Já virou rotina: pelo menos uma vez por mês, no plantão de dúvidas da série Vacas Leiteiras, Rodolfo Amstalden, Richard Camargo e eu temos que explicar por que um monte de companhias que pagam bons dividendos não servem para a nossa seleção.
Às vezes são empresas que pagam dividend yields de dois dígitos, em setores considerados estáveis. E mesmo assim dizemos não. Por quê?!
Yields elevados em dividendos podem ser uma armadilha
Quem não gosta de ver uma grana pingando na conta todo mês ou, pelo menos, várias vezes no ano? Eu adoro, e tenho certeza que você também.
Este é o foco da série Vacas Leiteiras: investir em empresas boas pagadoras de dividendos.
O problema é que muitas vezes os dividendos prometidos por elas não são sustentáveis, seja porque a empresa está em um setor com perspectivas pouco favoráveis, ou porque ela mesma vai começar a enfrentar uma queda de resultados pela frente.
Nesses casos, a companhia pode até pagar dividendos polpudos no período. Mas é provável que a capacidade de distribuição futura seja comprometida, e as ações passem por uma reprecificação negativa no meio do caminho. É provável que, mesmo com bons dividendos no ano, as ações venham a se desvalorizar tanto que o seu prejuízo vai ser grande.
Qualicorp, um exemplo prático
Vamos pegar a Qualicorp (QUAL3) como exemplo. A companhia é a maior administradora de planos de saúde coletivos do Brasil e distribuiu um yield de mais 20% em dividendos desde o início do ano passado (considerando a cotação média da ação no período), o que parece ótimo.
Mas a Quali vem sofrendo com a inflação médica e com a queda do poder de compra da população. Os reajustes anuais dos planos têm provocado maiores churns (cancelamentos) e também o que o mercado chama de trade down, que é a migração de clientes para planos mais baratos.

Isso tem um efeito negativo sobre a receita. Mas fica ainda pior.
Para tentar acelerar a adição de vidas ao portfólio e estancar a perda de clientes neste ambiente desfavorável, a companhia está pagando comissões e bônus mais elevados nos últimos trimestres, o que está atrapalhando a sua rentabilidade.
O Ebitda caiu 9% no primeiro trimestre deste ano, com um recuo de 3 pontos percentuais de margem. O Lucro Líquido, por sua vez, despencou 35%.
O resultado disso foi uma desvalorização de 71% de QUAL3 desde o início de 2021, sem considerar os dividendos recebidos.

Considerando os 20% de yield médio no período (R$ 3 por ação), o resultado ainda foi muito negativo: -68%.
Moral da história
Acho que você já entendeu aonde eu quero chegar. De nada adianta um yield turbinado se o preço da ação despencar.
Quem investiu R$ 34,50 em QUAL3 no início de 2021 em busca de um dividendo de R$ 3 em 18 meses, está hoje com um patrimônio que não chega a R$ 13 (R$ 9,50 em QUAL3 + R$ 3 de dividendos).
Definitivamente não valeu a pena!
Foco em dividendos precisa ser mais abrangente
Na minha opinião, o maior erro de quem investe em dividendos é focar apenas em yields elevados, deixando de lado todo o resto.
Além dos yields, é preciso se atentar ao crescimento de lucros, sustentabilidade de resultados, dívida, geração de caixa, e muitos outros fatores que podem acabar transformando o seu investimento em uma baita furada.
É com base nesses fatores, e muitos outros, que escolhemos as ações da série Vacas Leiteiras. Mesmo neste ano turbulento, a carteira indicada se valoriza 8%.

O motivo dessa boa performance? A série está repleta de empresas com perspectivas favoráveis, balanço sólido e capacidade de manter a distribuição de proventos mesmo neste momento macroeconômico difícil.
A Petrobras, que sobe mais de 35% no ano e anunciou uma quantia absurda de dividendos ontem, está em nossa seleção.
Um grande abraço e até a semana que vem!
Ruy