem a despeito das discussões fiscais, do que propriamente esperar por Godot.

Desde que Bia e Beto (COO e CMO da Empiricus, nessa ordem) reclamaram, com toda razão, da repetição da expressão “vocação jesuíta” neste espaço, evito resgatá-la. Mas, sabe como é, vira e mexe o chamamento faz uma visita de cortesia indesejada. “Somos vividos por poderes que fingimos entender” – essa frase, assim mesmo, na voz passiva, também me persegue.
A ideia da penitência está enraizada na herança católica. O sacrifício seria necessário para um bem posterior. Teríamos que pagar, em determinadas situações até eternamente, por qualquer pecado. Virou até piada do Howard Marks: “capitalismo sem falência é igual a catolicismo sem inferno: não funciona.” A culpa ou o medo de um futuro muito ruim como ferramentas para obrigar a andar na linha.
Claro que a coisa é muito anterior ao cristianismo. Os mitos gregos já contemplavam com primor as quatro penitências típicas e os egos associados a cada uma delas. Os paralelos com o mercado financeiro são por minha conta.
Por ter desafiado e enganado os deuses com sua inteligência e esperteza, Sísifo foi condenado a levar uma enorme pedra até o cume de uma montanha; na iminência de completar seu trabalho, a pedra sempre caía até o vale, exigindo a repetição da dinâmica por toda a eternidade. Ao mito, está associada uma persistente preocupação – ao subir com a pedra novamente, Sísifo já antevia o que estava por vir.
- Leia também: Felipe Miranda — Efeito Americanah
O ciclo vicioso do mercado brasileiro
O mercado brasileiro parece enveredar por um ciclo vicioso inquebrável e repetitivo. Do ponto de vista técnico, travamos numa faixa de oscilação entre 105 mil pontos e 115 mil pontos. Batemos na banda superior e voltamos ao vale, sem direção definida. Estamos há anos debatendo a questão fiscal, uma preocupação insuperável. Talvez seja o caso de vasculharmos cases capazes de andar bem a despeito das discussões fiscais, do que propriamente esperar por Godot.
Prometeu roubou o fogo dos deuses e foi punido com uma águia que vinha bicar seu fígado todos os dias, acorrentado ao Cáucaso. Aqui falamos do ego impaciente.
Leia Também
O mercado pede, acertadamente, a definição de um novo e crível arcabouço fiscal. Ao mesmo tempo, lê cada ruído vindo de retórica eleitoreira, com Gleisi Hoffmann sendo talvez a figurinha mais repetida nesse álbum, como garantia de efetivo sinal de mudança na direção da heterodoxia.
Não há nada mais importante do que o estabelecimento de uma nova âncora fiscal no Brasil neste momento. Talvez só a preservação da âncora monetária, infelizmente também em risco, possa estar no mesmo nível de relevância. Contudo, havemos de reconhecer a necessidade de um pouco mais de tempo para isso. Não há meios de, a exemplo de um menino mimado, exigir que isso esteja na mesa desde a largada. “Eu quero do meu jeito, agora e neste lugar.”
Não funciona assim. A materialidade de discursos só vem, nesses casos, depois do discurso. Não há atalhos ou espaço para ansiedade. Quando você pula logo para conclusão a partir de uma retórica de palanque, corre um risco com consequências potenciais muito mais severas: de concluir errado. Há um tempo de acomodação da comunicação entre governo e mercado.
E mesmo algum revanchismo por questões históricas pode ser dissipado com o tempo, viagens internacionais hospitaleiras e reconhecimento da comunidade financeira.
- [RENDA EXTRA] Treinamento exclusivo do Seu Dinheiro ensina como você pode gerar renda mensal recorrente. Clique aqui para acessar gratuitamente.
Meta de inflação
Toda a celeuma em torno das metas de inflação é exemplo importante de como as discussões precisariam ser debatidas com mais profundidade e sem viés, de parte a parte. Se Lula erra na forma (de fato, ele erra), o mérito passa longe de ser intocável.
