Os presidentes dos EUA, Joe Biden, e do Brasil, Jair Bolsonaro, não são melhores amigos — muito pelo contrário, a relação entre eles está longe de ser próxima. Mas, agora, esse convívio tem tudo para ser diferente, no melhor estilo uma mão lava a outra.
Os dois líderes devem se reunir pela primeira vez amanhã (9), em Los Angeles, durante a Cúpula das Américas — evento que ocorre, em média, a cada quatro anos e tenta traçar ações para lidar com desafios compartilhados entre os países da região.
Além de ser o palco do aperto de mãos inédito de Biden e Bolsonaro, essa edição será a primeira realizada nos EUA desde o encontro inaugural em Miami, em 1994, e terá o chefe da Casa Branca como anfitrião.
Por isso, a cúpula deste ano é vista por especialistas como uma maneira de o presidente norte-americano reparar danos e estabelecer diferenças em relação à maneira como o seu antecessor, Donald Trump, lidava com a América Latina.
Vale lembrar que Trump, considerado um aliado por Bolsonaro, não compareceu à Cúpula das Américas de 2018, enviando no lugar o vice Mike Pence.
Uma mão lava a outra
E é aí que a porca torce o rabo. Biden corre o risco de ser o anfitrião de uma cúpula esvaziada.
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, confirmou na segunda-feira (06) que não participará da Cúpula das Américas deste ano — um duro golpe nos esforços dos EUA para mobilizar os governos da região a trabalharem juntos.
Outros líderes, incluindo de Guatemala, Honduras e El Salvador indicaram que também vão passar longe do evento.
A chance de um constrangimento em nível global acontece em um momento no qual Biden tem lutado para reafirmar a liderança do país na América Latina.
No entanto, a desconfiança da região em relação aos EUA é profunda, e a China tem feito grandes incursões nas últimas duas décadas.
Um exemplo desta aproximação foi a cúpula virtual, organizada pelo governo chinês, com ampla adesão de ministros de Relações Exteriores latinos, em dezembro de 2021.
Por isso, Biden conta com o Brasil para sair de uma saia justa internacional. E Bolsonaro sabe de sua importância na Cúpula das Américas deste ano.
“[A cúpula] é um evento que, sem o Brasil, é bastante esvaziado”, disse Bolsonaro em entrevista ao SBT News na terça-feira (08).
E o que Bolsonaro ganha com isso?
Como não existe almoço grátis, Bolsonaro não vai estender a mão a Biden à toa. O presidente brasileiro tem um excelente motivo para estar em Los Angeles amanhã: as eleições de outubro deste ano.
Se, de um lado, Biden procurou Bolsonaro em uma tentativa de salvar a cúpula, do outro, o presidente brasileiro usará a reunião com o homem mais poderoso do mundo para melhorar sua imagem, enquanto se encaminha para uma dura campanha de reeleição.
Pesquisa recente de intenção de votos da Quaest, encomendada pela Genial Investimentos, mostrou que 52% dos eleitores brasileiros têm medo da reeleição de Bolsonaro, enquanto 25% temem a volta do PT. Confira a pesquisa completa.
Os espinhos das eleições
Ainda que uma mão lave a outra, nem tudo são flores no encontro entre Biden e Bolsonaro.
O ex-capitão do Exército brasileiro ecoou as alegações infundadas de Trump sobre fraude na eleição dos EUA de 2020 — vale lembrar que Bolsonaro foi um dos últimos a reconhecer a vitória de Biden.
E, antes de embarcar rumo aos EUA, Bolsonaro voltou a lançar dúvidas sobre a legitimidade da eleição norte-americana.
“Não vou entrar em detalhe sobre a soberania de um outro país. Agora, o Trump estava muito bem e muita coisa chegou para a gente que a gente fica com pé atrás”, disse Bolsonaro na entrevista ao SBT.
O presidente brasileiro levantou dúvidas semelhantes sobre o sistema de votação do Brasil, chamando-o de passível de fraude sem fornecer evidências.
As tentativas de desacreditar as eleições de outubro levantam temores de que Bolsonaro não aceite a derrota, e que seus seguidores possam imitar o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA.
Membros do alto escalão do governo de Biden já pediram a Bolsonaro que não prejudique a confiança no processo eleitoral.
O ex-ministro de Relações Exteriores brasileiro Celso Amorim, que participou de três cúpulas, disse à Reuters que Biden tem um preço a pagar para salvar o evento deste ano.
“Há um preço que Biden tem que pagar: concordar em convidar um presidente brasileiro que disse que houve fraude nas eleições de 2020 [ dos EUA]”, afirmou.
A pedra no sapato de Bolsonaro
Se Biden terá que engolir os ataques de Bolsonaro às eleições que o conduziram à Casa Branca, o presidente brasileiro tem uma pedra no sapato: a Amazônia.
E, dessa vez, não é só a questão do desmatamento que ronda o encontro dos dois líderes. O desaparecimento do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips também está na mira de Washington.
A Casa Branca passou a ser pressionada para que Biden cobre Bolsonaro sobre as buscas e investigações a respeito do caso.
Na terça-feira (07), o enviado do governo dos EUA para o clima, John Kerry, se comprometeu a encontrar respostas.
Pereira e Phillips estavam em uma expedição na Amazônia e a declaração de Kerry adiciona pressão sobre um assunto que divide Brasil e EUA.
Sobre o caso, Bolsonaro disse que "apenas duas pessoas" viajarem em um barco na região é uma "aventura que não é recomendada que se faça”.
O presidente brasileiro também afirmou que Biden não deve querer impor nada ao Brasil sobre a Amazônia.
“Ele não vai, no meu entender, querer impor algo que eu deva fazer na Amazônia. Eu acho que ele me conhece, conhece mais do que a mim, conhece a região. Não podemos relativizar a nossa soberania”, afirmou Bolsonaro em entrevista ao SBT.
Sobre o que os dois vão falar?
Biden e Bolsonaro terão uma reunião bilateral de 30 minutos. A Casa Branca tem evitado comentar quais serão os assuntos do encontro entre os dois presidentes.
Mas um membro do alto escalão do governo dos EUA disse esperar uma conversa franca entre os dois, ainda que algumas divergências possam surgir.
E essas divergências não são poucas. Washington e Brasília basicamente discordam sobre as grandes questões do dia: desde as mudanças climáticas e o desmatamento da Amazônia até a democracia e a invasão russa da Ucrânia.
Para piorar a situação, Bolsonaro expressou publicamente admiração pelo presidente russo, Vladimir Putin, quando visitou o Kremlin poucos dias antes da invasão da Ucrânia, atraindo fortes críticas da Casa Branca.
Do lado brasileiro, a expectativa é de que Bolsonaro e Biden discutam comércio, cooperação em defesa e desenvolvimento sustentável, além de investimentos em energia e mineração, segundo o funcionário do Ministério das Relações Exteriores, Pedro Miguel da Costa e Silva.
Mas vários observadores levantaram dúvidas de que ambos possam fazer progressos substanciais em apenas 30 minutos.