Em 2023, desejo a você serotonina
A serotonina é muito diferente da dopamina. De alguma maneira, ela, para a real construção de uma História, exije persistir no desconforto
“A única lembrança mais precisa que tenho é de uma gravação pirata de ‘Child in Time’ feita em Duisbuirg, em 1970, a sonoridade dos Klipschorn era mesmo excepcional, esteticamente talvez tenha sido o momento mais bonito da minha vida, faço questão de dizer isso porque a beleza talvez possa servir para alguma coisa, enfim, devemos ter ouvido a canção umas trinta ou quarenta vezes, fascinados em cada uma delas pelo movimento de enlevo absoluto com que Ian Gillan, acima do domínio tranquilo de Jon Lord, passava da palavra ao canto e depois do canto ao grito e retornava à palavra, seguido imediatamente pelo break majestoso de Ian Paice, é verdade que Jon Lord o apoiava com sua habitual combinação de eficácia e grandeza, mas de todo modo o break de Ian Paice era suntuoso, com certeza o mais belo break da história do rock, depois Gillan voltava e se consumava a segunda parte do sacrifício, Ian Gillan passava da palavra ao canto outra vez e do canto ao puro grito, e pouco depois a faixa infelizmente terminava e não tínhamos outro remédio senão pôr a agulha de novo no começo, e poderíamos viver assim eternamente, não sei se eternamente, claro que era uma ilusão, mas uma bela ilusão.”
Escolhi este trecho do livro “Serotonina”, de Michel Houllebecq, o queridinho dos franceses para começar este 2023.
Sabe, eu estive pensando no que poderia desejar-lhes para o Ano Novo. Há sempre uma dúvida importante – não chega a ser uma dúvida paralisante, mas, ainda assim, seria também hipocrisia não tratá-la como importante – entre palavras excessivamente emocionais que soem como cafona ou clichê para esses momentos, e outras mais frias e distantes, incapazes de transmitir, de fato, o que eu gostaria de desejar àqueles que estiveram conosco por mais um ano. No final (e também no começo), são eles (no caso, vocês) que nos permitiram estar aqui. Aprendi a gratidão com a minha mãe e meu pai e, por mais que essa seja virtude em extinção em tempos de pragmatismo, tento carregá-la comigo.
A verdade é que tenho a sensação de ainda estar vivendo 2020. Se no domingo acordamos com a ressaca sobre os abusos do sábado, sendo o segundo dia uma espécie de extensão do primeiro, uma linha contínua aparentemente interrompida por uma breve noite de sono (mal dormida pelos efeitos do álcool, claro), passamos por 2022 sob as mazelas da pandemia de 20.
Não foi um ano qualquer. Ah, não foi. Já chegamos cansados de dois anos de sofrimento. Um evento bíblico como a pandemia tem caudas gordas. Os efeitos ficam por um longo tempo. Depois da tempestade…. mais e mais relâmpagos. O característico portfólio 60/40 teve seu sétimo pior ano da série histórica da Goldman Sachs. Para investidores brasileiros, ainda que o Ibovespa, com seus bancos e commodities, tente esconder, as perdas permearam quase todas as classes de ativos de risco, enquanto o hedge do dólar não funcionou. Nem mesmo o aeroporto de Guarulhos foi uma boa saída – quem buscou proteção dolarizada nas bolsas americanas perdeu no câmbio e nas ações.
É por isso, talvez, que gostaria de desejar-lhes “serotonina" neste 2023. Digo “talvez" porque possivelmente haja algum outro motivo não-deliberado, expelido do meu inconsciente sem minha percepção. A serotonina é muito diferente da dopamina. De alguma maneira, ela, para a real construção de uma História, exija persistir no desconforto. Ora, ora, não é essa a essência da filosofia de Warren Buffett? Comprar as coisas que ninguém quer, que estão largadas… sofrer por um tempo (muitas vezes um tempo superior ao que gostaríamos) e ser premiado lá na frente?
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Em algumas definições típicas, a felicidade aparece associada ao conceito de prazer. Sua essência, no entanto, está mais ligada a um estado duradouro, diferente dos ciclos de recompensa típicos, estimulados por dopamina, que, por sua vez, muitas vezes inclusive inibe a serotonina.
Cameron Sepah, psicólogo famoso no Vale do Silício, inclusive defende uma espécie de jejum de dopamina. Na etimologia, “dope" tem suas raízes no holandês “doop”, que significa molho ou caldo de carne; ganhou a conotação narcótica posteriormente.
Em “The Hacking of the American Mind”, Robert Lustig faz um exame profundo da subversão de nossa busca original pela felicidade, modificada em favor de uma cultura de vício e depressão. A dopamina, altamente viciante, é o neurotransmissor que informa nosso cérebro de que precisamos de mais. E assim vamos, transformando quase tudo em nossas vidas e atividades diárias numa espécie de jogo.
Uma gamificação total da vida, em desfavor da verdade narrativa sobre si mesmo, da construção de uma história com significado genuíno para si. A sobreposição do mito do herói de Campbell por uma dose a mais de um pequeno prazer.
O foco está na próxima curtida no Instagram, no bônus de fim de ano superior ao do coleguinha, aos 10 basis-points a mais no partnership, a redução de alguns segundos na prova do Iron Man. Pequenas conquistas (muitas vezes irrelevantes) para mostrarmos que sabemos jogar. Sim, sim, se você pensou no ganho de X reais no Day trade, bingo! É isso mesmo.
Deixamos a verdadeira construção patrimonial de longo prazo (serotonina) de lado, em favor de uma variação positiva na cota em intervalos curtos (dopamina).
Tipicamente, definem-se três tipos de atletismo na vida humana. O atletismo físico é o mais óbvio. Alguém musculoso e capaz de desempenhar tarefas físicas árduas é um sucesso nessa área. O atleta intelectual está normalmente associado à pessoa inteligente. Já o atleta emocional liga-se à figura do sábio e sereno.
Em cada uma das áreas, o melhor atleta costuma ser aquele capaz de suportar o desconforto a que está submetido. O atleta físico aguentou a dor e o cansaço por mais tempo, até tornar-se tão forte, musculoso e resistente. O inteligente tende a ser aquele que, diante de uma tarefa intelectualmente difícil, se mostra interessado, em vez de afastar-se dela. E o sábio consegue atravessar mesmo as emoções mais severas e dramáticas com alguma tranquilidade.
Arrisco lançar um quarto tipo: o atleta investidor. Em linha com os demais, sua habilidade de destaque está ligada à capacidade de persistir nos momentos ruins.
É isso, nada mais, que o fará verdadeiramente grande lá na frente. Como em cada nicho da vida, também no mercado financeiro a persistência e a paciência serão devidamente remuneradas.
Você não precisa ganhar no day trade, porque, na verdade, esse é um jogo que talvez nem valha a pena jogar. Buffett não me parece alguém viciado em dopamina.
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