Sergio Werlang, autor do primeiro working paper do Banco Central sobre a implementação do sistema de metas, é um dos defensores de uma meta superior a 3% para a inflação brasileira. E se precisamos de outros argumentos de autoridade, recorremos a Luis Stuhlberger, André Jakurski e Rogério Xavier: em evento no BTG, formaram unanimidade em prol da revisão da meta de inflação.
Voltando aos mitos, Atlas queria importância e protagonismo. Levou logo a tarefa de carregar o mundo inteiro nas costas. Faria Lima e Leblon pedem a atenção do governo para suas questões, o que, aliás, é legítimo.
O governo, inclusive, atira no próprio pé quando reclama do mercado. O dólar sobe, os juros futuros sobem, a inflação desancora, os empresários param de investir por conta da incerteza, o desemprego aumenta.
Mas estariam o Leblon e a Faria Lima preparados também para debater as questões do governo? Será que não teria chegado a hora de sairmos dessa discussão adolescente de quem pode mais e quer mais protagonismo, e enveredarmos por um discurso de união nacional efetiva?
Há, inclusive, oportunidades expressivas de uma agenda conjunta, sendo a ideia de uma “onda verde” talvez a mais emblemática. Por que não unir laços em prol de financiamentos de longo prazo, a taxas de mercado, para a Economia verde? Não haveria meios de aproximar a Faria Lima do pequeno produtor rural, a partir de tecnologia e acessibilidade?
O mercado e a frustração eterna
Para encerrar, Tântalo era o insatisfeito crônico. Já era o mortal queridinho dos deuses, mas queria ele mesmo se transformar num deus. Tomou o castigo da fome e da sede. Quando se debruçava para beber água, essa desaparecia. Ao se aproximar de frutos, esses se afastavam.
O governo eleito é de esquerda. Para alguém de orientação liberal, como eu, não é o desejo íntimo. Mas é a realidade que, como diz Woody Allen, ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife. Enquanto não houver reconhecimento explícito de que se trata de um governo de esquerda, estaremos condenados à eterna frustração.
Se abandonarmos o platonismo ou a espera por uma transmutação pessoal em alguma espécie de deus grego, talvez consigamos reconhecer algum mérito da mediocridade brasileira. A imprensa classifica a eventual reoneração parcial e faseada dos combustíveis como uma “meia derrota de Haddad”.
Não é mentira, mas também poderia ser vista como uma meia vitória. O Brasil não vai bem. Dificilmente irá muito bem. Mas também não vai tão mal quanto o preço de alguns ativos faz crer. Os juros reais são convidativos e o valuation de algumas ações tangencia níveis de ruptura. Isso sugere um modesto e ligeiro otimismo à frente. É o máximo que a penitência me permite.
100% de tarifa, 0% de previsibilidade: Trump reacende risco global com novo round da guerra comercial com a China
O republicano voltou a impor tarifas de 100% aos produtos chineses. A decisão foi uma resposta direta ao endurecimento da postura de Pequim
Felipe Miranda: Perdidos no espaço-tempo
Toda a Ordem Mundial dos últimos anos dá lugar a uma nova orientação, ao menos, por enquanto, marcada pela Desordem
Abuse, use e invista: C&A queridinha dos analistas e Trump de volta ao morde-assopra com a China; o que mexe com o mercado hoje?
Reportagem especial do Seu Dinheiro aborda disparada da varejista na bolsa. Confira ainda a agenda da semana e a mais nova guerra tarifária do presidente norte-americano
ThIAgo e eu: uma conversa sobre IA, autenticidade e o futuro do trabalho
Uma colab entre mim e a inteligência artificial para refletir sobre três temas quentes de carreira — coffee badging, micro-shifting e as demissões por falta de produtividade no home office
A pequena notável que nos conecta, e o que mexe com os mercados nesta sexta-feira (10)
No Brasil, investidores avaliam embate após a queda da MP 1.303 e anúncio de novos recursos para a construção civil; nos EUA, todos de olho nos índices de inflação
Esta ação subiu mais de 50% em menos de um mês – e tem espaço para ir bem mais longe
Por que a aquisição da Desktop (DESK3) pela Claro faz sentido para a compradora e até onde pode ir a Microcap
Menos leão no IR e mais peru no Natal, e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (9)
No cenário local, investidores aguardam inflação de setembro e repercutem derrota do governo no Congresso; nos EUA, foco no discurso de Powell
Rodolfo Amstalden: No news is bad news
Apuração da Bloomberg diz que os financistas globais têm reclamado de outubro principalmente por sua ausência de notícias
Pão de queijo, doce de leite e… privatização, e o que mexe com os mercados nesta quarta-feira (8)
No Brasil, investidores de olho na votação da MP do IOF na Câmara e no Senado; no exterior, ata do Fomc e shutdown nos EUA
O declínio do império americano — e do dólar — vem aí? Saiba também o que mexe com os mercados hoje
No cenário nacional, investidores repercutem ligação entre Lula e Trump; no exterior, mudanças políticas na França e no Japão, além de discursos de dirigentes do Fed
O dólar já não reina sozinho: Trump abala o status da moeda como porto seguro global — e o Brasil pode ganhar com isso
Trump sempre deixou clara sua preferência por um dólar mais fraco. Porém, na prática, o atual enfraquecimento não decorre de uma estratégia deliberada, mas sim de efeitos colaterais das decisões que abalaram a confiança global na moeda
Felipe Miranda: Lições de uma semana em Harvard
O foco do curso foi a revolução provocada pela IA generativa. E não se engane: isso é mesmo uma revolução
Tudo para ontem — ou melhor, amanhã, no caso do e-commerce — e o que mexe com os mercados nesta segunda-feira (6)
No cenário local, investidores aguardam a balança comercial de setembro; no exterior, mudanças de premiê na França e no Japão agitam as bolsas
Shopping centers: é melhor investir via fundos imobiliários ou ações?
Na última semana, foi divulgada alteração na MP que trata da tributação de investimentos antes isentos. Com o tema mais sensível retirado da pauta, os FIIs voltam ao radar dos investidores
A volta do campeão na ação do mês, o esperado caso da Ambipar e o que move os mercados nesta sexta-feira (3)
Por aqui, investidores ainda avaliam aprovação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil; no exterior, todos de olho no shutdown nos EUA, que suspendeu a divulgação de dados econômicos
Tragédia anunciada: o que a derrocada da Ambipar (AMBP3) ensina sobre a relação entre preço e fundamento
Se o fundamento não converge para o preço, fatalmente é o preço que convergirá para o fundamento, como no caso da Ambipar
As críticas a uma Petrobras ‘do poço ao posto’ e o que mexe com os mercados nesta quinta-feira (2)
No Brasil, investidores repercutem a aprovação do projeto de isenção do IR e o IPC-Fipe de setembro; no exterior, shutdown nos EUA e dados do emprego na zona do euro
Rodolfo Amstalden: Bolhas de pus, bolhas de sabão e outras hipóteses
Ainda que uma bolha de preços no setor de inteligência artificial pareça improvável, uma bolha de lucros continua sendo possível
Um ano de corrida eleitoral e como isso afeta a bolsa brasileira, e o que move os mercados nesta quarta-feira (1)
Primeiro dia de outubro tem shutdown nos EUA, feriadão na China e reunião da Opep
Tão longe, tão perto: as eleições de 2026 e o caos fiscal logo ali, e o que mexe com os mercados nesta terça-feira (30)
Por aqui, mercado aguarda balança orçamentária e desemprego do IBGE; nos EUA, todos de olho nos riscos de uma paralisação do governo e no relatório Jolts